Jornal Estado de Minas

CINEMA

No Mês do Orgulho LGBTQIA+, filmes abordam as várias faces da diversidade

"Great freedom" questiona o "parágrafo gay" da lei alemã que trancafiou homossexuais na cadeia (foto: Mubi/Reprodução)

Em junho, Mês do Orgulho LGBTQIA+, o cinema discute temas ligados à liberdade sexual, o machismo, a opressão vivida pelas mulheres e desafios enfrentados por lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexos e assexuais – múltiplos gêneros representados nas letras da famosa sigla.




 
 Os filmes “Má sorte no sexo ou pornô acidental”, “Lola e o mar”, “Great freedom” e “Águas selvagens” retratam dramas de mulheres às voltas com o machismo, transgêneros e homossexuais, buscando a empatia do público para com eles.

SEXO EXPLÍCITO

Overdose de opiniões sobre a sexualidade de terceiros é introjetada no longa “Má sorte no sexo ou pornô acidental”, que ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2021. O filme lança mão de cenas de sexo explícito – tratamento de choque para aproximar o espectador do tema que coloca em xeque as práticas sexuais de Emi (Katia Pascariu).
 
A personagem empreende uma via-crúcis para se libertar do julgamento num tribunal comunitário que decide se poderá seguir a carreira de professora dos jovens alunos de escola romena.




 
A suposta mácula na reputação do colégio vem balizada por machismo, ironia e pela exposição da exploração midiática da nudez feminina, além de reflexões sobre pandemia e execração pública, elemento potente no filme do cineasta Radu Jude.
 
A jovem trans Mya Bollaers protagoniza “Lola e o mar”, em cartaz na plataforma de streaming Filmicca, destacando o momento-chave da expressão da sexualidade da personagem Lola.
 
“Gosto muito da cena em que ela dança com as prostitutas, porque é um momento em que quase esquecemos o patriarcado”, diz.
 
 
 
Lola é mulher trans que tem o apoio da mãe, mas enfrenta o preconceito do pai. A atriz diz esperar “bondade e tolerância” do público. Mas ao comentar o acolhimento à condição trans, admite que não se percebe respaldada. “Infelizmente, acredito que não haja país que tenha mente aberta o suficiente para se ter uma existência 100% segura”, afirma Mya.




 
Enfatizar uma dose de luz na dura trajetória de Lola norteou o diretor Laurent Micheli, indicado ao prêmio francês César ao lado de Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar e Bong Joon Ho.
 
“Coloquei Lola num ambiente colorido, pop e em movimento, como uma forma de criar contrastes. A assertividade da personagem é algo para se comemorar. Precisava mostrar que ela não tem medo de confrontar o pai (papel de Benoit Magimel), mesmo que isso crie momentos muito violentos”, afirma Laurent.
 
O realizador belga espera boa recepção dos espectadores no Brasil. “A comunidade LGBTQIA brasileira parece extremamente forte e cheia de riqueza, pois muitas vezes a contracultura é muito singular em países politicamente complicados. Admiro muito o povo de vocês e sua resistência a um sistema político opressor, que me assusta fortemente”, salienta.

ALEMANHA

A repressão à sexualidade é esmagadora no longa-metragem “Great freedom”, vitorioso na mostra “Um certo olhar” do Festival de Cannes, que está em cartaz na plataforma Mubi.
 
Na Alemanha pós-guerra, o personagem Hans é preso repetidamente por ser homossexual. O parágrafo 175 do código penal vem do século 19, propondo-se a frear a “indecência antinatural”, como se tachava a homossexualidade.




 
“Percebi que cresci numa época em que o preconceito existia. Cresci em meio a experiências homofóbicas”, conta o ator Franz Rogowski. A trama de “Great freedom”, o laço entre dois presidiários, se assemelha à do filme “O beijo da mulher aranha” (1986), de Hector Babenco, protagonizado por William Hurt e Raul Julia.
 
