Jornal Estado de Minas

CINEMA

Filme ''Pixinguinha - Um homem carinhoso'' é profissão de fé no Brasil

O impulso de combater “violências estúpidas” sofridas por um Brasil “talentoso, resistente e imensamente carinhoso”, que anda sufocado mas pode ser salvo por meio da arte, bateu forte no discurso da cineasta Denise Saraceni quando assumiu o desafio de dirigir o longa-metragem “Pixinguinha – Um homem carinhoso”, lançado este mês.





Autor do arranjo de “Ta-hí (Pra você gostar de mim)”, eternizada por Carmen Miranda, compositor de “Rosa” e “Carinhoso”, flautista fundamental dos sucessos do grupo Oito Batutas, como “Urubu malandro”, Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897-1973), inspirou a direção musical do maestro Cristóvão Bastos, incrementada por voos de choro, bossa nova e jazz.

Seu Jorge estudou flauta para interpretar o autor de ''Lamentos'', clássico do choro, no filme ''Pixinguinha -- Um homem carinhoso'' (foto: Páprica/Divulgação )

CARISMA

Ao buscar a alma deste mestre da música brasileira, Denise Saraceni encontrou a capacidade visceral de Seu Jorge de interpretá-la. Semelhanças de vida e “dificuldades com a cor da pele”, além do “carisma abissal”, levaram à escolha do protagonista.

“Foram definitivos os estudos de Seu Jorge, a sensibilidade, a concentração e a coragem de dialogar com o Pixinguinha com a flauta que aprendia a tocar no set. A cada etapa, ele entendia o momento emocional do personagem e entrava no set comovendo a todos”, conta Denise, ao descrever os bastidores das filmagens.





Para tocar solos como o Pixinguinha da tela (interpretado por vários atores), a produção utilizou imagens reais do artista. “Ele entra para confirmar emoções muito precisas. Nas cenas da montagem do sax, de sua cantoria francesa e ao tocar piano para a esposa Betty, Pixinguinha está vivo no filme e na nossa memória cultural”, destaca a diretora.

Codirigido por Allan Fiterman, o longa se apoia na admirada aura angelical e na doçura do genial instrumentista, revela Seu Jorge, no material de divulgação do filme.

“A preocupação maior foi trazer a atmosfera de generosidade do Pixinguinha, da pessoa com simplicidade no olhar”, afirma o ator, que também é cantor, compositor e instrumentista.

Em entrevista à Agência Estado, Seu Jorge comentou a importância de interpretar este ícone da cultura brasileira. “Ultimamente, por conta do que a pandemia mudou, tudo para mim é som. Estou sempre na música. Mas trabalho como ator há 20 anos e quando tenho a chance de viver um músico no cinema, essa experiência é uma consagração – como é o caso de Pixinguinha, instrumentista virtuoso em todos os sentidos”, comenta.





“Vinicius de Moraes dizia que ele era um anjo na Terra. Sempre fui encantado com as histórias sobre a generosidade dele. O momento que mais me emociona em sua trajetória é quando ele e seu conjunto, Os Oito Batutas, saem do Brasil para divulgar nossa música no exterior”, revela.

A cineasta Denise Saraceni afirma que a maioria dos brasileiros desconhece Pixinguinha (foto: João Cotta/Divulgação )
A meta é deixar viva a nossa maior referência de brasilidade, nas palavras da diretora. “Pixinguinha, certamente, é muito conhecido em Paris e no Japão, mas eu gostaria que o filme potencializasse seu legado nas comunidades carentes e ávidas de bons exemplos. Nossos negros, muitas vezes, apenas são titulares em filmes quando bandidos. Pixinguinha é artista criador de nossa identidade. Precisamos contar histórias potentes para um público desprezado”, afirma Denise Saraceni.

