Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Alaíde Costa lança 'Harmonias que soam e ressoam', disco com pegada de jazz


“É como diz aquele ditado: Deus tarda, mas não falha. Agora, aos 87 anos, as coisas estão acontecendo.” A frase da cantora Alaíde Costa expressa o momento de intensa produção e visibilidade em sua longa – e nem sempre valorizada – trajetória. Ela está em Belo Horizonte para participar do pré-lançamento de seu novo álbum, “Harmonias que soam e ressoam”, nesta quarta-feira (21/12), na loja Acústica CDs.





Em maio, Alaíde lançou “O que meus calos dizem sobre mim”, produzido por Marcus Preto e Emicida, com direção musical de Pupillo. Esse trabalho reverberou, colocou Alaíde sob os holofotes. O volume 2 está previsto para o próximo ano.
 
Já “Harmonias que soam e ressoam”, que também será lançado em 2023, foi produzido por Geraldo Rocha, com direção de Gilson Peranzzetta. O álbum foi maturado ao longo de mais de cinco anos.
 
Geraldo conheceu Alaíde quando foi trabalhar na gravadora carioca Biscoito Fino, na década de 1990. Em 2015, ele coordenou o álbum dela “Alegria é guardada em cofres, catedrais”, em parceria com Toninho Horta, lançado de forma independente.





Empolgado, o produtor propôs à cantora outro projeto. Com roupagem jazzística, sem bateria ou percussão, traria temas que Alaíde ainda não havia gravado – embora cantasse alguns deles em shows.

“Seria uma formação pequena, algo a que ela estava habituada. Mas com arranjos diferentes, não a formação clássica piano, baixo e bateria. Ela gostou e começamos a gravar”, diz Geraldo.
 
Capa do novo álbum de Alaíde Costa foi um dos últimos trabalhos do ilustrador Elifas Andreato (foto: Elifas Andreato/reprodução)
 

Time de primeira

O processo teve início logo após o lançamento de “Alegria é guardada em cofres, catedrais”, mas, por motivos diversos, veio se estendendo ao longo dos últimos anos. Foi convocado o maestro, compositor, pianista e arranjador Gilson Peranzetta para fazer boa parte dos arranjos, acompanhado do trompetista José Arimatéa e do baixista Rodrigo Villas. A esse time se somaram Toninho Horta e o violonista Gabriel de Aquino.





O repertório começou a ser montado a partir de “Setembro”, de Ivan Lins, Vitor Martins e Peranzzetta, e “Coisa nº 1”, de Moacir Santos, que ela havia gravado com o autor para o álbum de Baden Powell e Jimmy Pratt, lançado em 1963.

“Alaíde não se lembrava da gravação de ‘Coisa nº 1’. O disco do Baden fecha com ‘Canção do amor sem fim’, dela e de Geraldo Vandré. Além de grande cantora, ela é grande compositora”, aponta o produtor.

Alaíde diz que ficou estimulada com o repertório, que inclui composições de Johnny Alf, Chico Buarque, Tom Jobim e Gilberto Gil, de quem, diga-se, nunca havia gravado nada. A escolhida foi “Se eu quiser falar com Deus”.





“Gosto de me aventurar. Ter feito esse trabalho foi uma coisa muito importante para mim. Consegui gravar canções que nunca tinha registrado, mas que tinha vontade. Um processo muito bonito. Dei minha versão a ‘Se eu quiser falar com Deus’”, diz. Alaíde destaca que sua releitura é bem diferente das versões de Elis Regina e do próprio Gil.

Ela explica que a singularidade de “Harmonias que soam e ressoam” é a sonoridade, alcançada por meio dos arranjos enxutos. Trabalhar com velhos conhecidos a deixou à vontade.

“Gravar com Gilson é uma delícia, adoro. Além de músico, maestro e pianista muito talentoso, ele é também um grande amigo”, diz. Peranzzetta não está presente em todas as faixas. Não participa, por exemplo, de “Se eu quiser falar com Deus”.

“Nessa faixa entrou o violão do Gabriel de Aquino, com o José Arimatéa e o Rodrigo Vilas. Ficou bem diferente”, garante Alaíde. “Harmonias que soam e ressoam” é o quarto trabalho dela e de Peranzzetta. A faixa-título, a propósito, foi composta por ele com Nelson Valência especialmente para o álbum.



