Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Tiradentes tem caso de amor com Maria Tangará no livro 'Perfume de sangue'

Detalhe do quadro de Tiradentes tendo o casario de Ouro Preto ao fundo, assinado pelo pintor Estevão. No livro de Flávio Ramos, o líder da Inconfidência tem um romance com Maria Tangará (foto: O Cruzeiro/Arquivo EM/Reprodução)

Muitos fatos reais da Inconfidência Mineira se entrelaçam com elementos de ficção no recém-lançado romance “Perfume de sangue” (Gulliver), primeiro livro do escritor Flávio Ramos, mineiro de Divinópolis. 





A trama se centra no embate entre duas mulheres, Joaquina de Pompéu e Maria Tangará. Trata-se de personagens que de fato existiram e tiveram relevância na região de Pitangui, a 7ª Vila do Ouro das Gerais, no Centro-Oeste do estado.

A trajetória das duas protagonistas se cruza com a vida e os anseios libertários de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Há uma disputa pelo crânio do herói, cujo paradeiro é desconhecido até hoje, fato que intriga historiadores. A obra dá uma solução fictícia para o enigma, a partir de uma lenda.


PESQUISAS E ESTUDOS

Flávio Ramos diz que foram necessários estudos e pesquisas para embasar a escritura das 300 páginas do livro. “Uma leitura muito importante foi conhecer, de forma detalhada, a vida de Joaquim José da Silva Xavier”, diz. Para reconstruir de modo fidedigno os costumes do século 18 também foram necessárias muitas horas de leituras de livros e publicações acadêmicas.




O contexto histórico da época, que sempre lhe despertou curiosidade, motivou Ramos a escolher o século 18 como cenário de seu livro de estreia. “Este é o século do nascimento de Minas Gerais. Também nesse período ocorreram grandes transformações sociais, científicas, políticas, econômicas e de comportamento”, comenta. 

Inspirado pelo século das luzes e também pela tendência contemporânea, o escritor decidiu ter duas personagens femininas como protagonistas. “As mulheres sempre foram vistas e tratadas como figurantes, mas tivemos diversas situações na história de Minas e do Brasil em que, a bem da verdade, elas foram protagonistas nas regiões onde viviam”, diz.

Em “Perfume de sangue”, as mulheres têm participação ativa num contexto em que o Brasil estava se reestruturando, estimulado pela descoberta de minerais preciosos no interior e impactado pelo movimento de emancipação política originado em Minas Gerais.





Joaquina é conhecida pelas atrocidades cometidas contra escravos e comerciantes, mas valorizada pelo imperador. Tangará, por sua vez, é descendente de índios e teve presença marcante na alta sociedade de Pitangui.

ENCONTRO

Na ficção criada por Ramos, Tiradentes conhece Maria Tangará quando percorre a 7ª Vila do Ouro como mascate. Os dois se apaixonam. Embora curto, seu intenso romance terá desdobramentos nos anos futuros, inclusive na atuação de Tiradentes durante a Inconfidência. 

Sobre a ficcionalização da biografia de figuras reais, o autor diz: “Ao conhecer mais da vida desses personagens históricos, foi como se eu tivesse entrado numa máquina do tempo, me permitindo ser uma testemunha ocular do comportamento mais humano e sensível”.





Nesta mistura de ficção e fatos, o escritor amarrou em um só enredo as pontas de lendas e histórias. “Que me possibilitaram imaginar como pode ter acontecido o roubo da cabeça de Tiradentes, em Vila Rica, e, depois, como ela foi parar em Quartel Geral, no Centro-Oeste do estado”, comenta.

O romance instiga o leitor a pesquisar mais para descobrir o que é real e o que é ficcional, o que é lenda e o que é fruto da imaginação do escritor. A construção narrativa procura promover também a valorização da cultura regional. 

“São muitos os dados oferecidos ao longo do livro, o que torna a experiência de leitura ainda mais instigante. Para mim, a grande diversão do livro ‘Perfume de sangue’ será justamente a de estimular o leitor a pesquisar o que é e o que não é história real”, escreve a historiadora Camila Braga, que assina o prefácio do livro.





Outros personagens de destaque na obra são Padre Belchior, conselheiro de Dom Pedro I; Dona Hipólita, a única mulher a figurar nos Autos da Devassa como inconfidente e que participa do emblemático mistério em torno do destino da cabeça de Tiradentes. 

“PERFUME DE SANGUE”

• De Flávio Ramos
• Editora Gulliver (300 págs.)
• R$ 44,90

TRECHOS

“Era pouco mais de 11 horas da manhã do dia 21 de abril de 1792. Uma belíssima borboleta, com asas de vermelho e rajadas de branco, pousa sobre o seu ombro. Naquele exato momento, em Pitangui, Maria Tangará se lembra do rosto de Tiradentes. Parecia que ele estava ao seu lado. Tangará sentiu seu cheiro. Lembrou-se de sua voz forte. Sentia a mão do homem que amou com intensidade tocando-lhe o rosto.A alma de Tiradentes é transportada aos céus através das asas das borboletas.”
 
 
“E Tangará deu sequência à exposição de sua ideia.- Como vocês sabem, a cabeça de Tiradentes será exposta dentro de alguns dias em Vila Rica para servir de exemplo ao povo. Pago o preço que pedirem para que tragam a cabeça de Tiradentes para Pitangui para que eu possa providenciar um enterro merecedor dentro das leis cristãs.”

“Ao sair da barbearia, que também servia de ponto de tratamento e extração de dentes, Tiradentes estava em êxtase com o que havia aprendido. Parecendo estar cego, não reparou que uma mulher, no mesmo instante, passava ao seu lado. Os dois se esbarraram e ele quase joga a moça ao chão.- Providencial acidente! - pensou Tiradentes ao olhar para a beleza daquela jovem.”

“O plano do Padre Tó para resgatar a cabeça de Tiradentes era simples e ao mesmo tempo arriscado. O Padre e o Sargento Aurélio entraram na praça pela rua lateral, próximo à meia-noite, fingindo que estavam bêbados e puxando uma mula que levava, ao lado do lombo, o tonel lotado de vinho. Eles perceberam que, por sorte, apenas um soldado fazia a segurança, o que facilitaria a execução do que fora combinado.”


INÉDITOS

Aos 55 anos, Flávio Ramos decidiu colocar em prática, com “Perfume de sangue”, um gosto estimulado ainda na infância. Como punição pelas travessuras de criança, o autor tinha como obrigação imposta pela mãe, Ana Maria Ramos de Assis Pereira, ler um livro. Mais tarde, as profissões – jornalista e advogado – aguçaram ainda mais seu hábito de leitura. Daí ao mergulho na escrita foi um passo natural para o autor, que afirma ter mais duas obras concluídas.