Jornal Estado de Minas

CINEMA

Nostalgia vence a novidade em 'Homem-Aranha: Sem volta para casa'

É difícil falar de um filme como “Homem-Aranha: Sem volta para casa”, pois cada vez menos o que acontece nos filmes de super-herói é o que realmente importa na hora de vivenciar esses filmes. Em tempos em que nove a cada 10 longas mais vistos no cinema são sequências, refilmagens ou adaptações, a originalidade de uma história se perde como ruído branco no fundo do imaginário coletivo.





Isso é do jogo, mas cada vez mais pessoas vão assistir a filmes não porque esperam algo novo, mas porque querem a confirmação dos boatos, pistas e teorias que pululam na internet enquanto o filme está em produção.

CATARSE 

Conforme o chamado Universo Cinematográfico da Marvel foi se estabelecendo, a catarse do público deixou de ser pautada pela experiência narrativa e visual das suas partes, e suas eventuais intersecções, para se voltar a momentos em que as expectativas do público eram reverenciadas e novas esperanças eram criadas.

O cinema vem abaixo a cada participação especial de um personagem obscuro que pode ou não vir a ser importante no futuro; ou quando um momento icônico da mitologia do personagem finalmente acontece depois de ser protelado por duas ou três sequências. Ou quando o personagem do filme A aparece para salvar o dia no clímax do filme do personagem B.





A película autorreferencial tomou toda a geografia desses filmes e passou a ser ela própria a geografia. Permeando essa atmosfera, temos também a ojeriza pelo spoiler. Mas não estamos falando de estragar a experiência narrativa de um filme contando mais do que o necessário sobre a sua trama, ou estragando a reviravolta que acontece no arco dramático de um personagem ao revelar que ele, no fim, era um fantasma durante toda a duração do filme.

O público hoje tem medo de ter a confirmação dessas expectativas específicas – que no fundo sabe que vai receber – e de terem reveladas as novas expectativas específicas que o filme criará. Mas, desculpe, isso não faz um filme. E essa dinâmica chega ao ponto do absurdo em “Homem-Aranha: Sem volta para casa”. O filme é a própria ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, do cinema de super-heróis.


MÁGICA 

Na trama, o jovem Peter Parker, vivido por Tom Holland, tem sua identidade secreta revelada para o mundo pelo vilão de “Homem-Aranha: Longe de casa”, de 2019, e isso acaba em consequências catastróficas para si e os seus. Ele então decide pedir ajuda ao Doutor Estranho e propõe ao mago que use a sua mágica para fazer com que todos esqueçam de que o Homem-Aranha é Parker na realidade.





Mas, quando o excesso de alívio cômico atrapalha a execução do feitiço, figuras de outros universos invadem o seu para perseguir o herói – isto é, vilões das versões anteriores. Resta ao garoto localizar esses invasores de outros filmes e retornar todos eles aos seus respectivos universos.

A premissa absurda e autorreferencial não é em si um problema. A animação “Homem-Aranha no Aranhaverso”, protagonizada por Miles Morales, o Homem-Aranha negro, usa essas exatas ferramentas para criar um vívido remix de referências que extrapola a autorreferência e expande suas possibilidades narrativas e visuais – como samples se emaranhando de forma harmônica e cativante em um álbum de rap. Não há nada de novo ali e o filme sabe disso, quer explorar isso e contar uma história a partir disso.

Em “Sem volta para casa”, os samples compõem uma mixtape barata que apela para a nostalgia para ser escutável. Há pouquíssimos momentos em que essas referências se interligam de forma coesa em prol de um desenvolvimento dramático não artificial de algum personagem.





Na maioria das vezes, o intuito é levar o público a sentir coisas por algo que já viu e sentiu antes, mas o que muda é um detalhe aqui e a inserção de uma piada ali. A emoção continua de segunda mão. O filme também briga constantemente para equilibrar os diferentes tons estabelecidos nas outras franquias – o melodrama da trilogia do Sam Raimi e o romance de formação dos dois filmes de Marc Webb – com o tom de aventura escolar da nova franquia. Corpos estranhos dentro do seu universo podem realmente pôr o tecido do espaço-tempo em risco, não é?

FALSO MISTÉRIO

Atenção para o spoiler, que não é bem spoiler, já que tudo na premissa e material de divulgação aponta para isso. A partir daqui não é muito difícil imaginar que Peter Parker, papel de Tom Holland, vai acabar recebendo a ajuda do Peter Parker de Tobey Maguire e do Peter Parker de Andrew Garfield para salvar o dia. Mas esse falso mistério diz muito sobre a nova experiência cinematográfica.

O filme cresce pela expectativa de talvez se ver o mais do mesmo de novo. O público sai feliz pela confirmação e começa a cozinhar a próxima expectativa específica que plantaram nesse filme. O que acontece entre esses pontos de satisfação só precisa parecer um filme.
Tom Holland e Zendaya na pré-estreia do filme em Los Angeles, na terça-feira (14/12) (foto: Emma McIntyre/AFP)

“HOMEM-ARANHA: SEM VOLTA PARA CASA”

Direção: Jon Watts. Com Tom Holland, Zendaya e Benedict Cumberbatch. Classificação: 12 anos. Homem-Aranha é desmascarado e não consegue mais separar sua vida normal dos riscos de ser um super-herói. Quando pede ajuda ao Doutor Estranho, os riscos se tornam ainda mais perigosos, e o forçam a descobrir o que realmente significa ser o Homem-Aranha. Em cartaz nos cinemas de BH.




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