Gosto pelo risco

Geraldo Rocha diz que uma característica marcante de Alaíde é o apreço pelo risco, o fato de não ter medo. “Nunca vi uma cantora que se arrisca tanto com tanta segurança. Isso é legal porque nos dá margem para propor.”

Inicialmente, o lançamento do álbum ocorreria em 2017. “Teve crise econômica, teve o impeachment da presidente, teve o cenário político, social e econômico turbulento, depois veio a pandemia, daí vem Copa do Mundo, quer dizer, foi um processo lento mesmo”, diz Geraldo Rocha.

Quando já estava tudo pronto, um (bom) contratempo causou o retorno ao estúdio: Toninho Horta se ofereceu para tocar. “Voltamos para o estúdio para ele gravar participação em ‘Dindi’ (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), por sugestão da Alaíde”, recorda.





Outro destaque é a capa do álbum, um dos últimos trabalhos assinados por Elifas Andreato, que morreu em março deste ano.

Alaíde está feliz por sua voz “soar e ressoar” em tantas frentes. Espera que os dois álbuns que reserva para 2023 sigam a trilha de “O que meus calos dizem sobre mim”.
 

 
 
Vários artistas enviaram canções para este disco – Erasmo Carlos, Ivan Lins, João Bosco, Joyce, Céu, Nando Reis, Fátima Guedes, Guilherme Arantes e Tim Bernardes. Com isso, há material para o segundo álbum.

Alaíde Costa e Emicida: diálogo entre gerações (foto: Ênio César/divulgação)
“Emicida está com melodias de vários compositores para colocar letra. Tem músicas do Guinga, do Francis Hime, do Marcos Valle, do João Donato e do próprio Gilson (Peranzzetta)”, aponta Alaíde, destacando que o recrutamento para a composição de temas especialmente para sua voz foi ideia de Emicida, nome de ponta do rap nacional.





“Estranhei, porque o trabalho que ele faz não tem nada a ver comigo, mas Emicida é muito inteligente e muito versátil, fez letra para músicas da Joyce e do Ivan Lins”, diz. Por falar em versatilidade, ela acabou de gravar canção de Marisa Monte e Carlinhos Brown para o volume 2. 

O momento é de comemoração. Ao longo de sua longa trajetória, iniciada na década de 1950, ela conheceu o ostracismo. Ficou sem gravar, apresentando-se apenas em pequenos espaços. Em entrevistas, revelou que teve mais tristezas do que alegrias na carreira.

Porém, nem precisa puxar muito pela memória para destacar o momento mais marcante. “Foi quando cantei no show ‘O fino da bossa’, no Teatro Paramount (em São Paulo), com vários artistas. Fiz ‘Onde está você’, tema então inédito do Oscar Castro-Neves. Fui ovacionada e tive de repetir mais duas vezes”.



Milton Nascimento e Alaíde, em foto de 2008. Ela é a única voz feminina do antológico "Clube da Esquina" (foto: Gualtier Sgarboza/divulgação)

A mulher do Clube da Esquina

Esse episódio, ocorrido em 1965, lhe abriu caminhos. Outro momento marcante foi a participação – na condição de única voz feminina – do álbum “Clube da Esquina”, de 1972. “Guardo ótimas lembranças”, diz ela. “Quando conheci a turma, era uma garotada, tudo menino na época, fazendo música moderna, diferente. Fiquei muito surpresa e muito grata por ter participado.” Alaíde destaca um detalhe importante: gravou “Me deixa em paz” (Monsueto Menezes e Airton Amorim), a única canção do álbum duplo que não foi composta pelos “sócios” do Clube. 

Na passagem por São Paulo da turnê “A última sessão de música”, que marcou a despedida de Milton Nascimento dos palcos, ele dedicou o show a Alaíde, que o visitou no camarim. “Fiquei muito emocionada com esse reencontro.” 
     
  Hoje à tarde, na Acústica, ela vai autografar o disco, que estará excepcionalmente à venda, pois o lançamento só ocorrerá em janeiro. A partir das 17h, a DJ Black Josie fará desfilar, ao som de vinis, clássicos na voz de Alaíde Costa.

ALAÍDE COSTA

Sessão de autógrafos e pré-lançamento do CD “Harmonias que soam e ressoam”. Nesta quarta-feira (21/12), a partir das 17h, na loja Acústica CDs (Rua Fernandes Tourinho, 300, Savassi). Entrada franca