Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Capas de Elifas Andreato são obras-primas das artes gráficas no Brasil

O ilustrador Elifas Andreato, de 76 anos, morreu na madrugada de terça-feira (29/3), em São Paulo, vítima de complicações decorrentes de um infarto.

Um dos nomes mais importantes das artes gráficas do Brasil, ele criou capas antológicas da MPB. A marca registrada de LPs de Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Chico Buarque, Clara Nunes, Elis Regina, Adorniran Barbosa, Clementina de Jesus, Vinicius de Moraes e Toquinho não era apenas a música, mas também as imagens icônicas que os apresentavam ao público.





Ao longo de cinco décadas de carreira, Andreato assinou também várias capas de livros, como “O pirotécnico Zacarias”, de Murilo Rubião, “A morte de DJ em Paris”, de Roberto Drummond, e “A legião estrangeira”, de Clarice Lispector, lançados pela Editora Ática.
O horror da tortura e da ditadura, no traço de Elifas Andreato (foto: Elifas Andreato/reprodução)

DITADURA 

A obra de Elifas Andreato foi marco de resistência durante a ditadura militar, por meio de cartazes de peças de teatro, ilustrações e cerca de 400 capas de LPs e CDs.

Paranaense de Rolândia, ele se mudou para São Paulo nos anos 1960. Autodidata, fez charges e ilustrações para publicações sindicais, trabalhou em diversas revistas da Editora Abril e desenvolveu sua própria linguagem, valorizando a cultura popular brasileira. Era irmão do ator e diretor de teatro Elias Andreato.




 
Ilustração de Elifas Andreato remete ao universo fantástico do autor Murilo Rubião (foto: Elifas Andreato/reprodução)
O jornalista João Rocha Rodrigues, genro de Elifas, destaca a profunda relação entre a vida pessoal do sogro e sua trajetória profissional. “Isso fica muito evidente no afeto que está presente na obra dele. É o afeto que ele tinha pela vida, pelos amigos, pela família”, comenta.

“Os últimos 50 anos de história da cultura do Brasil foram ilustrados pela obra do Elifas em capas de disco, cartazes de teatro, capas de livro, shows que ele dirigiu, projetos que concebeu, programas de TV com os quais se envolveu. Essa obra conta a história da cultura do país”, afirma Rodrigues.

Ilustração especial para o disco de samba do rapper Criolo (foto: Elifas Andreato/reprodução)


Elifas não foi ligado apenas à MPB dos anos 1970/1980. O genro ressalta que ele transitou também junto às novas gerações. Criou, por exemplo, a capa de “Espiral de ilusão”, CD do rapper Criolo lançado em 2017.





“Aquele que melhor ilustrou a alma brasileira foi agora para junto das estrelas e de lá seguirá nos inspirando. Porque a vida tem que ser bonita, sim, e é pra isso que a arte existe! Obrigado mestre, que a terra lhe seja leve!”, despediu-se Emicida, por meio das redes sociais.
Capa do LP Nervos de aço, de Paulinho da Viola, está entre as obras mais famosas de Elifas Adreato (foto: Elifas Andreato/reprodução)

POLÍTICA E FUTEBOL

Chico Buarque na capa de "Vida", disco lançado em 1980 (foto: Elifas Andreato/reprodução)
 “Elifas transitou dentro da sua geração, mas também por muitos campos artísticos e sociais”, reforça João Rocha Rodrigues. “Tem o Elifas engajado na militância política, o Elifas engajado no futebol.” Torcedor do Corinthians, o artista gráfico recebeu homenagens jornalista Juca Kfouri e de Adilson Monteiro Alves, um dos fundadores da Democracia Corinthiana.

João Rocha Rodrigues lançou recentemente o livro “Vai, DJ! – O intrigante caso dos discos perdidos”. A protagonista não tem recursos para comprar vinis, mas descobre antigos LPs em casa. Graças a eles, depara-se com a história do país por meio dos traços de Elifas Andreato.




 
Martinho da Vila: samba como arte coletiva (foto: Elifas Andreato/reprodução)
 

O artista gráfico tinha dois filhos, Laura e Bento, e quatro netos. “Ele vai, mas deixa a sua presença muito clara em seus ideais e em suas batalhas. Ele vai, mas deixa muita coisa para todos nós, não só a família, mas todo o Brasil”, afirma Rodrigues.

LP ''Luz das estrelas'', de Elis (foto: Elifas Andreato/reprodução)
“Tudo o que ele tocava com as suas mãos virava coisa colorida, até a dor que ele sentia era motivo de tinta que sorria”, postou Elias Andreato, irmão de Elifas, nas redes sociais.

“Sua travessura era zombar da pobreza e de toda a tristeza que ele via. Se o quarto era apertado, ele criava castelos longínquos. Se a fome era tamanha, ele pintava frutos madurinhos”, lembrou o ator..

* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria