Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

'Sei como a sociedade reage quando uma mulher dá a cara a tapa', diz atriz


No espetáculo “Piaf e Brecht – A vida em vermelho”, com texto de Aimar Labaki, Letícia Sabatella interpreta a cantora e compositora francesa Edith Piaf (1915-1963), que, em uma situação hipotética, se encontra com o dramaturgo e diretor alemão Bertolt Brecht (1898-1953), vivido pelo ator Fernando Alves Pinto. 





Cheios de personalidade e bom humor, os dois célebres artistas estão em um antigo cabaré, onde ensaiam uma apresentação, acompanhados por três músicos. A intensa troca de experiências faz com que eles comecem uma espécie de competição na qual apresentam suas composições e outras músicas que marcaram época.

"É uma troca lúdica que acontece enquanto Edith e Bertolt tentam decidir que espetáculo eles vão apresentar. Em meio a discussões, os dois chegam à conclusão de que só vai dar para fazer o espetáculo sobre um deles, então se inicia esse embate", explica Letícia Sabatella. 

"Eles são representados como figuras meio mesquinhas, o que dá o tom do humor do espetáculo. Como é uma competição, Edith tenta a todo instante detonar  Brecht, e ele faz a mesma coisa. É uma peça muito lúdica, mas também com muita sensibilidade e humor."





"A vida em vermelho" será encenada nesta sexta (5/11) e sábado (6/11), às 21h, no Cine Theatro Brasil Vallourec. Ambas as sessões terão intérprete de libras e transmissão on-line, com cobrança de ingresso. A apresentação em BH marca a retomada do espetáculo, que estreou em 2017.

Será a primeira vez que Letícia Sabatella sobe num palco diante do público desde o início da pandemia. "É a nossa primeira reapresentação, então espero que a gente consiga retomar o fôlego que vínhamos experimentando antes da pandemia. Esse é um espetáculo que exige muito gás, porque há nele muita interação com a plateia. Claro que agora essa participação do público vai ser feita com o maior cuidado possível, mas ela ainda é uma parte muito importante do espetáculo", explica a atriz.

Fernando Alves Pinto como Brecht (foto: Daniel Bianchini/divulgação)

REFERÊNCIA 

Em cena, ela não só incorpora uma versão debochada de Edith Piaf, como dá voz a clássicos da grande cantora francesa, como "La vie en rose", "Non, je ne regrette rien", "La Marseillaise" e "La foule". Quando começou a estudar para o papel, Sabatella tinha a vontade de aprofundar as habilidades como cantora, faceta que ela exercita desde a estreia do show "Caravana tonteria", em 2014. Passados quatro anos da estreia do espetáculo, a atriz sente que aprendeu muito com a personagem.





"Não tem como a gente não ter como referência alguém que tem um jeito tão específico de cantar. Ao longo da minha vida, eu não a tinha como uma grande referência para mim, mas, ao mergulhar no universo de Piaf, entendi a complexidade dela. Ela é conhecida pela figura da boêmia e do sofrimento, mas ela também tinha uma força interior muito grande e uma sabedoria imensa. Também enxergo nela essa busca pela necessidade de ter voz, de ser ouvida enquanto mulher", afirma.

Segundo a atriz, seu tom de voz é bastante semelhante ao de Piaf e, portanto, ela não teve dificuldade para cantar as músicas no tom. O maior problema foi conseguir alcançar um nível de dicção que a língua francesa requer. "Ter a extensão vocal de Piaf não é uma grande coisa, porque vendo a obra dela você percebe que a questão não está na voz, e sim na força com que se canta. Aprender a cantar as músicas foi um verdadeiro exercício de trava-línguas para mim", comenta.

"A voz é uma coisa muito incrível que, quando você treina e pratica, a sua musculatura aprende os caminhos e, depois de muito tempo praticando isso em cena, passa a ficar introjetado em nós. Então, é tranquilo para mim chegar e cantar Piaf. Não é uma coisa impossível ou que exija toda uma preparação específica", ela explica.





Letícia Sabatella afirma que Edith Piaf tinha um jeito de cantar que não era lírico. Além disso, as músicas da cantora francesa permitem que ela opte por cantar em dois tons: um mais baixo e outro mais alto. "Em algumas músicas, opto pelo tom mais baixo para o meu timbre se assemelhar ao dela. Eu tenho um timbre mais agudo. Mas a ideia mesmo não é reproduzir o jeito como ela canta. Piaf é um coração que canta."
 

 

Nascida em Belo Horizonte, a atriz de 50 anos se mudou da capital mineira para Volta Grande, no interior do estado, quando tinha 2 anos. A partir dos 4, viveu em Curitiba, até os 20. Apesar de não ter crescido na capital mineira, ela tem uma relação forte com a cidade, principalmente porque sua filha, Clara, fruto do relacionamento com o também ator Ângelo Antônio, nasceu em BH.

"Em BH, eu tive o maior acolhimento da minha vida. Primeiro porque é a cidade onde eu nasci; segundo, porque foi o lugar onde eu tive a minha filha. A partir da Clara, criei uma conexão muito boa com a cidade em si e também com os amigos mineiros que fiz, principalmente aqueles que trabalham na minha área, como o Giramundo, o Galpão, Marcus Viana, o Uakti", ela afirma.





A atriz diz se lembrar de todas as vezes em que esteve em Belo Horizonte a trabalho. “E o que mais me marcou foi o acolhimento do público. Na outra temporada, quando levamos 'Piaf e Brecht' para BH, foi muito emocionante. As apresentações são sempre marcadas por muita emoção.”

Além de Edith Piaf, outra personagem histórica que Letícia Sabatella interpretou recentemente foi a imperatriz Teresa Cristina (1822-1889) na novela "Nos tempos do imperador", exibida na faixa das 18h, na Globo. O folhetim histórico se passa cerca de 30 anos após a proclamação de Independência do Brasil, que ocorreu em 1822. As gravações já chegaram ao fim, mas a novela segue no ar até fevereiro de 2022.

IMPERATRIZ 

"Ainda estou com a Teresa Cristina pairando sobre mim", brinca a atriz. "Quando recebi o convite para interpretá-la, me incumbi da tarefa de defender a condição de uma mulher tão mal desenhada e mal compreendida – como todas as mulheres do ponto de vista da história contada. Estamos entendendo muitas coisas em relação ao humanismo e ao feminismo. Eu mesma me pego me reavaliando em coisas que eram normalizadas 10 anos atrás."





Ao traçar um paralelo entre a imperatriz e Piaf, Letícia Sabatella afirma que interpretá-las também é uma forma que ela encontrou de aprofundar o que sabe sobre si mesma. "Sinto que é um modo de eu me compreender e, consequentemente, compreender a força feminina, saber como ela consegue sobreviver aos julgamentos da sociedade. A história nunca é generosa com essas figuras", afirma.

Por isso ela procura mergulhar na raiz da história dessas mulheres, ao mesmo tempo em que aprofunda uma pesquisa sobre questões feministas de forma mais ampla. "Essas mulheres já foram chamadas de tudo. Eu fui xingada na rua, sei como a sociedade reage quando uma mulher dá a cara a tapa."

Desde que estreou, em agosto passado, "Nos tempos do imperador" vem alimentando um debate acalorado sobre a maneira como a novela aborda passagens históricas. A produção já foi acusada de retratar a escravidão de forma romantizada e apresentar a ideia de racismo reverso.





Letícia Sabatella vê as discussões que o folhetim tem gerado como um reflexo do interesse pela história que a novela tem gerado. "É uma obra de ficção que não tem o compromisso de ser fidedigna com a história, mas tem a capacidade de gerar a curiosidade pela história. Gerada a discussão, a gente tem a capacidade de assistir à novela com um olhar que não é o de quem está assistindo a um documentário."

Com as gravações finalizadas, ela agora volta a se dedicar aos palcos. Em julho passado, Sabatella lançou o primeiro álbum da “Caravana Tonteria”, que ela também divide com Fernando Alves Pinto. Com 13 faixas, o trabalho reúne o registro de canções como "Je ne regrette rien", de Piaf, e "Geni e o Zepelim". Agora, ela pretende colocar a “Caravana” na estrada novamente.  

"Com a liberação dos shows, chegou a hora de apresentar esse show em outras cidades e capitais. Também estou escrevendo o roteiro de um filme e há a perspectiva de uma série", diz.  


“PIAF E BRECHT – A VIDA EM VERMELHO”

Nesta sexta (5/11) e sábado (6/11), às 21h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carijós, 258, Centro). Ingressos pelo site eventim.com.br e na bilheteria do teatro a R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). Ambas as sessões terão transmissão on-line com ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia), à venda no site eventim.com.br e na bilheteria do teatro

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