Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Alberto Caeiro, o poeta que ensinou Fernando Pessoa a desaprender


A Companhia das Letras lança, nesta terça-feira (9/8), dentro de sua coleção dedicada a Fernando Pessoa, a nova edição de “Poesia completa de Alberto Caeiro”. A edição crítica ficou a cargo de dois renomados especialistas na obra do escritor português – Fernando Cabral Martins e Richard Zenith –, autores dos dois ensaios do livro.





Com base nos três conjuntos de poemas que compõem o volume – “O guardador de rebanhos”, “O pastor amoroso” e “Poemas inconjuntos” –, Martins considera que de todos os heterônimos de Pessoa, Caeiro talvez seja o que corresponda ao “esforço de arquitetura” mais bem-sucedido.

Simplicidade revolucionária

Zenith observa que o heterônimo, que surgiu em março de 1914, quando Pessoa tinha 26 anos, representou uma verdadeira revolução na trajetória do poeta, que se consagrou pelo estilo singular e bucólico, capaz de aliar polos aparentemente opostos como simplicidade e profundidade.

“É com Caeiro que Fernando Pessoa aprendeu a desaprender, esquecendo-se da sua vasta erudição para ver – e escrever sobre – o mundo como se o visse pela primeira vez”, diz. “A erudição de Pessoa ficou, digamos, entre parênteses, nada ostensiva, mas está lá”, aponta.





Richard Zenith diz que Caeiro ensinou Pessoa a fingir, a “outrar-se” – termo empregado pelo próprio poeta. “O surgimento de Caeiro marca o momento de viragem, em que Pessoa se torna um poeta verdadeiramente grandioso”, destaca.

“Meu ensaio debruça-se sobre as origens de Caeiro, sobre as influências – incluindo poetas como Walt Whitman e Cesário Verde – mais importantes para o surgimento deste poeta da natureza, e sobre o triunfo que Caeiro, com sua poesia tão singela, representou para um poeta cerebral como Pessoa”, sublinha.

Zenith afirma que os “atributos paradoxais” cumprem papel central na escrita do heterônimo, por aliar força, lucidez e estilo lapidar na obra que tem a natureza como eixo principal.

“A simplicidade de Caeiro é enganadora, pois toda a sua insistência em que as coisas são exatamente o que parecem ser, sem filosofia, constitui também uma espécie de filosofia”, ressalta.





Pessoa costumava se referir a Caeiro como “o guardador de rebanhos” e como o “pagão”, ao passo que dois de seus outros heterônimos famosos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, eram, respectivamente, o “estoico” e o “sensacionista”.

“Caeiro é, de certo modo, um materialista, mas descreve um mundo que parece não ter peso. Embora se identifique como um guardador, confessa no seu primeiro poema: ‘Eu nunca guardei rebanhos/ Mas é como se os guardasse’. Todos estes e outros paradoxos de Caeiro apontam para o impossível que se torna possível através da poesia”, diz Zenith.

O especialista observa que Caeiro não era pagão, mas o próprio paganismo, segundo Ricardo Reis e Fernando Pessoa.

“Sendo ‘objetivista’ absoluto, não lhe fazia sentido conceber deuses imanentes nas coisas. Para ele, as coisas bastavam em si, sem mais nada. Reis, sim, era um pagão, e infeliz por se sentir deslocado, nascido no final do século 19 e não na Antiguidade. Era um heterônimo classicista que dava importância às formas das coisas”, afirma.



Ambição multifacetada

Para Álvaro de Campos, aponta o especialista, o importante era sentir tudo de todas as maneiras. “Pessoa, sendo o poeta modernista mais importante de Portugal, ia bem mais longe. Através dos heterônimos, visava uma literatura totalizante. Queria, se fosse possível, englobar todas as tendências, de todos os tempos. Não havia um poeta mais ambicioso do que Fernando Pessoa”, destaca.

Ele pontua que, segundo as “Notas para a recordação do meu mestre Caeiro”, assinadas por Álvaro de Campos, os 49 poemas de “O guardador de rebanhos” apresentam Caeiro no seu auge, enquanto os “Poemas inconjuntos” foram produzidos por um Caeiro às vezes “doente”, menos incisivo.

Zenith também considera que alguns poemas desta última coleção não estão à altura daqueles que compõem “O guardador de rebanhos”.

(foto: Companhia das Letras/reprodução)

“POESIA COMPLETA DE ALBERTO CAEIRO”

De Fernando Pessoa
• Edição crítica de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith
• Companhia das Letras
• 264 páginas
• A partir de R$ 59,90