Jornal Estado de Minas

CINEMA

"Tralala" conta na forma de musical a história de um louco amor



Além de ser um dos gêneros mais tradicionais do cinema, o musical é também divisório. Ou se gosta (muito), ou não se tolera. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes, a comédia musical “Tralala”, dos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu, foge de qualquer padrão. É um musical em essência, com boa parte dos seus diálogos interpretados entre canções. Mas é tão inusitado que não se passa ileso por ele.




 
A história, em si, é simples. Um homem vai atrás de uma jovem que acabou de conhecer e acaba se passando por outro, desaparecido há duas décadas. Esta troca de identidade impacta sobremaneira a vida de um grupo de pessoas. A forma como os Larrieu contam tal história é que faz a diferença. Em alguns momentos tocante, noutros quase bizarro, “Tralala” brinca com os musicais convencionais, apostando na canção francesa.
 

 
 
Tralala (o ótimo ator Mathieu Amalric, que de cantor não tem nada) é um trovador que vive à beira da indigência em Paris. Na verdade, pouco se importa com isso. Malcheiroso e mal arrumado, com quase nenhum pertence, passa seus dias compondo letras nada palatáveis. Até que, uma noite, conhece uma jovem, Virginie (Galatéa Bellugi), que o deixa mesmerizado. No breve encontro, ela lhe diz: “Acima de tudo, não seja você mesmo”. 
 
Ela vai embora como chegou, rapidamente. Mas deixa um rastro. Um isqueiro com a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Tralala não pensa duas vezes: pega um trem e vai até Lourdes, cidade no Sudoeste da França, importante local de peregrinação católica, onde a Virgem Maria teria feito várias aparições – é a cidade natal dos irmãos Larrieu, vale dizer.




 
Ao chegar, Tralala perde o violão para um maluco local. Sem dinheiro, é levado por ele a um antigo hotel, que passou a receber pessoas sem teto. No dia seguinte, é acordado por Lili Rivière (Josiane Balasko), que acredita que aquele homem é seu filho Pat, que desapareceu há 20 anos. Na época, tinha ido embora para tentar a carreira de músico em Miami. 
 
Tralala decide se passar por Pat, e a chegada dele vai impactar profundamente a família e pessoas próximas. Seu irmão, Seb (Bertrand Belin, cantor e compositor e autor de algumas canções do filme), que administra um bar local à beira de um lago, é um homem frustrado pelo sumiço do irmão. Acaba renascendo com a volta de Pat. A ex-namorada dele, Jeannie (Mélanie Thierry) o recebe de braços abertos, mesmo sabendo logo de cara (e três orgasmos depois) que aquele homem não era Pat. 
 
Ao mesmo tempo em que se envolve com estas pessoas, Tralala/Pat continua atrás da jovem. Descobre que Virginie é filha da poderosa local, a dona do principal hotel de Lourdes, Barbara (Maïwenn), a paixão secreta de Pat no passado. Seria ele o pai dela?

Só que tudo isso é contado por meio de canções, de estilos variados e com letras por vezes para lá de estranhas. Vai desde o estilo balada crua de Tralala no início da história, passando pela chanson française e pelo eletrônico cheio de sintetizadores dos anos 1980. Uma sequência que começa realista pode terminar com uma cantoria com luz estroboscópica.




Bituca no toca-discos

Na seara musical, há uma exceção bastante honrosa e cara aos brasileiros. Na primeira conversa de “Pat” com sua mãe, os dois colocam no toca-discos Milton Nascimento cantando “Aqueles olhos verdes” (versão do bolero cubano que o mineiro gravou no álbum “Crooner”, de 1999). A canção é executada na íntegra.
 
“Tralala” foi feito na pandemia. Ainda que não se fale em crise sanitária, morte, ou COVID-19, na maioria das cenas os personagens secundários e figurantes estão de máscara. Grande parte da narrativa foi rodada em Lourdes, mas há sequências na capital francesa que demarcam claramente o período. Em dado momento, Tralala está em frente à Ópera de Paris – ao lado, o tradicional Café de la Paix aparece coberto por tapumes.
 
A decisão de trazer a vida real para uma ficção absolutamente surrealista cabe bem a um longa-metragem torto e irregular. Mas à sua maneira, sempre gauche, Tralala, personagem e filme, conseguem atingir o espectador.
 

"TRALALA"

(França, 2021, 120min, de Arnaud e Jean-Marie Larrieu, com Mathieu Amalric, Mélanie Thierry e Josiane Balasko). Em cartaz às 14h e às 20h20 no UNA Cine Belas Artes, que não abre às segundas-feiras.