Jornal Estado de Minas

Johnny Depp e Amber Heard: 'As pessoas tendem a acreditar em homens poderosos, principalmente alguém com a popularidade do ator'

O processo de difamação entre Johnny Depp e Amber Heard não é apenas debatido nos tribunais dos Estados Unidos, mas também no "tribunal da opinião pública".

As imagens de ambos os atores viralizaram nas redes sociais. Centenas de milhares de pessoas assistem a audiências transmitidas no YouTube ou canais de televisão.





O julgamento, que acontece no Estado americano da Virgínia, começou em 11 de abril, depois que Depp processou a atriz por uma suposta acusação falsa de violência doméstica.

Ao longo de três semanas, uma série de testemunhas — incluindo os dois artistas — revelaram detalhes íntimos do relacionamento. O júri, o juiz e o público ouviram diversas histórias do casal sobre brigas, insultos e ciúmes.

Heard afirmou, entre outras coisas, que seu ex-marido, com quem se casou em 2015, abusou sexualmente dela. Enquanto o protagonista de "Piratas do Caribe" insistiu que nunca cometeu tais atos e que, pelo contrário, foi vítima de abuso verbal e físico por parte dela.

Algumas vozes sugerem que a opinião pública está do lado do ator e que isso é demonstrado pelos comentários e milhões de hashtags a seu favor nas redes sociais. Outros alertam que o caso pode ter impacto nas vítimas de violência doméstica.

As audiências judiciais estão em recesso e recomeçam no próximo dia 16 de maio.





A BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, falou sobre essas questões com a professora Carrie N. Baker, que leciona no Smith College e tem doutorado em Estudos da Mulher pela Emory University, nos Estados Unidos.

Baker também é advogada especializada em assédio sexual.

BBC News Mundo: Como a Sra. descreve o processo entre Amber Heard e Johnny Depp?

Carrie N. Baker: Trata-se de um processo por difamação. É comum que uma pessoa acusada de abuso entre com esses tipos de ações judiciais. Mas ao contrário de outros lugares, como em algumas partes da Europa, nos EUA temos fortes proteções à liberdade de expressão garantidas pela Primeira Emenda da Constituição.

É muito difícil ganhar um processo por difamação, principalmente se você for uma figura pública como Johnny Depp. No entanto, o público reagiu muito positivamente em relação a ele. Ainda assim, ficaria muito surpresa se ele acabar ganhando o caso.

Carrie N. Baker é advogada experiente em assédio sexual. Ela tem Ph.D. em Estudos da Mulher pela Emory University (Estados Unidos) (foto: Carrie N. Baker )

BBC News Mundo: Por que, então, entrar com a ação se é tão complicado vencê-la?

Baker: Muitas vezes, é uma tentativa de obter uma audiência pública, contestar as acusações e limpar seu nome. As pessoas acusadas de abuso têm mais recursos do que a outra parte. E às vezes elas esperam resolver antes que o caso termine, extrajudicialmente.





Esta é frequentemente a realidade nos EUA; os casos de difamação são tão difíceis de vencer que acabam sendo resolvidos mais cedo.

BBC News Mundo: A Sra. alega, então, que Depp está usando o sistema de justiça dos EUA para limpar seu nome…

Baker: Sim. Esta é uma oportunidade para ele veicular seus argumentos. No tribunal da opinião pública, Johnny Depp tem tido muito sucesso em se projetar como vítima.

Veremos o que acontece no final, mas é muito difícil para as mulheres ter controle nesses casos.

Mesmo que Depp não ganhe o processo, as pessoas só vão se lembrar do que aconteceu durante o julgamento. E ele aparece como se tivesse sido a vítima.

BBC News Mundo: A Sra. poderia explicar o conceito de "tribunal da opinião pública"?

Baker: É o que as pessoas percebem de uma audiência judicial e como os participantes do processo legal são apresentados na mídia.





Ele (Johnny Depp) é uma figura pública e obviamente teve muitos problemas comportamentais. E está tentando recuperar sua reputação.

A possibilidade de ele e seus advogados argumentarem na Justiça que ela, Heard, é quem fez o mal permite que eles recalibrem a percepção de sua imagem.

Heard é vista como mentalmente desequilibrada e menos crível. Tudo isso é construído sobre estereótipos sobre as mulheres como pessoas mais emocionais e exageradas. Essas narrativas sobre o comportamento masculino e feminino jogam a seu favor (do ator).

Acredito que o sistema é parcial a favor dos homens.

BBC News Mundo: Mas há quem afirme que ambos os atores foram violentos. A Sra. acha que há um caso de violência de mão dupla aqui?

Baker: Certamente, as mulheres podem cometer violência contra os homens. Mas as estatísticas de violência de homens contra mulheres são maiores. E quando os homens cometem violência doméstica, eles tendem a fazê-lo com mais seriedade. Geralmente, são mais propensos a agredir suas parceiras.





Isso tem muito a ver com o fato de que na sociedade a violência masculina é mais aceita.

Além disso, quando as mulheres se comportam de forma violenta, a proporção de abuso físico tende a ser menor, tende a ser outro tipo de abuso, como o psicológico.

E sim, isso pode ajudar Amber Heard, porque as pessoas estão mais inclinadas a ver mais mulheres como vítimas de violência doméstica.

Depp acusou Heard de abuso físico e verbal (foto: Getty Images)

BBC News Mundo: Como esse caso altamente divulgado na mídia pode influenciar pessoas que foram vítimas de violência doméstica?

Baker: Acho que quando algumas mulheres veem como outras mulheres são tratadas quando elas decidem denunciar o abuso que sofreram, isso pode desencorajá-las a falar. Elas não querem ser tratadas como Amber Heard foi tratada.

Mas elas podem se sentir identificadas. Há exemplos históricos, como quando Anita Hill (advogada e professora americana) acusou (atualmente, juiz associado da Suprema Corte dos EUA) Clarence Thomas de assédio sexual. Nas audiências perante o Comitê Judiciário (do Senado dos EUA) para a confirmação de Thomas no cargo, Hill foi maltratada.





Mas depois dessas audiências públicas, muitas mulheres começaram a denunciar casos de assédio e agressão sexual. O número de queixas aumentou. Tudo porque as mulheres se identificavam com Anita Hill.

Elas podem se sentir validadas porque veem que não estão sozinhas.

BBC News Mundo: Como um relacionamento abusivo muda quando uma das partes é uma pessoa famosa ou poderosa?

Baker: Eles poderiam ter mais poder e recursos para contratar advogados. É por isso que muitos homens poderosos usam os tribunais como tática de abuso. Eles querem silenciar as pessoas que os expõem. Movem ações judiciais para intimidar.

Ressalto que essa é uma técnica comum.

As pessoas tendem a acreditar em homens poderosos, especialmente alguém com a popularidade de Johnny Depp. Todos nós já vimos isso em filmes. Todos o amam em "Piratas do Caribe".

Ele é um dos atores mais populares do mundo e acho que isso pode ser um fator importante em como ele é percebido e no nível de simpatia que as pessoas têm por ele.





Heard alega que foi vítima de violência doméstica (foto: Getty Images)

BBC News Mundo: Os advogados perguntaram a Amber Heard por que ela não terminou o relacionamento depois de ser abusada. Ela respondeu que amava Johnny Depp. O que acontece com uma vítima de abuso que pode ter dificuldade em deixar seu parceiro, apesar da situação em que se encontra?

Baker: É muito difícil para uma pessoa que foi abusada deixar um relacionamento. Às vezes, deixar o relacionamento pode ser perigoso. Pode desagradar o agressor. Muitas mulheres também são financeiramente dependentes de seus agressores. Embora não ache que este seja o caso em questão.

Outras vezes há filhos envolvidos e elas se preocupam em protegê-los. Sentem que vai ser melhor para eles ter os pais juntos.

Há também outra coisa chamada "ciclo de abuso". Acontece quando uma pessoa abusa de alguém, mas depois pede desculpas e promete não fazer isso novamente. Inicia uma série de comportamentos para manter a pessoa abusada por perto. Mas então o abuso começa novamente e pode até aumentar.

Às vezes, acontece em casais que têm um relacionamento longo e se amam. Portanto, pode ser muito difícil para uma mulher sair desse relacionamento violento.

BBC News Mundo: Durante o julgamento, nenhum especialista em violência doméstica testemunhou. Como isso poderia mudar a opinião do júri?

Baker: Há especialistas que podem testemunhar o que muitas vezes é chamado de síndrome da mulher maltratada. Isso para educar o júri sobre por que as mulheres podem permanecer em um relacionamento abusivo, apesar dos maus-tratos.





Muitas pessoas não entendem que estão sendo abusadas.

Audiências vêm sendo assistidas e comentadas por milhões de pessoas dentro e fora das redes sociais (foto: Getty Images)

BBC News Mundo: Isso também pode influenciar a percepção do público…

Baker: Sim. Mas o que está acontecendo no tribunal é uma coisa e o que está acontecendo nas redes sociais e na mídia é outra.

No tribunal, há restrições sobre quais provas podem ser apresentadas diante do júri. Mas no tribunal da opinião pública não há restrições.

BBC News Mundo: Amber disse que há testemunhas oculares de alguns atos violentos perpetrados por Depp. Ela poderia apresentar essas testemunhas durante o julgamento?

Baker: Claro, absolutamente. Mas ela não tem o ônus de provar nada. Ele a processou por difamação e tem o ônus de provar isso.

BBC News Mundo: O que poderia ser um possível resultado deste caso?

Baker: É difícil responder. Mas, como disse, é difícil ganhar um processo por difamação nos tribunais dos Estados Unidos. Ainda mais como figura pública.





Se você é um cidadão comum e entra com um processo por difamação, é mais fácil ganhar. Basicamente, isso ocorre porque, se você se tornar uma figura pública, estará abrindo a porta para as críticas do público. Mas figuras públicas ganharam casos de difamação.

Geralmente tem que ser um caso muito forte e este não parece ser. Mas cabe ao júri analisar todas as evidências e determinar se elas têm credibilidade ou não.


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