Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Estreia de 'A revolta dos perus' marca fim da Campanha de Popularização


Atravessada por sobressaltos, devido ao recrudescimento da pandemia e a imposição de novos protocolos sanitários durante sua realização, a 47ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de Belo Horizonte vai chegando ao fim, ainda com algumas estreias programadas, como os espetáculos infantis “O livro encantado” e “Vingadores” e a inédita montagem adulta “A revolta dos perus”. 



Classificada como uma “comédia reflexiva”, a peça, que estreia nesta sexta-feira (25/2), se destaca nessa reta final por se tratar de uma produção do Teatro da Cidade, que, após um longo período fechado, reabriu no ano passado para abrigar o Festival de Teatro Mínimo, realizado em outubro, e agora retoma de forma sistemática suas atividades.

A estreia de “A revolta dos perus” marca também uma ampliação do raio de ação do espaço, já que a montagem é sua primeira produção própria, com o suporte do grupo Teatro de Pesquisa. Com 30 e 50 anos, respectivamente, o Teatro da Cidade e o Teatro de Pesquisa são frutos do trabalho histórico de Pedro Paulo Cava, que passou o bastão para Guilherme Colina, agora responsável pela direção artística do espaço, e para Tatiane Reis, que ficou com a direção executiva. Ao longo da última década, os dois estiveram à frente do Grupo Confesso e, desde o ano passado, assumiram as rédeas do legado do veterano teatrólogo.

Responsável pela direção da peça e pela adaptação do texto de Carlos Queiroz Telles, em que ela se baseia, Colina explica que, devido à pandemia, o Teatro da Cidade ficou boa parte do ano de 2020 totalmente fechado. O resultado disso é que todo o interior do espaço mofou, o que demandou um cuidadoso trabalho de recuperação. 





“Reabrimos com o Festival de Teatro Mínimo, uma produção do Teatro de Pesquisa, e desde então temos trabalhado no sentido de tornar o Teatro da Cidade um polo de produção. Pedro Paulo Cava sempre teve uma característica interessante, que era produzir seus próprios espetáculos e mantê-los muito tempo em cartaz. Seguimos esse direcionamento”, afirma.

ALÉM DA CAMPANHA

Embora estreie dentro da programação da Campanha de Popularização, “A revolta dos perus” se estende para além dela e segue em cartaz, num primeiro momento, até 13 de março próximo, com sessões de quinta a domingo. O diretor considera que participar da Campanha representa um excelente início de trajetória para a montagem. “É uma mostra de teatro extremamente importante, uma das maiores do país, que reverbera em todo o território brasileiro”, diz.

Ele exalta o fato de a Campanha ter conseguido se manter ao longo de todos esses anos e ter superado o impacto provocado pela chegada da pandemia. “Os artistas se uniram, foram às ruas, levantaram bandeiras, tentando resistir a todos os percalços e, afinal de contas, conseguimos, estamos estreando nosso espetáculo.”





Colina destaca que a luta das minorias está no cerne de “A revolta dos perus”, com muitos gritos entoados em uníssono. “O texto original de Carlos Queiroz Telles é dirigido às crianças, mas fiz uma adaptação de forma que ele se comunique com todas as faixas etárias. É um espetáculo sensível, engraçado, que toca em lugares que despertam uma consciência em torno do que vivemos atualmente. Venho trabalhando muito com dramaturgias autorais e esse texto me atravessou”, comenta.

ATORES INICIANTES

Ele chama a atenção para o fato de que, do elenco de nove atores da peça, sete são iniciantes, formados pela escola do Grupo Confesso. “Só dois atores desta montagem estão na cena há muito tempo, a Efigênia Maria e o Ernane Campos. Todos os outros acabaram de se formar na nossa escola, se debruçaram sobre os estudos, se destacaram e agora estão estreando na Campanha, com toda a abrangência que ela tem”, afirma.

Colina diz que o fato de conseguir estrear o espetáculo, num cenário com tantas adversidades, já é uma grande conquista. “Cada vez que a cortina se abre é um prêmio. Estou leve, contente e realizado com tudo isso que tem acontecido e com a estreia da peça. Sou um diretor jovem, com 36 anos, sendo 18 de carreira, e posso dizer que me sinto realizado, feliz com o que vem acontecendo, os teatros voltando a funcionar, as cortinas se abrindo, tudo isso para mim já está lindo, de bom tamanho”, diz.




SENTIMENTO DE ALÍVIO

Esse sentimento é compartilhado por Dilson Mayron, coordenador-geral da Campanha pelo Sinparc (Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais). Afinal, após um percurso tão sofrido quanto épico, a tradicional mostra consegue levar a termo sua 47ª edição. “Eu fico realmente aliviado, porque meu medo era ter que parar no meio”, diz, aludindo especialmente a dois episódios ocorridos entre o final de janeiro e o início deste mês.

Com o avanço da variante ômicron do novo coronavírus, a Prefeitura de Belo Horizonte estipulou, naquele momento, que seria necessária a apresentação do passaporte vacinal e de testes negativos de COVID-19 para ingresso nos teatros. Entendendo que a obrigatoriedade da apresentação de teste significaria um custo a mais para o público, os profissionais de teatro se mobilizaram e conseguiram fazer com que o poder público municipal voltasse atrás e determinasse a apresentação apenas do comprovante de vacina ou do teste negativo.

Após comemorar essa vitória, a Campanha se viu com um novo problema, já que ela é realizada com recursos da Lei Rouanet, de âmbito federal, e a gestão Jair Bolsonaro proibiu a exigência de passaporte de vacinação para atividades realizadas com o benefício da lei. 





A divergência entre a regra federal e a municipal acabou por causar a interrupção da Campanha por alguns dias, no início de fevereiro. Ela voltou graças ao deferimento de um pedido liminar do Sinparc solicitando o aceite do decreto da Prefeitura de Belo Horizonte que exigia o cartão de vacinação para a entrada nos teatros.

ESPETÁCULOS CANCELADOS

“Teremos, no próximo domingo (27/2), o último espetáculo. Chegamos ao fim, então o sentimento é mesmo de alívio, apesar de ter havido um número grande de espetáculos cancelados, porque, com o impasse que existiu entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, os produtores ficaram receosos. Muitos cancelaram a participação na Campanha com medo, o que é compreensível, porque não dá para ter os gastos todos envolvidos no processo de levar um espetáculo ao palco sem ter a segurança do retorno. Ninguém sabia exatamente o que viria pela frente”, comenta Dilson.

Ele considera que, apesar do cenário pandêmico e de todas as dificuldades dele decorrentes, o balanço da Campanha é positivo. “Ao longo do mês de janeiro, ela foi maravilhosamente bem. Com a breve interrupção que houve, o pessoal ficou confuso, o público não sabia se a Campanha tinha parado por ali ou continuaria. Foi uma semana de muita turbulência que realmente prejudicou a Campanha. Muita gente pediu o dinheiro dos ingressos de volta e nós tivemos até que contratar funcionários extras para trabalhar nesse processo de devolução. Não tivemos problemas com isso, ressarcimos todo mundo que quis”, afirma.





O coordenador comenta que, com o fim do impasse e a retomada da Campanha, o público voltou a comprar ingressos e compareceu aos espetáculos que optaram por seguir na Campanha. As baixas, contudo, não foram poucas. O próprio portal que abriga as informações relativas à Campanha aponta que 31 espetáculos cancelaram total ou parcialmente suas temporadas. A Campanha tinha um total de 87 espetáculos escalados para esta edição.

COMPREENSÃO DO PÚBLICO

“Tentamos informar as pessoas ao máximo para que elas não fossem aos teatros que tinham peças canceladas. Teve produtor que chegou a ir para a porta do teatro para devolver o dinheiro dos ingressos. Mas, de modo geral, o público teve uma compreensão legal da situação. A população entendeu, porque a grande maioria conhece e abraça a Campanha”, ressalta Dilson.

No que diz respeito aos atores, diretores e produtores que resolveram manter seus espetáculos na programação ao longo de fevereiro, ele diz que o retorno foi positivo. O coordenador explica que o Sinparc já tinha alertado toda a classe teatral para o fato de que, depois de um ano sem acontecer, com toda a cena descapitalizada, a 47ª edição da Campanha seria praticamente um recomeçar do zero.





“Nossa previsão era de uma venda de ingressos muito baixa e, na verdade, até superou nossas expectativas, porque a gente achava que, num cenário de total incerteza, ninguém iria ao teatro. Os produtores que optaram por ficar estavam confiantes em que as pessoas iriam e, pelo retorno que tive deles, não se decepcionaram. Tivemos peças com bons públicos, algumas até com sessões extras. Diante de um cenário tão adverso, posso dizer que a volta da Campanha foi maravilhosa.”

Ele acredita que o pior já passou e, por isso, é possível alimentar boas perspectivas para o restante deste ano. Dilson adianta que a Campanha deve migrar para Divinópolis e Juiz de Fora, ainda sem datas definidas. “A gente acredita que os teatros vão voltar a ter um público normal, em termos de números. O tempo está passando, as pessoas vão se sentindo mais seguras para voltar a trabalhar, se divertir, enfim, sair de casa. Acho que vai dar para retomar, vai dar para trabalhar. Passando o carnaval, a gente fecha a Campanha e pensa no que virá pela frente.”