Jornal Estado de Minas

MEMÓRIA

Stephen Sondheim morreu, mas você tem encontro marcado com ele em dezembro

“O maior compositor e letrista do teatro americano”. Assim o apresentador Stephen Colbert recepcionou Stephen Sondheim no programa “Late show”, exibido em setembro passado pela rede americana CBS. “Gênio”, “o maior nome da Broadway de todos os tempos”, “o homem que revolucionou o teatro musical no século 20”, “lenda”. Tudo isso vem sendo dito sobre o mestre nova-iorquino após o anúncio de sua morte, aos 91 anos, ocorrida na última sexta-feira (26/11), na cidade de Roxbury, nos Estados Unidos.





Maior vencedor do prêmio Tony da história – o Oscar do teatro americano (foram oito) –, Sondheim tinha um Oscar legítimo e oito estatuetas do Grammy na estante, entre outras premiações. Aposentadoria? Continuava trabalhando. Quando se foi, escrevia o musical “Square one” em parceria com o dramaturgo David Ives.

Homenagem ao mestre do musical no Stephen Sondheim Theatre, em Nova York (foto: Iki Iwamura/AFP)

Certamente, os holofotes se voltarão para Sondheim no finalzinho deste ano, quando estreará a releitura de Steven Spielberg para “West Side story” (“Amor, sublime amor”), filme que a rede Cinemark já anuncia para 9 de dezembro nas salas de BH. O workaholic nonagenário contribuiu para a canção-tema desse  novo longa.

 

“Amo tanto o teatro quanto a música. A ideia de chegar a um público e fazê-lo rir, fazê-lo chorar, apenas fazê-lo sentir, é primordial para mim”, declarou Sondheim, certa vez. Com efeito, poucos souberam, como ele, fazer o mundo “sentir”.





Spielberg terá desafio gigantesco pela frente: levar às telas um longa que faça jus ao legado do icônico musical que estreou nos palcos em 1957 e ganhou adaptação cinematográfica premiadíssima em 1962 (10 Oscars de uma vez só, inclusive melhor filme), dirigida por Robert Wise e Jerome Robbins.

 

Seis décadas atrás, Sondheim, com suas letras, ousou pôr no palco (e depois na telona) temas desafiadores para os EUA até hoje: a violência do racismo, a exclusão social no país que gosta de se alardear como a nação mais democrática do mundo, a rejeição aos latinos. Resumindo, “West Side story” escancarou a cruel ilusão do sonho americano.

Isso, bem antes de os Estados Unidos se mobilizarem para aprovar a Lei dos Direitos Civis, que só veio em 1964. Críticos apontam que as letras dele transformaram o gênero: o musical pós-Sondheim já não era apenas entretenimento.





Gay e judeu, Stephen, aos 27 anos, já conhecia de perto a exclusão de que estava falando. Aliás, só assumiu a homossexualidade aos 60. Deixa o marido Jeff Romley, ator e produtor muito mais jovem do que ele.

 

Musicado por Leonard Bernstein e com libreto de Arthur Laurents, “West Side story” revolucionou também a dança, com a coreografia de Jerome Robbins que traduzia a tensão da guerra de gangues juvenis em NY.

“Se não fosse por ‘West Side story’, não teria havido tantos musicais sérios, escritos para adultos, como ‘Chicago’”, afirmou Robert Viagas, colaborador da revista Playbill, especializada em teatro, uma das “bíblias” da Broadway.





“Antes, a dança era apenas para expressar exuberância e mostrar bailarinas bonitas. Depois de ‘West Side story’, os musicais se tornaram uma combinação de todas as artes: dança, música e interpretação. Tornaram-se algo como uma super-arte”, explicou Viagas.

A “super-arte” deu o respeitado prêmio Pulitzer de teatro ao compositor e letrista, em 1985, por “Sunday in the park with George”. De acordo com especialistas, o nova-iorquino soube valorizar personagens de musicais por meio das letras que eles cantavam. Na Inglaterra, a Stephen Sondheim Society estuda a obra dele, divulgando suas ideias para o mundo.

O legado de Sondheim dialoga com várias gerações, pois traz a marca da originalidade. “Romeu e Julieta”, clássico de Shakespeare, virou guerra de gangues latinas em Nova York. O barbeiro serial killer que serve a carne de suas vítimas em tortas é o astro de “Sweeney Todd” (1979) – história adaptada para o cinema por Tim Burton e protagonizada por Johnny Depp.





