Jornal Estado de Minas

LUTO NA MÚSICA

'Sou um eterno aprendiz', disse Erasmo Carlos ao Estado de Minas

Era íntima a relação entre Minas Gerais e Erasmo Carlos. Dos últimos 10 shows do Tremendão, cinco foram em terras mineiras. Ele morreu nesta terça-feira (22/11), pouco mais de 24 horas depois de ser internado às pressas no Hospital Barra D’or, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em outubro, ele havia sido internado no mesmo hospital para tratar de uma síndrome edemigênica. 





 

Caeté foi a última cidade do estado onde o Tremendão se apresentou, em 23 de setembro passado. “Ele é o Bom! Ele é o Bom! Mais uma noite especial neste último final de semana, agora em Caeté- MG, onde todos cantaram conosco e eu me senti o BOM! Obrigado pela chuva de carinho que recebemos da galera”, postou Erasmo em suas redes sociais junto de um vídeo do momento em que cantava “O bom”, de Eduardo Araújo.

 

Sempre que vinha se apresentar na cidade ou lançava um disco, Erasmo batia um papo descontraído com o Estado de Minas e comentava os mais diferentes assuntos.

 

Em entrevista concedida em 2013, ele se definiu como “um eterno aprendiz”. À época, em turnê com o show Sexo & Rock’ n’ Roll, afirmou: “Sou amante das novidades, sou um eterno aprendiz, um cara antenado”.





Ímpeto de compor 

Erasmo não se considerava cantor, e sim compositor, conforme afirmou em outra entrevista, dessa vez, em 2015. “Sou compositor, não sou cantor. Canto por consequência, e gosto mais da minha voz hoje. Pode não ter a mesma potência, mas tem mais sentimento. Tenho ímpeto de compor, assim como um médico tem que trabalhar. E tudo é lucro: uma frase de um amigo, alguma coisa que leio no jornal, um livro, o que acontece na minha vida. Tudo é inspiração, e estou sempre procurando novas formas. É difícil falar do amor de maneira diferente, por vezes você acaba se repetindo. Tudo é um risco”, disse.

 

Existia no Tremendão, no entanto, a necessidade de parceria para compor. “Sou um compositor. Se não for com o Roberto, vai ser outro. Arnaldo (Antunes), Marisa (Monte), Nando (Reis), Nelson Motta... Se for com o Roberto, ótimo, temos uma vida quase inteira juntos. O que não posso é ficar sem (parceiro)”.

 

Roberto Carlos foi o maior parceiro de Erasmo Carlos em composições (foto: João Cotta/Tv Globo)
 

 

A perda do filho (morto em acidente de moto em 2014) foi um fato que muito abalou o artista. Na mesma entrevista de 2015, ele disse: “Foi um baque na minha vida. É uma tristeza com a qual estou aprendendo a conviver. Não, estou aprendendo a viver sem a alegria dele. Tenho outros filhos, netos... Então, a vida continua com a gente. Tenho que seguir com ela”.





 

O que Tremendão disse em 2013 sobre ser amante das novidades foi confirmado três anos depois, em entrevista à repórter do EM Cultura Mariana Peixoto. Na ocasião, Erasmo chegava a Belo Horizonte para fazer participação no show da cantora Tulipa Ruiz. “Já fiz show com o Jeneci e a Céu, agora chegou a vez da Tulipa”, comentou. “Conheço a nova MPB que ela faz, acho o LP Efêmera (seu álbum de estreia, de 2010) muito bom. Acho que essa história começou com o Los Hermanos”, emendou. 

 

Retomando ao que disse em 2015 sobre ser compositor, Erasmo destacou que sentia uma afinidade com Tulipa Ruiz pelo lado compositora dela. “É o que me fascina, pois a pessoa canta sua realidade. Minha atenção sempre foi mais dirigida aos compositores do que aos intérpretes, pois esses só repetem o que alguém já fez. E um compositor, principalmente quando jovem, pode fazer sua revolução”, afirmou.

Amor como conceito 

Em 2017, Erasmo deixou para trás sua fama de mau ao lançar o álbum "Amor é isso". Em entrevista ao Estado de Minas para divulgar o disco, ele explicou que o amor é algo que o fascinava.





 

“O amor como conceito, que engloba todos os amores possíveis e imagináveis. Uma coisa que me fascina é que o amor não é uma coisa que você possa explicar com palavras, mas você pode explicar com gestos. Então, o que me levou a fazer e afirmar que “o amor é isso” foi um vídeo que eu vi no YouTube de duas crianças, em que uma delas serve de ponte para a amiguinha passar por ele. Quando ela atravessa a ponte, que é o corpo do amigo, ela estende a mão para ele e seguem os dois caminhando. Isso me comoveu muito e falei: “Poxa, o amor é isso”. O amor pode ser mostrado e definido por gestos. Uma cadela dando de mamar a uma ninhada de gatos. Amor é isso, independente da natureza. Então essas coisas me fascinam”, disse.

