Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Festival I Love Jazz faz público vibrar e dançar ao som dos anos 20


Na tarde deste domingo (26/6), o relógio apontava 15h30 quando cerca de 20 duplas acompanhavam animadamente a aula de lindy hop – primeiro estilo de swing dance, surgido nos salões de baile do Harlem, em Nova York – ministrada pelo grupo BeHoppers. A animação expressa nos semblantes dos dançarinos era um prenúncio do que seria o segundo e último dia do 12º I Love Jazz.



Passados quase três anos desde a realização de sua última edição – um período de incertezas e dificuldades de toda ordem em meio à pandemia –, o festival retornou em grande estilo. O que se viu na Praça do Papa neste último fim de semana foi um grande congraçamento, no palco e na plateia, em torno do gênero nascido entre o final do século 19 e o início do século 20 em New Orleans.

Uma feliz escalação de grupos e artistas apresentou um amplo panorama das origens do jazz, para um público estimado em aproximadamente 10 mil pessoas em cada dia. No sábado (25/6), as atrações foram a banda paulista Fizz Jazz, o violonista Juarez Moreira, o pianista norte-americano Ricky Riccardi e a Happy Feet Jazz Band, encorpada em formato big band – shows que causaram no público um crescente de empolgação.

No domingo (26/6), subiram ao palco a Jazz Band Ball, o pianista Christiano Caldas, o saxofonista e clarinetista Dave Mackenzie com seu quinteto e a xilofonista Heather Thorn com seu grupo Vivacity. Em ambos os dias, a programação teve início com a aula de lindy hop, que, ontem, acabou com uma brincadeira chamada snow ball.



Bola de neve

A dinâmica era a seguinte: uma dupla inicial, dançando no meio da praça, se separava e cada uma das partes escolhia, a esmo, uma outra pessoa entre as muitas que marcavam presença como par. Assim, o número de duplas seguia progressivamente aumentando. Um dos professores dos BeHoppers, Léo Sampaio, brincou que esperava ver mil pares bailando o lindy hop pela Praça do Papa.

Ele explicou à reportagem que o surgimento dos BeHoppers está diretamente ligado à realização do I Love Jazz. “A gente participa do festival desde 2012. Na verdade, naquele ano o grupo ainda nem existia, era só uma turma interessada nesse tipo de dança; foi o embrião”, disse, destacando o prazer de voltar à ativa. “As pessoas querem se movimentar, querem dançar, curtir uma música, então é um momento perfeito para essa retomada.”

No formato jazz band, a Happy Feet encerrou as apresentações de sábado, o primeiro dia do festival (foto: Marcos Vieira/EM/D.A. Press)

Com efeito, o público abraçou a temática proposta para esta 12ª edição do I Love Jazz, “Os anos 20 estão de volta”. Era fácil identificar na plateia, nos dois dias de festival, pessoas caracterizadas com indumentárias que remetiam à década de 1920. Os ritmos vibrantes da velha escola do jazz – como o swing e o dixieland – convidavam os presentes a requebrar as cadeiras e gastar a sola do sapato.





Homenagem aos anos 20

Algumas das atrações escaladas traziam no DNA o jazz embrionário de New Orleans – caso da Fizz Jazz, de Ricky Riccardi, da Jazz Band Ball e de Heather Thorn. Os outros grupos e artistas escalados, mesmo não tendo um vínculo tão direto com a temática, atenderam ao pedido de Marcelo Costa – organizador do festival e também trompetista e vocalista da Happy Feet – e incluíram em suas apresentações temas lançados nos anos 1920.

Juarez Moreira, no sábado, e Christiano Caldas, no domingo, por exemplo, recorreram às interseções possíveis entre o chorinho e o jazz para comporem seus respectivos repertórios. A Happy Feet, em seu show, optou por fazer uma viagem no tempo, traçando um percurso que partiu dos anos 20 até a década de 1960.

Na tarde de ontem, após a aula dos BeHoppers, a Jazz Band Ball se colocou a postos para o show sob os aplausos de um público ainda incipiente, que, no entanto, já ocupava todas as cadeiras dispostas na plateia – e que iria, mais tarde, ocupar todos os espaços da Praça do Papa com vista para o palco.



Carnaval de New Orleans

A banda, formada há 38 anos pelo baixista José Carlos de Araújo, abriu os trabalhos com o tema “Come with me”. A certa altura da apresentação, o trompetista e vocalista Marcos Miller, que também atua como uma espécie de mestre de cerimônias do grupo, falou sobre o Mardi Gras, o “carnaval” de New Orleans, o que serviu como uma espécie de prólogo para a execução de “Bourbon street parade” – a música mais representativa da festa.

Foi ele quem, num momento emocionante do show, entoou “What a wonderful world”, célebre na voz de Louis Armstrong, dedicando a canção ao público presente, que timidamente se arriscou a cantar junto. A Jazz Band Ball fechou sua apresentação de forma empolgante, convidando o público a dançar ao som de “When the saints go marching in” – tema gospel clássico que já foi interpretado por nomes que vão de Louis Armstrong e Bruce Springsteen, passando por Jerry Lee Lewis.

“É a segunda vez que a gente se apresenta no I Love Jazz”, disse Miller após o show, já nos bastidores. “Tocamos pela primeira vez em 2018. Tanto naquele ano quanto agora foi muito bacana, com muita gente bonita e uma estrutura muito profissional. Foi sensacional. E sentimos que o público recebe com muito carinho, o que nos faz sentir em casa”, acrescentou.




 

Piano protagonista

Quem sucedeu o grupo paulista foi o pianista mineiro Christiano Caldas. Ele, que já participou de diversas edições do I Love Jazz como músico acompanhante, teve, ontem, sua primeira vez como protagonista, com o suporte de uma banda formada por Felipe Continentino (bateria), Pablo Souza (baixo) e Magno Alexandre (guitarra).

Caldas desfilou um repertório montado exclusivamente para o festival, todo ancorado nos anos 1920, incluindo temas clássicos do gênero norte-americano e também composições de nomes como Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga embaladas em arranjos que dialogavam com a tradição do jazz.

Suspenso durante a pandemia, o festival voltou a atrair os admiradores do jazz (foto: Marcos Vieira/EM/D.A. Press)

O pianista gravou, no ano passado, seu primeiro álbum próprio, “Afinidades”, focado na obra de compositores mineiros, como Juarez Moreira, Célio Balona, Thiago Delegado e Fred Heliodoro. “É um disco que celebra as parcerias com essas pessoas com quem tenho um convívio de trabalho frequente”, diz.



Ele observa que ainda não conseguiu engrenar uma agenda em torno desse projeto, porque, como é sempre muito requisitado, falta-lhe tempo. “Atualmente tenho viajado com 14 Bis e Flávio Venturini, que, passado o período mais severo da pandemia, retomaram suas agendas com todo o gás. Além disso, tenho minha atuação como produtor musical, estou produzindo sempre, então o trabalho não para”, diz. “Mas o disco está aí, em todas as plataformas digitais”, sublinha.


Atrações internacionais

Depois de Christiano Caldas, a programação ainda reservava as apresentações de duas atrações internacionais – Dave Mackenzie Quintet e Heather Thorn and Vivacity, que também esteve presente na 11ª edição do festival, em 2019, antes da chegada da pandemia, e caiu nas graças do público.

Saxofonista e clarinetista, David Mackenzie é natural de Atlantic City e teve sua formação musical ao lado de nomes como George Mesterhazy, Bob Martin e Dennis Sandole. A partir de 1989, quando se mudou para Orlando, ele tocou e fez arranjos para grupos e artistas como a Classic Jazz Band, de Bill Allred; Michael Andrew; Orlando Jazz Orchestra; Dr. Phillips Jazz Orchestra; Kalinka Klezmer; e para sua companheira de programação na noite de ontem, Heather Thorn.



A xilofonista, por sua vez, se destacou com seu grupo no cenário musical do jazz com apresentações no Museu do Jazz, em New Orleans, e também marcando presença em eventos como o The Suncoast Jazz Festival. Heather Thorn and Vivacity dividiram o palco, ao longo de sua trajetória, com a Count Basie Orchestra, a Glenn Miller Orchestra, Ray Charles, Natalie Cole e The Mickey Mouse Club.


Importância dos patrocínios

Acompanhando as apresentações de ontem, Marcelo Costa chamou a atenção para o fato de que as presenças de grupos e artistas estrangeiros na programação do I Love Jazz só são possíveis graças aos patrocínios. Neste ano, o suporte financeiro foi dado pela Vale e pela CBMM.

“Está tudo muito caro, a gente sabe disso; as passagens estão caras, hospedagem, tudo, então sem esses patrocínios fica impossível fazer cultura. A Lei Federal de Incentivo à Cultura e as participações tanto da Vale quanto da CBMM foram essenciais. Ainda bem que existem empresas que enxergam isso e se alinham com o setor cultural”, afirmou.



Sobre a apresentação de sua Happy Feet na noite de sábado, ele disse que foi uma espécie de “renascimento”. “Depois de dois anos parados, a sensação é essa, de renascer. Foi muito bom ver tudo isso acontecendo de novo, o pessoal marcando presença”, disse, enfatizando o prazer de tocar num formato big band.

“Fiquei muito feliz com o resultado do show. É muito gostoso tocar com essa formação acrescida do naipe de sopros, principalmente com instrumentistas desse naipe, porque só tem músico fera aí. A gente fica muito orgulhoso de ver como Belo Horizonte e Minas Gerais se colocam hoje como um grande celeiro de músicos de primeira qualidade”, disse.