Jornal Estado de Minas

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Série mostra pequenos investidores derrotando os bilionários de Wall Street


Clayton Castelani/Folhapress

Se você faz parte da maioria que despreza o mercado de ações, provavelmente não deu bola para as notícias em janeiro de 2021 sobre o alvoroço provocado nos Estados Unidos pela disparada das ações da GameStop, rede de lojas de jogos de videogame à beira da falência.




Talvez não tenha ficado claro na época que não era uma história chata sobre finanças, mas o plano de vingança de pessoas comuns contra bilionários do mercado financeiro. Recém-lançada pela Netflix, a minissérie documental “GameStop contra Wall Street” conta como esse plano foi colocado em prática.

Crise das hipotecas

O documentário dirigido por Theo Love permite que pequenos investidores expliquem o sentimento que os fez caçar lobos em Wall Street. Entre eles está Diana Wilson, que viu o pai perder emprego e casa na crise das hipotecas, em 2008.

“Tenho esta fotografia na memória: enquanto as pessoas e a imprensa estavam lá na rua, em Wall Street, aqueles filhos da p** estavam na varanda estourando champanhe, rindo e tirando fotografias das pessoas que perderam suas casas na crise”, diz Wilson em um dos trechos da sua entrevista.





A cena narrada por Wilson ocorreu em 2011, durante os protestos do movimento conhecido como Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street). As pessoas na varanda eram apenas clientes de um restaurante nas proximidades. Não importa. A imagem segue como o retrato de ricos debochando dos pobres.

“Quando olhamos as crises financeiras, quem são os grandes perdedores?”, questiona Vicki Bogan, professora de economia da Cornell University, em outra parte do documentário. “Pense na crise das hipotecas. (Os perdedores) foram os donos de imóveis.”

Se há símbolos das artimanhas dos donos do dinheiro para lucrar em uma crise, os hedge funds (fundos de cobertura) certamente estão entre eles.

Nesse tipo de negócio, gestores fazem aplicações diversificadas para compensar perdas em momentos de turbulências. Uma das estratégias dos fundos é a venda a descoberto.





Fórum em rede social permitiu a pequenos investidores ter acesso ao Robinhood, aplicativo usado para a compra de ações da GameStop (foto: Netflix/reprodução)

Aluguel de ações

Nessa operação, o gestor aluga uma ação cujo valor ele acredita que vai perder e a vende para comprá-la novamente por preço mais baixo e devolvê-la ao proprietário. Diz-se que esse gestor “está vendido” em uma determinada ação.

 

Jason Mudrick, fundador do hedge fund Mudrick Capital, ilustra no filme como a operação pode ser lucrativa. “Alugo a sua ação da IBM por US$ 10 e a vendo (pelo mesmo preço). No mês que vem, ela vale US$ 8. Eu compro essa ação da IBM e te devolvo. Para você, está tudo igual. Mas eu gastei só US$ 8”, explica.


Fundos de cobertura despertam a fúria das pessoas porque trazem lucros a investidores que apostam na falência de um negócio.

Diante da crescente oferta de jogos on-line, a GameStop era uma típica loja condenada à falência, e diversos fundos mantinham posições vendidas em ações da empresa. A notícia de que um grande fundo está vendido em ações de uma empresa tende a provocar ainda mais queda da ação.





A história parecia estar se repetindo com a GameStop, até que milhares de pequenos investidores começaram a comprar em massa as ações da loja, e isso fez os preços subirem.

Os fundos de cobertura que apostaram contra a GameStop começaram a ter prejuízo e passaram a comprar rapidamente as ações antes que elas ficassem ainda mais caras. Isso fez os preços subirem ainda mais.
 

 

A aceleração dos preços de ações muito acima dos fundamentos de mercado é chamada de short squeeze – o pesadelo de fundos que operam vendidos. “É como apanhar moedas em uma linha de trem: funciona até você ser atropelado”, diz Mudrick.

Mas como é possível que pessoas comuns tenham encontrado essa oportunidade para castigar o mercado?

Participantes do fórum WallStreetBets, na rede social Reddit, descobriram que um forte movimento de compras da GameStop poderia impor o short squeeze e postaram a teoria na rede.






O tuíte de Elon Musk

A coisa pegou fogo quando o bilionário Elon Musk tuitou para seus mais de 40 milhões de seguidores: “Gamestonk!!”. O trocadilho junta o nome da empresa com uma variação da palavra stock (ação). O homem mais rico do mundo instigou mais pessoas a comprar a GameStop.

Porém, investidores do varejo não teriam chance de realizar uma rápida compra coordenada em massa sem a ferramenta certa. A tecnologia para isso havia surgido alguns anos antes, com a criação do aplicativo de corretagem Robinhood, gratuito e amigável a ponto de tornar a compra e a venda de ações tão simples como chamar o Uber.

Usuários do Reddit munidos do Robinhood tinham as ferramentas e a disposição necessárias para apostar tudo na GameStop. As ações subiram 700% em uma semana, gerando perdas de bilhões aos fundos de cobertura.





O freio no movimento ocorreu quando o Robinhood decidiu desabilitar o botão de compra. Se ninguém pode comprar, mas todos podem vender, o preço cai.

Robinhood sob suspeita

Há muitas suspeitas sobre o que esteve por trás da decisão do Robinhood, mas órgãos reguladores aceitaram a explicação de que a especulação colocava em risco os usuários, porque era impossível para a empresa realizar a curtíssimo prazo a operação financeira necessária para manter os pagamentos aos investidores.

A série “GameStop contra Wall Street” é, de fato, a história de pessoas comuns que protagonizaram uma batalha épica contra endinheirados e os fizeram provar, ao menos por um curto período, o seu próprio veneno. 

“GAMESTOP CONTRA WALL STREET”

• EUA, 2022
•  Direção: Theo Love
•  Minissérie em três episódios
•  Disponível na Netflix