Jornal Estado de Minas

CINEMA

Documentário sobre a "Vaza jato" chega aos cinemas amanhã

No domingo 9 junho de 2019, o site The Intercept Brasil publicou a primeira reportagem com as conversas de 2016 em que o então juiz Sergio Moro, via Telegram, orientava os procuradores da Operação Lava-Jato. As mensagens, obtidas de um hacker, dariam início ao que se chamou ‘Vaza Jato’, uma intensa investigação jornalística que moveu não só aquele, como quase todos os outros órgãos de imprensa brasileiros.





Na época, a documentarista Maria Augusta Ramos, que em 2018 havia lançado o longa “O processo”, sobre o procedimento de impeachment da presidente Dilma Rousseff, já estava em meio às pesquisas para a realização de seu próximo documentário, cujo tema seria a própria Lava-Jato. 

“Meu interesse sempre foi em pensar a sociedade brasileira. O sistema de Justiça é um interesse profundo meu, pois ele revela as relações sociais, as desigualdades, mazelas e os valores que movem a sociedade”, afirma ela, que anteriormente já havia se debruçado no funcionamento das varas criminais (“Justiça”, de 2004) e no tratamento de adolescentes infratores em um tribunal carioca (“Juízo”, de 2007).

“Amigo secreto”, que chega nesta quinta (16/6) aos cinemas, é um documentário sobre o Brasil de hoje, a partir da operação capitaneada pelo ex-juiz e ex-ministro Moro, sobre o Judiciário brasileiro, mas, principalmente, sobre a atuação da imprensa. Ao menos uma parte dela fez um mea-culpa sobre a forma como cobriu a Lava-Jato a partir dos vazamentos que resultaram na Vaza Jato. 





A câmera de Maria Augusta, quem conhece seus filmes sabe, nunca tem um personagem falando diretamente para a lente. Não há tampouco entrevistas. O modus operandi aqui permanece o mesmo, ainda que, em alguns momentos, o espectador acompanhe entrevistas.


PROTAGONISTAS

Isto porque seus protagonistas são jornalistas: Leandro Demori, que era editor-executivo do Intercept Brasil, e Carla Jimenez, que ocupou o mesmo posto no El País Brasil até dezembro de 2021, quando a empresa espanhola anunciou o fim de sua operação no país.

“Eu não me sinto muito jornalista, sou cineasta, apesar do grande apreço que tenho pelo jornalismo ético e criterioso. Sempre digo que tenho que me apaixonar por meus personagens, que têm que me inspirar”, afirma ela, que acompanhou os dois e outros jornalistas das duas redações ao longo do período em que a investigação da imprensa foi realizada.





“Não é um filme sobre a Vaza Jato, é uma releitura dos últimos anos. As mensagens (vazadas) são um gatilho para acompanhar a metodologia dos processos e de como os procuradores e o (juiz Sergio) Moro atuaram durante a operação”, diz a diretora.

Ela prossegue argumentando que “frequentemente os devidos processos legais não eram respeitados pela Lava-Jato e isso já era algo que vinha sendo denunciado por vários advogados. A mídia, infelizmente, não deu o espaço que deveria ter dado. As reportagens da Vaza Jato foram fundamentais porque ali não havia como esconder. E os jornalistas fizeram um trabalho investigativo profundo para embasar as reportagens, não era só usar simplesmente uma mensagem”.

Sua câmera está sempre próxima de seus personagens, seja em conversas na Redação, na casa dos próprios ou então em meio a entrevistas. São advogados e juristas, principalmente, além de um delator da Lava-Jato, o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar. No filme, ele fala sobre a pressão que sofreu da força-tarefa para envolver o nome de Lula em seu acordo de colaboração.



O jornalista Leandro Demori, que era o editor-executivo do site %u201CThe Intercept Brasil%u201D, primeiro a revelar as mensagens, tem lugar de destaque no filme (foto: Vitrine Filmes/Divulgação)

TÍTULO 

“Amigo secreto” – o título é uma referência ao nome de um dos grupos do Telegram que foi alvo do vazamento – costura a trajetória dos seus personagens com imagens de arquivo e também com registros feitos de movimentações no país, a partir da entrada de Jair Bolsonaro na Presidência.

O filme é aberto com a gravação do depoimento que Lula deu a Moro em 2017, em que fala sobre o tríplex no Guarujá. De lá, ele corta para 2019, com manifestantes a favor do ex-presidente fazendo sua vigília em frente à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-mandatário ficou preso durante 580 dias.

A primeira hora do documentário acompanha a Vaza Jato e vai até a soltura de Lula. A segunda metade tem início em 2020, quando a câmera exibe um hospital de campanha montado em São Paulo no começo da pandemia. A imagem se volta então para o discurso da “gripezinha”. Em 24 de março de 2020, em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, Bolsonaro afirmou: “Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”.





Outros momentos que ficaram célebres na atual gestão – como a reunião ministerial de 22 de maio de 2020, em que o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles conclamou a passar “a boiada” e “mudar” as regras ambientais enquanto a mídia estava voltada para a crise sanitária – também são recuperados no documentário. O filme apresenta ainda imagens tanto de manifestações pró-Bolsonaro quanto de protestos contra o atual presidente.

“A eleição desta pessoa que hoje é presidente da República é consequência do que aconteceu com a Lava-Jato. Houve a remoção de um presidente, uma corrida presidencial, a criminalização da classe política, a demonização, de certa maneira, do sistema de justiça, do STJ. O Bolsonaro é filho legítimo da Lava-Jato. Infelizmente, todo o discurso anticonstrução, antipolítica e anti-instituição dele vêm da Lava-Jato”, afirma Maria Augusta.

A documentarista rodou até o início deste ano. A narrativa termina com fatos recentes, como a declaração, de 28 de abril, do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, segundo a qual Lula foi vítima de julgamento parcial. Outro dado que o filme apresenta é de 26 de maio, de pesquisa Datafolha, que coloca o petista à frente da corrida presidencial, com 48% das intenções de voto.





Maria Augusta afirma que tanto ela quanto a Vitrine Filmes, que coproduziu “Amigo secreto”, queriam lançar o filme neste momento. “A gente acha fundamental que ele seja visto antes das eleições.”

SESSÃO COMENTADA
No próximo dia 24, uma sexta-feira haverá sessão comentada do documentário “Amigo secreto”, no UNA Cine Belas Artes. A exibição está marcada para as 18h30. Logo após a projeção, o jornalista Leandro Demori, um dos personagens do filme, vai conversar com a plateia. 

“AMIGO SECRETO”

(Brasil, 2022, de Maria Augusta Ramos) 128 min. Classificação: 14 anos. Estreia nesta quinta-feira (16/6) no Cineart Cidade (15h10 e 19h50), Cineart Ponteio (18h40) e UNA Cine Belas Artes (Sala 1;16h e 20h30)