 

“O amor é sempre uma necessidade, porque o amor pra mim é a salvação de tudo. Todas as respostas estão no amor. E é uma coisa que a vida vai te fazendo, às vezes, esquecer disso. Então, é sempre importante você lembrar, exercitar, falar, exercer (o amor). Sem demagogia. O amor é verdadeiro”, continuou.

 

O gosto por trabalhar com gente diferente e mais jovem também ficou ainda evidente no neste álbum, que contou com parceiros como Samuel Rosa, Marcelo Camelo, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto e Emicida. 

 

No entanto, ao ser perguntado sobre o que gosta de ouvir, Erasmo revelou: “Até por informação, ouço de tudo na internet, na televisão e também no rádio. Mas aí, na hora que quero ouvir mesmo música, eu ouço bossa nova e rocks antigos”.





O futuro pertence à... Jovem Guarda

Em maio deste ano, Erasmo voltou a conversar com o Estado de Minas. Dessa vez, ele desembarcava em Belo Horizonte para apresentar show da turnê “O futuro pertence à... Jovem Guarda”, derivado do disco homônimo lançado em fevereiro do mesmo ano. Ele voltou à capital mineira para outra apresentação do show, dessa vez em praça pública, no mês de julho. 

 

“Nós não estamos cuidando das novas gerações. Não estamos garantindo saúde e educação à altura do que elas merecem para fazer do mundo um lugar melhor. O mundo anda completamente desajustado e a culpa é nossa, pelas más escolhas na hora de votar e por deixar o ódio atingir o patamar que está atingindo”, destacou. 

 

Ele ainda criticou a falta de empatia das pessoas, sobretudo no contexto de pandemia: “Não consigo admitir que, em uma época de pandemia, uma nação tenha de vender vacina para a outra. Era a hora de estarmos todos unidos, em prol do bem comum que poderia ter evitado tantas mortes”. Essa indignação a respeito da pandemia se acentuou depois que o cantor foi infectado pelo novo coronavírus e precisou ser hospitalizado, em agosto de 2021.





 

“Pensei que jamais conseguiria voltar. Fiquei muito mal. Pensava que nunca mais pisaria no palco de novo. Pensava que o artista tinha acabado ali”, revelou, acrescentando que foi necessário acompanhamento com fonoaudiólogo para conseguir retomar a rotina de shows.

 

Quando o assunto era política, Tremendão preferia manter a discrição. “Em quem vou votar eu não vou dizer. Só peço que as pessoas votem direito para não se arrependerem depois", afirmou ainda em maio de 2022. No entanto, não condenou os artistas que se manifestam politicamente nos palcos. “Cada um faz a manifestação que quiser. O meu show é música. Vou lá para cantar, ser aplaudido e ser festejado pelas pessoas que gostam de mim. É uma celebração do amor. Não incentivo, mas quem quiser fazer, que faça”.

 

A aposentadoria nunca esteve nos planos de Erasmo. Ao comentar sobre a decisão de Milton Nascimento sobre o fim dos shows, Tremendão ressaltou: “Ninguém é de ferro. Vai ter um dia que vou parar também. Mas se não tiver nenhuma sequela na mente, nos braços e nos dedos, continuarei compondo”.





 

 

As lembranças que Erasmo tem de Belo Horizonte não se limitavam às várias apresentações que fez na cidade. Houve situações excepcionais que ele viveu, como a vez que saiu pela cozinha do hotel para se jogar na balada da capital mineira.

Ao colunista Helvécio Carlos, em maio de 2022, ele contou que veio à Belo Horizonte com a Jovem Guarda para uma apresentação ao vivo na TV Itacolomi. Foi do aeroporto ao hotel em carro do Corpo de Bombeiros, desfilando pelas ruas da cidade, com o público acenando ao longo do percurso. “Foi uma loucura a multidão na porta do hotel. Eu queria sair com a irmã do Eduardo Araújo”, relembrou, dizendo que se desvencilhou dos fãs saindo pela cozinha do hotel.

 

“O pessoal da gincana descobriu onde eu estava. Todos chegaram em carros com farol alto em direção ao bar. A polícia chegou, foi um auê, aquele vai não vai, vai não vai, e policiais retiraram as pessoas, me deixando na balada. Foi uma noite turbulenta e engraçada, mas aquele dia foi tenso, um acontecimento monstruoso”, ressaltou.