O chamado “parágrafo gay”, retirado do código penal alemão apenas em 1994, perseguiu e condenou 140 mil homens.
 
O ator Franz Rogowski diz que a situação atual no Brasil é preocupante. “O governo atual de vocês não tem sido inclusivo e não estimula a expressão de subculturas e minorias. Devemos superar essas adversidades para podermos ser humanos e aprender uns com os outros”, defende.
 
Roberto Birindelli e Mayana Neiva contracenam em "Águas selvagens", filme sobre a exploração da mulher (foto: Imagem Filmes/Divulgação)
 

OBJETO

Em “Águas selvagens”, filme argentino coproduzido pelo Brasil, pesa a denúncia de exploração sexual feminina e da mulher como objeto.




 
“Isso acontece, infelizmente e para nosso terror. Interpretar uma mulher que sofre violência, abuso, é dar voz a ela. O cinema cumpre esta função”, afirma a atriz Leona Cavali.
 
“O filme, cuidadoso, apresenta a situação terrível e violenta da fragilidade de uma mulher. Ela tem de se prostituir, e isso é tão comum”, destaca a atriz.


ENTREVISTA

“É preciso promover mudanças”

Franz Rogowski/ator


"O governo atual de vocês não tem sido inclusivo e não estimula a expressão de subculturas e minorias", diz o ator Franz Rogowski sobre o Brasil (foto: Mubi/Reprodução)
Conhecido pelo trabalho com os aclamados diretores Michael Haneke, Terrence Malick e Christian Petzold, o ator alemão Franz Rogowski valoriza a “resistência da cinefilia” nestes tempos de pandemia. Foi por meio do streaming que o longa “Great freedom” chegou ao mercado brasileiro, via plataforma Mubi. Dirigido por Sebastian Meise, o longa trata da repressão à homossexualidade na Alemanha, amparada pelo código penal.

Você tinha ideia do quão nefasto foi o chamado parágrafo 175 que vigorou na Alemanha?

Fiquei muito surpreso por não ter ciência do conteúdo da legislação daquela época. A composição do personagem me fez perceber que cresci sob a vigência de experiências homofóbicas. Tive meus ensinamentos. Aprendi lições sobre o que seriam roupas femininas, cores e tipos de brincos relacionados às mulheres. Jeitos errados de caminhar, de expressar emoções. Aprendi minha lição de que seria melhor ser heterossexual.





Como você avalia esse aprendizado?

Cresci numa realidade muito segura, em termos de condições financeiras familiares e boas condições de estudo. Havia, ainda assim, a lógica de que sexo e identidade eram construídos em condições rígidas e limitadas ajustados ao período em que cresci na Alemanha. Entendi que o que experimentei, de certo modo, foi violento e, em certa medida, um tipo de lavagem cerebral. Eu mesmo percebia aquela realidade como alheia a meus entendimentos. Aquilo não se alinhava à nossa democrática Alemanha. Foi libertário e educativo ter essa noção.

Que retorno você tem ao representar o amor homossexual? 

Como intérprete de cinema, represento as perdas do amor e, como pessoa, me vejo envolvido, no dia a dia, na busca incessante por amor. É bom trazer para filmes os componentes da vida. Muito progresso foi feito no terreno do amor entre iguais. Mas é fundamental relembrar: no passado não tão distante, as coisas foram muito diferentes. Este passado se propaga na nossa memória coletiva. Era a realidade dos meus pais, que cresceram no meio homofóbico, e está enraizado nas ideias deles. É preciso trazer isso à tona e promover mudanças.

Você estabelece limites para sua própria exposição durante as cenas de um filme?

Nas minhas regras atuais, não exponho os genitais para ninguém que não seja da minha família e para amigos íntimos. Isso é algo privado, mantenho nessa instância. Há, porém, filmes que ganham com cenas de nudez. Há diretores que querem ser cool e realistas, puxando tudo para extremos. Não quero instrumentalizar meu pênis para servir a esses propósitos extremos.