Neuras dos adultos estão no musical “Into the woods” (1987), o “conto de fadas” de Sondheim. Meryl Streep, no papel da bruxa, protagonizou a adaptação cinematográfica dirigida por Rob Marshall. Em “Assassins” (1990), ele fez brilhar homens e mulheres que executaram ou tentaram matar presidentes dos EUA.

HAMMERSTEIN

Nascido em 22 de março de 1930, Stephen Joshua Sondheim começou a tocar piano aos 7 anos. Cresceu no Upper West Side e era amigo da família de Oscar Hammerstein II, que formou com Richard Rodgers a célebre dupla de roteiristas do teatro musical.

Seu primeiro trabalho como roteirista foi a série de TV “Topper”, nos anos 1950, inspirada no filme “A dupla do outro mundo”, lançado na década de 1930.

Depois de chamar a atenção como letrista de “West Side story”, que estreou em 1957, ele assinou, dois anos depois, as letras de “Gypsy”, outro marco do musical no século 20. Baseada nas memórias de Gypsy Rose Lee, a peça é protagonizada por uma stripper que revela como sua mãe deu duro para criar filhas artistas.





As décadas de 1970 e 1980 são consideradas as mais produtivas da carreira dele. Entre os musicais desse período, destacam-se “Company” (1970), “Follies” (1971), “A little night music” (1973), “Pacific aberturas” (1976).

Versátil, o nova-iorquino assinou o roteiro do suspense criminal “O fim de Sheila” (1979), dirigido pelo cineasta Herbert Ross, protagonizado por James Mason, Raquel Welch e James Coburn.

MADONNA

O Oscar chegou em 1991. Sondheim levou a estatueta por “Sooner or later (I always get my man)”, canção interpretada por Madonna no filme “Dick Tracy”. Também compôs a trilha de “Stavisky”, longa de Alain Resnais lançado em 1974.

No último fim de semana, o escritor mineiro Ruy Castro, em sua coluna na Folha de S. Paulo, listou várias obras inesquecíveis do americano, de quem era “devoto”. Entre elas, citou as letras de “Something is coming”, “Jet song”, de “West Side story”; as canções “Anyone can whistle”, “With so little to be sure of”, “Being alive”, “The ladies who lunch”, “Beautiful girls”, “I'm still here” e “Losing my mind”.





“Graças a Deus Sondheim viveu até os 91 anos de idade. Ele teve tempo para escrever músicas tão maravilhosas e ótimas letras!”, tweetou a cantora Barbra Streisand.

“De tempos em tempos, surge alguém que transforma completamente uma forma de arte. Stephen Sondheim foi um desses. Enquanto milhões lamentam sua morte, também gostaria de expressar minha gratidão por tudo o que ele deu a mim e a tantos outros”, afirmou o ator Hugh Jackman.

“Temos muita sorte de ter o que você deu ao mundo”, agradeceu o ator Aaron Tveit, que recentemente ganhou o prêmio Tony.

Rita Moreno (ao centro) ganhou o Oscar em 1962 por seu trabalho no filme 'West Side story' (foto: United Artists/reprodução)

RITA MORENO

Sondheim se foi, mas em dezembro teremos mais um encontro com ele. No “West Side story” de Steven Sielberg, o casal Tony e Maria é interpretado pelos jovens Ansel Elgort e  Rachel Zegler, nos papéis que couberam a Natalie Wood e Richard Beymer em 1961.

Detalhe: Rita Moreno, que levou o Oscar de atriz coadjuvante como a Anita do longa original, está de volta no remake, aos 89 anos, como Valentina.

Por falar em Oscar, o mestre passou um pito em Lady Gaga, em 2015. Chamou de “grotesca” a performance dela na cerimônia, ao homenagear os 50 anos do musical “A noviça rebelde”. Em entrevista ao jornal The Times, criticou a “farsa” da estrela pop.

“Foi ridículo, como seria qualquer cantor tratando essa música no estilo semi-ópera. Ela não tinha nenhuma relação com o que estava cantando. O que as pessoas gostaram foi de sua versatilidade”, decretou.

Há dois meses, ao participar do “Late show”, Sondheim fez um convite a todos nós: “Não costumo apregoar minhas próprias coisas, mas peço a todos aqui para vê-lo”, disse, referindo-se à  versão de “West Side story” criada parao século 21. (Com agências)




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