Jornal Estado de Minas

CINEMA/CRÍTICA

Solidão a três no sertão baiano

 
 
Em “Sol”, a diretora e roteirista Lô Politi enfrenta o desafio de promover o encontro entre três personagens fechados em si mesmos e, de modo geral, pouco dispostos a sair de si mesmos.
 
Teo é o arquiteto que acolhe em sua residência, em Salvador, a filha Duda, pré-adolescente que vive com a mãe. Teo bem que deseja se aproximar de Duda, mas sua inabilidade para remover as resistências da filha não leva mais de dois minutos para se mostrar: o arquiteto é um ressentido, que vive quase com prazer esse sentimento. Obviamente, isso se deve em boa parte, nota-se, à separação da mulher.





Os sentimentos de Duda parecem se balizar sobretudo pelo distanciamento físico do pai, a quem não vê com frequência. O fato de ser praticante de skate a define menos pela idade do que pelo fato de se dedicar a uma atividade cuja característica central consiste em uma prática solitária, em um estar consigo mesmo e distante dos demais.
 

 
 
Existe, por fim, Teodoro. O pai de Teo, a quem relutantemente o filho se vê constrangido a visitar no interior da Bahia, já que o velho tentou o suicídio. A viagem coloca Teo diante de seus fantasmas mais distantes: o abandono da mãe pelo pai, quando ele ainda era criança, o sofrimento da mãe em função desse abandono, o reencontro com os sinais do amor do pai pela segunda mulher, Solange, mais conhecida como Sol.
 
Desde a morte de Sol, Teodoro também não vê razão para viver, o que só serve para aumentar o amargor de Teo em relação a esse homem que, em seu distanciamento do mundo, recusa-se mesmo a falar.




 
Em todo caso, Teodoro consegue vagamente relacionar-se com Duda – em definitivo, não está disposto a se entender com o filho –, o que acaba fazendo dele a precária ponte a aproximar Teo de sua filha.

Reencontro e passado

Essa espécie de solidão a três e seus desdobramentos retiram o filme da convenção dos filmes de reencontro, ao mesmo tempo em que propõem uma tarefa maior, que é a de desenvolver personagens e situações estritamente em relação ao passado de cada um.
 
Teodoro sofre com a perda da família na infância e, ao mesmo tempo, com a perda da família criada com o próprio casamento. Talvez isso o torne pessoa tão controladora.
 
Teo sofre com a perda da segunda mulher e rejeita o mundo em bloco. É a personagem de evolução mais difícil, já que os poucos sinais que emite em direção ao mundo (ou seja, aos dois) pouco dizem sobre seus sentimentos além do óbvio: sua vida era Sol, e sem ela tudo que quer é estar o mais longe possível de tudo e de todos e, se possível, da própria vida.




 
Nesse quadro, se Duda é a personagem capaz de evitar que o roteiro vire um puro e silencioso desencontro, em compensação é também aquela cujos sentimentos são os mais voláteis: se rejeita o pai, ao mesmo tempo depende dele; se não vê interesse na figura de Teo, a ideia de avô de certo modo a fascina. Para ela, Teodoro oferece, no mais, um contraponto à figura controladora do pai.
 
A dramaturgia sofre com o caráter do trio de personagens – no caso de Duda, a infância a limita; no de Teodoro, a velhice; no de Teo, a casmurrice. O esforço central do filme acaba sendo o de contornar o de certa forma limitado caráter de seus heróis, o que talvez tenha impedido Lô Politi de marcar o filme com uma visão de mundo própria – ou eu não a captei, o que também é possível.

Entre altos e baixos, idas e vindas, o que faz o interesse de “Sol” é sobretudo a visita ao sertão baiano que o filme promove. Entre lugarejos mínimos, restaurantes de beira de estrada quase deploráveis, feiras animadas e travessias de balsa, o filme vai reencontrando esses lugares que um dia os documentaristas da Caravana Farkas revelaram à gente da cidade.
 
Essa paisagem introduz inesperado calor nesse filme marcado pela frieza das relações interpessoais e pelas dores que cada personagem vive solitariamente: o sol que ali surge é sempre de crepúsculo.

“SOL”

Brasil, 2021. De Lô Politi. Com Rômulo Braga, Everaldo Pontes e Malu Landim. Em cartaz no BH 9 (17h30 e 20h, seg./18h30 e 21h, ter./17h30 e 20h10, quar.), Centro Cultural Unimed BH-Minas 1 (18h) e UNA Belas Artes 3 (18h30, ter.).