A divulgação do longa em telões ambulantes e a promoção de debates fazem parte da estratégia para atingir esse objetivo. “Tenho certeza de que quem não conhece Pixinguinha – a grande maioria da nossa população – vai se emocionar com o filme, buscar mais e mais informações na internet, e, quem sabe, em bibliotecas”, comenta a diretora.




 
A história desse artista gigante ganhou narrativa sintética. “A música ajudou muito, porque ela, por si, já é um roteiro”, explica Denise. Com o filme comercializado para Globo, Telecine e GloboPlay, o que permitiu viabilizar a finalização do projeto surgido em 2010, há também a ideia de uma série musicada. Afinal, o resgate da figura desse gênio, por meio do cinema, é visto como obrigação.

Paralelamente à realização do longa, a Fundação Moreira Salles organizou um arquivo transformado em site. Denise Saraceni lembra que foram publicados livros e partituras importantes quando se comemoram os 100 anos de Pixinguinha, em 1997. 

“A escuta singular de Pixinguinha”, livro de Virgínia de Almeida Bessa, respaldou a pesquisa de Manuela Dias para o roteiro e a estrutura musical do longa, a partir do enfoque da música popular no Brasil entre 1920 e 1930.




 

 

ESCOLA

Encarando Alfredo da Rocha Vianna Filho como “um cara da nossa família”, Denise Saraceni registrou o artista que, aos olhos de Seu Jorge, ganha a dimensão de “uma escola”.

“Pixinguinha deixou de herança todo o código do genoma da nossa música”, afirma o ator, cantor e compositor.

A atriz Taís Araújo chama a atenção para o legado construído pela família Vianna após a abolição da escravatura, apesar de enfrentar o racismo. 

No filme, Taís interpreta Albertina Nunes Pereira da Rocha, a Betty, esposa de Pixinguinha. Estrela da Companhia Negra de Revista, ela encerrou sua carreira ao se casar com o músico, em 1927. Dona Betty morreu em 1972, um ano antes do marido. (Com  Agência Estado)



 
 
Taís Araújo faz o papel de Betty, mulher de Pixinguinha durante 40 anos (foto: Downtown Filmes/Divulgação)
 
 
TRÊS PERGUNTAS PARA...





Taís Araújo
atriz

Quais detalhes a respeito de Betty e Pixinguinha aumentaram a sua admiração por eles?
Não sabia que ela era artista, e isso diz muito de uma época: a mulher que abre mão de seu sonho para construir uma família. Mas é bonito também que eles tenham permanecido juntos por uma vida inteira. Minha admiração pelo Pixinguinha vem deste homem e da família dele – pai, mãe, irmãos –, de ver tudo o que eles conseguiram construir no pós-abolição da escravatura. E num país como o Brasil! Acho que a Pensão Vianna (no bairro do Catumbi, animada por rodas de música promovidas pela família) é um acontecimento que a gente tem que pesquisar mais.

Protagonizar a novela “Xica da Silva”, exibida em 1996 e 1997 na extinta Rede Manchete, mudou você como artista. Hoje, com a visão mais feminista da sociedade, essa obra deveria ser revista?
Acho que, hoje, “Xica da Silva” teria de ser revista, sim. Entender esta mulher como a mulher política que ela foi. Ela nunca foi tratada com esse viés. Ela teve atitudes políticas importantes. Sinto que ela foi sempre só sexualizada. Falta contar melhor a trajetória dela.

Novembro é o Mês da Consciência Negra. Há conquistas para os negros brasileiros?
Estão vindo as conquistas. Na dramaturgia, tem uma evolução, mas ainda precisamos de muitas coisas. A gente vê muito mais personagens negros humanizados, mas ainda faltam escritores e diretores negros, uma vez que percebo (a necessidade de discutir) uma questão identitária.


CONHEÇA
PIXINGUINHA

O Instituto Moreira Salles reúne amplo acervo sobre a trajetória do músico carioca, disponibilizado em pixinguinha.ims.com.br.