Acostumado às fortes emoções que marcaram sua trajetória como um dos fotógrafos mais importantes e respeitados do país, na quarta-feira passada (30/8), Walter Firmo, de 86 anos, se deixou levar pelas lágrimas, ao reencontrar Andreia Alves da Silva, de 37. 





No início dos anos 1990, ela, ainda menina, foi fotografada pelo carioca durante a Festa do Rosário, no Serro, região Centro-Nordeste de Minas Gerais. Depois disso, ele nunca mais teve notícias da menina cuja imagem faz parte do acervo da mostra  "Walter Firmo: No verbo do silêncio a síntese do grito" e tem destaque na primeira sala da exposição retrospectiva da obra do fotógrafo, em cartaz no CCBB-BH até o próximo dia 18. São personagens de suas fotos também artistas como Pixinguinha, Cartola, Dona Ivone Lara e Jamelão, entre outros.  

O encontro com Andreia só foi possível depois de reportagem publicada pelo Estado de Minas, em julho passado, procurando pela garota da foto. Uma vez localizada, Andreia teve apoio dos amigos para o reencontro com o fotógrafo, que manifestou interesse em revê-la e fazer uma nova imagem. 
 
 

Planeta Serro em ação

Os amigos da modelo se mobilizaram para viabilizar sua vinda a BH. A mobilização começou com o Planeta Serro, comunidade virtual com 50 mil seguidores, o dobro da população da cidade mineira, que dividiu com a produção de Walter Firmo os custos da viagem que trouxe do Serro para a capital Andreia, o marido, Marco Túlio, e o filho, Eydrian.

Para reencontrar Firmo, Andreia caprichou nos detalhes. Teve cuidado ao escolher o mesmo tom de rosa da roupa que estava usando na Festa do Rosário, num vestido longo e de alças.
 
"Aquele vestido, um vestido de domingo como se diz, foi costurado à mão por minha mãe. Ela não tinha máquina (de costura)", recorda ela, dizendo que só não pediu à mãe para fazer outro vestido por não ter tempo. Walter revelou que, na época, pensou que Andreia deveria ter entre 10 e 12 anos, por isso a surpresa ao descobrir que a modelo tinha entre 6 e 7 anos.




 
Mas essa não foi a única surpresa do encontro. Na memória do fotógrafo, a imagem que aparece no quadro tinha sido um registro instantâneo, flagrando a menina naquela pose. "Fiquei sabendo que eu fui lá pedir autorização da mãe dela, que disse sim, que não tinha problema algum.” A mãe disse que iria ela e o irmão dela, que, nas conjecturas de Walter, deve ter sido fotografado, mas, inspirado pela festa religiosa, preservou somente a figura da menina, que associou à imagem de um anjo. 
 

O fotógrafo diz que sempre se referiu à imagem de Andreia como sendo a fotografia da 'menina-deusa'; no reencontro, ele fotografou novamente a modelo e o filho dela

(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
 

Ao relembrar o passado, Walter chorou novamente. “Ela era então para mim uma divinação, foi assim. E toda vez que eu olhava para aquela fotografia na minha exposição eu chorava porque era uma pessoa que parece que saiu de casa para ser fotografada por mim, para a missa de domingo, com aquela roupinha, aquele sapatinho."  

Atenta às lembranças de Walter Firmo, Andreia por sua vez, diz que se lembra do pedido dele à mãe e da movimentação na Praça do Rosário, que estava muito cheia. Foto feita, ela diz que ele sumiu e somente anteontem os dois se reencontraram. 

No bate-papo, Walter disse que, quando viu aquela menina em meio à festa, era, para ele, como uma divindade. "Como ainda é, agora transformada em mãe. Eu não estava errado quando alguma coisa me motivou a fotografar aquela criança." 

Andreia entra na trajetória do fotógrafo como mais um personagem tipicamente brasileiro. "A minha vida faz parte dessa gente que vive em uma casa simples, que lá em cima, no frontal, está escrito lar de Nadir. Esse lar é o meu mesmo, de pessoa simples e sempre vivenciei isso. Meus pais também eram de vida simples. Eu só trabalho com esse tipo de gente. Glorificando, claro", disse.




Mãe ou freira?

Quando Andreia começa a contar sua história, fica claro que, no fundo, Walter tinha razão ao se encantar com aquela menina em uma festa religiosa. Ela disse que, desde muito nova, sempre quis ser freira. "Naquela época, queria ajudar as pessoas mais necessitadas", diz. Depois do ensino médio, ela seguiu para uma congregação, onde permaneceu por 12 anos. 

Até que, um dia, trabalhando em uma creche, surgiu a vontade de ser mãe. Entre risos, disse que para ser mãe era uma coisa ou outra. Não podia ser mãe e freira.
 
"Aos 30 anos, recomecei minha vida. Fiquei na roça por um ano tentando trabalho. Plantava milho, capinava, buscava lenha nas costas. Não era fácil. Vim para BH, trabalhei em um posto de gasolina. Meu coração ficou inquieto, tinha alguma coisa no Serro para mim."
 

Andreia levou o pequeno Eydrian, seu primeiro filho, para o encontro com o fotógrafo

(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
 
Nas redes sociais, descobriu Marco Túlio, o pai de seu filho Eydrian. "Casamos rapidinho, não tínhamos casa, ainda vivemos de aluguel. Estou desempregada. Ele trabalha no comércio. Ele está de férias e volta a trabalhar dia 1º (nesta sexta)."





Walter quis saber se o casal pretende aumentar a família. Disse que, se vier mais um bebê, quer ser o padrinho. O fotógrafo surpreendeu Andreia quando propôs que ele a fotografasse junto com Eydrian, de frente para fotografia feita no Serro.

Foi uma festa. O pequeno Eydrian foi a atração daquele encontro, que terminou com a promessa de que, no ano que vem, na Festa do Rosário, Walter Firmo estará de volta ao Serro para novas fotos. 
 

Marco Túlio, marido de Andreia e pai de Eydrian, registrou a família na exposição 'No verbo do silêncio a síntese do grito', no CCBB BH

(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
 

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