Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Discos de Kaê Guajajara e Owerá saúdam a luta do indígena brasileiro

O rapper Owerá, da etnia guarani mbyá, canta em sua própria língua no álbum "Mbaraeté" (foto: Igor de Paula/divulgação)


O Brasil poderia ser um país orgulhoso de suas raízes indígenas. Poderia lutar coletivamente pela vida dos povos nativos, respeitando a demarcação de suas terras. Poderia abraçar a rica variedade cultural das diferentes etnias, em vez de ser palco de chacinas e do discurso de ódio.





Com a proposta de dar visibilidade à cultura e às demandas de seu povo, a cantora, ativista, compositora, escritora e atriz Kaê Guajajara lançou seu primeiro disco, “Kwarahy Tazyr”, em setembro de 2021. Agora, o álbum ganha nova roupagem com formato visual, a partir de uma série de videoclipes disponibilizados semanalmente no YouTube.
 
“Buscamos trazer as imagens à narrativa do disco. Ninguém consegue imaginar como é de fato ser uma indígena favelada. Buscamos trazer as denúncias não só através das letras, mas a partir de imagens, o que também foi um exercício forte para nós”, explica Kaê.
 
 

Festival Amazônia

No próximo domingo (4/9), a artista vem a Belo Horizonte participar do Festival Amazônia, em defesa da Serra do Curral, que faz parte da programação da Virada Cultural.





A cantora, que nasceu em território indígena não demarcado em Mirinzal, no interior do Maranhão, mudou-se aos 9 anos para o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Trabalha suas letras, rimas e músicas desde os 16. “Quando reparei, estava escrevendo sobre vivências indígenas apagadas. Era isso que minha vida transparecia”, comenta.

Das 10 faixas do disco original, os vídeos de “Meu respirar”, “Home”, “Sol em leão”, “Amor indígena” e “Filha da terra” foram disponibilizados no canal do selo Azuruhu no Youtube. “Minha voz” tem 
 
“Kwarahy Tazyr” significa “filha do sol” em zeeg’ete, língua do povo guajajara, do tronco linguístico tupi.

“Desde pequena, quando quero me recarregar, vou para debaixo do sol, que é uma entidade para mim. Ser filha do sol é estar constantemente armazenando todo o brilho e todo o calor que ele nos passa. O que faço com meu trabalho é emanar essa mensagem”, diz.




 
VEJA o clipe "Por dentro da terra", com Kaê Guajajara:

 
Produzidos com smartphones por criadores indígenas do selo Azuruhu, os clipes têm roteiro da própria Kaê em parceria com Kandu Puri, que assina a direção do álbum visual.

“Priorizamos trabalhar com artistas indígenas. Selecionamos os que já vinham fazendo trabalhos com imagens e pudessem realizar trocas com os que tinham pouca experiência”, explica.

Kaê chama a atenção para a desconstrução de conceitos proposta pelo álbum, evidenciada pelas narrativas imagéticas da versão visual. O clipe de “Ancestralizou (interlúdio)”, por exemplo, desconstrói símbolos e monumentos associados à colonização e ao genocídio indígena.

“Quero mostrar que o que eles dizem que é conquista não valeu de nada. Falam que estamos abaixo deles, mas, na verdade, estamos aqui, vivos, enquanto eles estão em pedra”, comenta Kaê.

Cópia da Europa

A cantora destaca a origem indígena do Brasil, enfatizando que a falta de consciência a respeito da ontologia nativa por parte do brasileiro leva à reprodução do discurso hegemônico europeizado.





“Não se trata apenas de lançar o álbum, precisamos que o público fure a bolha e compartilhe conteúdos de artistas indígenas. As pessoas compartilham notícias trágicas nossas muito rapidamente, mas a nossa vida e o nosso cotidiano não viralizam. Desejo muito ver a sociedade brasileira como um todo percebendo os indígenas existindo e resistindo em todos os lugares.”

Além de assinar roteiro e direção, Kandu Puri participa de “Amor indígena”. Maynumi Guajajara e Uyra Sodoma estão, respectivamente, em “Sol em leão” e “Meus olhos”.

“Kwarahy tazyr” está disponível para streaming nas principais plataformas de conteúdo musical. A cantora prepara turnê nacional a partir de setembro, com passagem por Manaus, São Luís, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, além de Belo Horizonte.




O rap nativo de Owerá

Expoente do que vem sendo chamado de “rap nativo”, Owerá acaba de lançar o disco “Mbaraeté”. Com letras fortes, que mesclam português com a língua do cantor da etnia guarani mbyá, o repertório coloca em evidência a diversidade dos povos originários no Brasil.

O segundo disco de Owerá traz para o primeiro plano as etnias guarani mbyá, do Sul da cidade de São Paulo; huni kuin e tikuna, da Amazônia; xakriabá, de Minas Gerais; e guarani kaiowá, do Mato Grosso do Sul.
 
VEJA o clipe Nhamandú, com Owerá e Lozk:


Owerá, antes conhecido como Kunumi MC, estreou aos 16 anos, em 2017, com o EP “My blood is red”. Em 2018, lançou o primeiro disco completo, “Todo dia é dia de índio”, e o single “Xondaro Ka'aguy Reguá”, que lhe conferiram projeção no país e no exterior.





O single “Demarcação já (Terra ar mar)”, lançado em fevereiro de 2019, é parceria do rapper com o cantor e compositor Criolo, cujo vídeo está disponível no canal de Owerá, no YouTube.
 
Em “Mbaraeté”, o artista indígena recebe os convidados Célia Xakriabá, Txaná Ibã, OzGuarani, Brô Mcs e Djuena Tikuna, além de seu pai, o escritor Olivio Jekupé, a companheira, Pará Retê, e o filho, Tupã.

Das nove faixas, duas se tornaram singles: “A transformação”, com participação de Txaná Ibã e seus companheiros do coletivo Balanço da Floresta, Samakey e Yube; e “Mbaraeté”, com Pará Retê.





Owerá denuncia, com letras simples e frases marcantes, o crescente desmatamento da floresta e o histórico descaso do Brasil com os indígenas. 

A palavra mbaraeté significa resistência. Trechos das letras são cantados na língua do rapper, sem tradução para o português.

Trata-se de um gesto de resistência, pois para entender verdadeiramente as palavras é preciso conhecer a língua em que elas são ditas.
 

CONFIRA

KAÊ GUAJAJARA

“Kwarahy Tazyr”
» Disponível nas plataformas de streaming de áudio

“Minha voz”
» Disponível no canal do selo Azuruhu no YouTube a partir desta sexta-feira (2/9), às 12h

“Meus olhos”
» Disponível no canal do selo Azuruhu no YouTube a partir de 9 de setembro, às 12h
 
 Show em BH
» Neste domingo (4/9), a cantora participa do Festival Amazônia em defesa da Serra do Curral, na Virada Cultural de BH. O evento vai das 14h às 20h, no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, Avenida Afonso Pena, 1.377, Centro. Com Fernanda Takai, Nath Rodrigues, Marcelo Veronez, Coral Sérgio Pererê e Swing Safado. Entrada franca

OWERÁ

Disco “Mbaraeté”
» Nove faixas
» Natura Musical
» Disponível nas plataformas de streaming

* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria