Jornal Estado de Minas

CINEMA

Freira lésbica tem visões eróticas de Jesus no polêmico ''Benedetta''


Em suas seis décadas de contribuição ao cinema, o holandês Paul Verhoeven, de 83 anos, já filmou várias mulheres. Independentemente da época (tanto das personagens quanto dos próprios filmes), elas nunca foram frágeis. Algumas de suas mais célebres protagonistas são manipuladoras, vide a escritora Catherine Tramell (Sharon Stone e sua cruzada de pernas) de “Instinto selvagem” (1992), e a executiva sociopata Michèle Leblanc (Isabelle Huppert, absolutamente irretocável) de “Elle” (2016).





“Benedetta”, a personagem-título do mais recente longa de Verhoeven, com estreia nesta quinta-feira (13/1), no UNA Cine Belas Artes, é um passo além. Segunda produção francesa do diretor, o filme parte de uma história real.

Na Itália medieval do século 17, a freira católica de um convento em Brescia tem visões perturbadoras. Nas ocasiões em que afirma ter sido “visitada” por Jesus, marcas surgem em seu corpo. Seriam estigmas, feridas que reproduzem as chagas do Cristo crucificado? Há quem acredite em milagre, enquanto outros duvidam. 

CONTRARREFORMA

A jovem noviça Bartolomea é enviada para acompanhar a freira, que logo se torna abadessa. Mais tarde, por meio de violentos interrogatórios por parte do Papado, que atuava na Contrarreforma, descobre-se que as duas eram amantes.




Benedetta Carlini (1591-1661) realmente existiu e sua trajetória veio a público no final dos anos 1980, quando a historiadora americana Judith C. Brown publicou o livro “Immodest acts: The life of a lesbian nun in renaissance Italy” (“Atos imodestos: A vida de uma freira lésbica na Itália renascentista”, em tradução livre, inédito no Brasil).

Verhoeven não chegou a essa história, com roteiro de David Birke (que também escreveu “Elle”), de maneira gratuita. Fascinado, há muito, pela figura de Jesus Cristo, ele integrou o Seminário sobre Jesus. O grupo de intelectuais (pesquisadores, teólogos, professores universitários) fundado em 1985 nos EUA buscou revisar cada um dos ditos e atos atribuídos a Cristo nos evangelhos, tentando determinar quais poderiam ser autênticos.

Em 2007, Verhoeven publicou o livro “Jesus de Nazaré”, que aponta questões em comum de Cristo com grandes líderes políticos da história.

 
Em “Benedetta”, o cineasta coloca a freira tendo visões eróticas de Jesus – a dado momento, Cristo pede que a religiosa, já nua, tire também o que restava de suas vestes. Outros acontecimentos que ocorrem desde a infância da personagem a levam até este lugar.





Protagonizado pela atriz belga Virginie Efira (que fez papel secundário em “Elle”), “Benedetta” acompanha a freira desde a infância (aqui vivida por Elena Plonka). Filha de um casal de posses, ela é levada ainda pequena para o Convento da Mãe de Deus. Carrega consigo uma pequena imagem da Virgem Maria, que terá papel determinante na narrativa.

A calculista abadessa (Charlotte Rampling) não demora a colocar a menina em seu lugar. Será como as outras noviças, o que prova a camisola de tecido grosso que lhe provoca coceiras. O corpo nunca deve ficar confortável, ensina a madre superiora. Mas Benedetta não é como as demais, o que fica provado quando, ainda na infância, uma estátua da Virgem cai em cima dela – e a garota escapa milagrosamente.

A ação principal ocorre 18 anos mais tarde, quando Benedetta começa a ter as visões. Os estigmas a levam a ser alçada ao posto de quase santa, provocando a desconfiança da abadessa e de outra freira. A chegada de Bartolomea (Daphné Patakia), jovem constantemente abusada pelo pai e pelos irmãos, a coloca sob sua proteção. E o romance não demora a acontecer, com Benedetta entre a luxúria e a vocação religiosa.





O relacionamento sexual intenso e com muitas cenas de nudez é a porta de entrada para uma série de acontecimentos – aí incluídos um cometa e uma peste. Benedetta, apesar das evidências mostrarem o contrário, continua a se afirmar como a escolhida de Jesus.

Os contornos histórico-religiosos são  pano de fundo para questões que Verhoeven já tratou em vários  filmes: sexo, violência, hipocrisia, jogos de poder.

Benedetta, no fim das contas, não é muito diferente de Catherine Tramell: são mulheres que lutam para chegar ao poder em um ambiente dominado pelos homens. A ambiguidade da personagem acompanha o espectador até o final: as visões foram reais ou não?. Assim como em toda a sua obra, Verhoeven não apresenta respostas prontas, deixando o caminho aberto para o próprio público.

“BENEDETTA”

(2021, França/Bélgica/Holanda, 131min, de Paul Verhoeven, com Virginie Efira, Daphné Patakia e Charlotte Rampling) – Estreia nesta quinta-feira (13/1), na sala 2 do UNA Cine Belas Artes, às 16h, 18h20 e 20h40



OUTROS FILMES DO DIRETOR


(foto: Orion Pictures/reprodução)


“RoboCop – O policial do futuro” (1987)

Antes de chegar a Verhoeven, o roteiro foi negado por grandes diretores de Hollywood. O melhor e mais dedicado policial que uma cidade marcada pela violência pode esperar: este é o RoboCop. Por meio do visual impactante, o segundo filme do cineasta nos EUA propõe debates sobre violência, corrupção, autoritarismo e influência da mídia. Tudo isso apresentado em narrativa frenética e repleta de ironia.




. Onde assistir: MGM, Telecine e aluguel nas plataformas de streaming.

(foto: Tristar/reprodução)

“O vingador do futuro” (1990)

Ficção científica repleta de suspense e violência. Arnold Schwarzenegger encarna o trabalhador da construção civil que descobre que o que acreditava serem suas próprias memórias era, na verdade, resultado de um chip implantado nele. Marco dos filmes de ação da década de 1990, com remake (inferior) de 2012, o longa é repleto de efeitos especiais marcantes (para a época) e muita ironia.
. Onde assistir: Paramount+ e aluguel nas plataformas de streaming.

(foto: Tristar/reprodução)

“Instinto selvagem” (1992)

A cruzada de pernas mais famosa do cinema completa 30 anos em 2022. Controverso, mas com seu lugar na história da produção noventista de Hollywood, traz Sharon Stone em seu auge como a escritora de livros de mistério suspeita de matar um cantor de rock. Michael Douglas, que faz o policial encarregado do caso, não resiste a ela. É mais um filme de Verhoeven sobre a objetificação feminina. Só que, aqui, é ela quem dá as cartas.
. Onde assistir: aluguel nas plataformas de streaming.

(foto: Amazon Prime/reprodução)

“A espiã” (2006)

O retorno de Verhoeven ao cinema de língua holandesa começa em 1944, quando os nazistas ocuparam Haia. A narrativa acompanha uma jovem judia que se junta à Resistência Holandesa nos meses finais da Segunda Guerra Mundial. Entre o melodrama e o thriller de guerra, o filme reserva surpresas no enredo, que traz grandes reviravoltas. Trata de ambiguidade moral e relativismo, com cenas de violência crua e muita sexualidade.




. Onde assistir: Amazon Prime Video.

(foto: Canal+/reprodução)

“Elle” (2016)

Isabelle Huppert mesmerizou audiências (e recebeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz) ao interpretar a executiva de empresa de videogames que trata a vida privada e os negócios com mão de ferro. Sua rotina é quebrada quando é atacada por um desconhecido dentro de casa. O enredo complicado e episódico apresenta um retrato da determinação feminina – com senso de humor que foge aos padrões.
. Onde assistir: aluguel nas plataformas de streaming.

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