Jornal Estado de Minas

TELEVISÃO

Marcelo Adnet narra série sobre jogo do bicho, brincadeira que virou crime


João Batista Viana Drummond (1825-1897), primeiro e único Barão de Drummond, nasceu em Nova Era, Minas Gerais, mas seu legado é todo carioca. Fundou o primeiro jardim zoológico do Rio de Janeiro, alforriou todos os seus escravos antes da abolição da escravatura (1888), levou o bonde para Vila Isabel, o primeiro bairro planejado daquela cidade, que ele também ajudou a conceber. 





Mas é lembrado por uma iniciativa bem menos nobre. Exatos 130 anos atrás, o Barão, para estimular o público a frequentar o zoo, criou o jogo do bicho. Em seus primórdios, era um passatempo absolutamente inocente. 

Cada ingresso tinha um número – no fim da tarde, era feito um sorteio no qual cada número correspondia a um animal. Tal história é o ponto de partida da série “Lei da selva”, produção em quatro episódios que estreia nesta sexta (29/4), no Canal Brasil e no Globoplay.

REGRAS 

O início da série documental traz um tom até jocoso, ajudado pela narração de Marcelo Adnet. Várias pessoas aparecem na tela tentando explicar como o bicho é jogado. Mas isso é apenas uma pequena parte da história. 





Ao longo dos quatro episódios, o diretor Pedro Asbeg chega até os dias de hoje mostrando as diversas fases do jogo: primeiro, foi uma loteria abraçada rapidamente pelo povo; passou para as mãos de contraventores, que atuaram nos moldes da Máfia italiana; transformou-se num império do crime, movimentando muito dinheiro, envolvendo corrupção e assassinatos; atualmente, está associado a milícias.

A produção é pautada por farta iconografia histórica e depoimentos de jornalistas, historiadores, policiais, sociólogos, carnavalescos (são ouvidas ao menos 40 pessoas). Entre os entrevistados estão Tainá de Paula, Marcelo Freixo, Milton Cunha, Luiz Antônio Simas, Bruno Paes Manso, Octavio Guedes, Chico Otávio e Antônio Carlos Biscaia.

Ainda que o bicho esteja espalhado no Brasil, o ponto de vista da série é carioca. “A forma como o jogo está entranhado na cultura popular carioca, até onde sei, não se replica em outros lugares. Quando você fala de jogo do bicho, você fala de rua, de cultura popular, de carnaval, de futebol. Houve um momento em que alguns bicheiros montaram bancas em outros estados, mas não de maneira tão escancarada como no Rio, que acabou se tornando um dos personagens da série”, comenta Asbeg.




BANQUEIROS 

A produção acompanha a trajetória de personagens notórios. “Principalmente a partir da década de 1970, os banqueiros do bicho se tornaram personagens cotidianos, frequentadores das colunas sociais. O Anísio (Abraão David) e o Castor de Andrade, por exemplo, estiveram até mesmo no ‘Programa do Jô’”, comenta o diretor. Dos banqueiros mais célebres, Anísio e Capitão Guimarães estão vivos. Asbeg tentou, sem sucesso, falar com eles.

A morte de Castor de Andrade, em 1997, provocou reviravolta no mundo da contravenção carioca, impactando até os dias de hoje. “O jogo em si, apesar de seguir existindo, deixou de ser tão lucrativo. Hoje em dia, o que se entende por dinheiro do bicho muitas vezes é maquininha de caça-níquel que está espalhada em bares da cidade”, afirma Asbeg.

Os bicheiros ampliaram os negócios para lavar dinheiro. “Muitas vezes, o financiamento do bicho se dá abastecendo o carro em posto, apostando em cavalo de corrida, indo a motel. Foram muitas as formas que eles encontraram para lavar o dinheiro do crime.” 

Para Asbeg, a mais recente modificação, já neste século, foi a aliança com as milícias. “Podemos dizer que em muitos territórios bicho e milícia são sócios. A milícia domina o espaço e negocia com os bicheiros os pontos de aposta, do bicho e das maquininhas.” 

“LEI DA SELVA”

Série em quatro episódios. Estreia 
nesta sexta (29/4), às 22h30, no Canal Brasil. Novos episódios a cada sexta. A série estreia também hoje integralmente no Globoplay