Jornal Estado de Minas

AUDIOVISUAL

CEC faz 70 anos e digitaliza acervo que revela a história do cinema em MG


Fundado em 1951, o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC-MG) se firmou, em âmbito estadual e nacional, como referência da crítica na esfera da produção audiovisual, projetou diretores e pesquisadores, formou várias gerações de cinéfilos e agora, quando completa 70 anos, passa por um momento de reestruturação com vistas ao futuro.





O primeiro passo desse processo é a digitalização da hemeroteca – rica fonte de informações sobre praticamente toda a produção cinematográfica mineira, de seus primórdios aos dias atuais. O trabalho é realizado pelo Instituto Humberto Mauro, criado na década de 1980 como uma espécie de centro de pesquisas do CEC.

DIGITALIZAÇÃO

Com recursos da Lei Aldir Blanc, a entidade contratou a Arquivistas Júnior, empresa ligada ao curso de Arquivologia da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para cuidar tanto da digitalização de documentos quanto da preservação e acondicionamento dos originais – recortes de jornais e revistas sobre cinema reunidos e arquivados desde a primeira metade do século passado.

“Temos um vasto acervo, reunido durante várias décadas, que conta muito ou quase tudo da história do cinema e do audiovisual mineiros. Esse material está sendo organizado para tornar viável o acesso do público, que poderá consultá-lo pela internet. Assim, estaremos preservando a memória audiovisual de Minas Gerais”, explica Victor de Almeida, diretor-executivo do Instituto Humberto Mauro.





“O CEC gerou muitos críticos de cinema e cineastas. Além disso, durante seus 70 anos colecionou matérias da imprensa, formando uma hemeroteca muito respeitável, grandiosa mesmo”, acrescenta. O acervo do CEC reúne livros, publicações, filmes, fotografias, folhetos, material de propaganda e as 29 edições da pioneira “Revista de Cinema”, publicada de 1954 a 1964.

Disponibilizar esse material no formato digital é a próxima etapa do projeto de reorganização da entidade. Almeida destaca que o conjunto é, possivelmente, o mais completo acervo da memória do cinema mineiro.

“Tem os filmes que foram feitos aqui, tem a crítica local produzida durante esse período, inclusive sobre o cinema brasileiro e o cinema estrangeiro, tem o que os jornalistas, no papel de divulgadores, escreveram a respeito dos filmes, festivais, mostras e cursos, tem o ensino sobre cinema, a pesquisa. É uma gama enorme de informações. Isso vem sendo feito parcialmente, porque o material é muito vasto, vai demandar continuidade. O acervo abarca, inclusive, o período anterior à criação do CEC, pois muita coisa foi recuperada”, destaca.






RECUPERAÇÃO

Felipe Lopes, presidente da Arquivistas Júnior, diz que o Instituto Humberto Mauro não tem o registro do volume de sua documentação, mas estima que a hemeroteca guarde cerca de 8 mil recortes de jornais e revistas. Esse acervo, aponta, estava reunido em local que não oferecia condições favoráveis de preservação. Por isso, a recuperação e o acondicionamento têm sido o mais difícil do processo que culminará com a digitalização e disponibilização do material.

“Os recortes não permitem, por exemplo, muitas possibilidades de higienização, só a varredura, pois são documentos guardados desde a década de 1950. Jornal impresso deteriora muito facilmente”, explica.

Assim que a documentação estiver organizada – em pastas-catálogo guardadas em caixas box de polionda, o que garante maior impermeabilidade –, o processo de digitalização será iniciado, em colaboração com Lourenço Veloso, membro do Conselho Diretor do CEC. Ele ficará responsável pela criação do site que vai abrigar o acervo.





Filho do diretor e crítico Geraldo Veloso, que foi diretor do CEC e editor da “Revista de Cinema”, Lourenço diz que se trata de um acervo de referência. “A ação tem importância institucional para o CEC, que pretende tornar o material acessível à consulta pública. Isso valoriza a nossa história. Não tenho notícia de outro acervo com esse recorte em Belo Horizonte”, aponta.

Felipe Lopes se orgulha da escolha da Arquivistas Júnior. “É um material riquíssimo. Está sendo uma experiência desafiadora, mas muito agradável, porque todo mundo aprende demais. Estamos preservando a memória do cinema mineiro para qualquer pessoa poder ter acesso a ela de qualquer lugar”, diz.

O mineiro Neville D'Almeida é um dos cineastas que surgiram no celeiro de talentos do CEC (foto: Beto Figueiroa/divulgação)

MARCO


Victor de Almeida destaca que o surgimento do CEC representou um marco para a crítica e a produção cinematográfica do estado. A iniciativa partiu de intelectuais e jornalistas, entre eles Jacques do Prado Brandão, Raimundo Fernandes, Fritz Teixeira de Salles, Carlos Denis, Guy de Almeida e Newton Silva, tendo à frente Cyro Siqueira (1930-2014), que foi editor-geral do Estado de Minas, onde trabalhou por 65 anos.





“Cyro foi um pioneiro da crítica de cinema, escreveu a partir dos anos 1950 sobre o cinema produzido aqui e no resto do mundo, chamou a atenção da sociedade de Belo Horizonte, cidade muito limitada em termos culturais naquela época. O cinema era um meio de expressão que estava explodindo, por meio dele as pessoas conseguiam se informar sobre o que acontecia”, destaca Victor de Almeida.

Ele reforça o papel do CEC, em seus primeiros anos, na formação da intelectualidade local. “Entrava nisso aí o pessoal do teatro, das artes plásticas, da literatura. Nas décadas de 1950 e 1960, todo mundo frequentava o CEC por causa das sessões de sábado à noite, concorridíssimas. Era um ponto de encontro, discussão, debates e de formulação de ideias. Muita gente que passou pelo CEC foi efetivamente para a produção: Neville D'Almeida, Carlos Alberto Prates Correia, Oswaldo Caldeira”, recorda. “Silviano Santiago, por exemplo, diz que o CEC foi muito importante na formação dele.”

FUTURO

“Penso muito no CEC atualizado e de acordo com o propósito dele, exibição e discussão de filmes, além do convívio e do compartilhamento de leituras e concepções de mundo a partir do confronto de opiniões, de discussão sobre cinema”, diz Lourenço Veloso. Ele prepara um documentário sobre a entidade, vislumbra a realização de cursos e planeja a criação de uma plataforma para exibição de conteúdo audiovisual.





“A princípio, a ideia é atender, com o site, à demanda do projeto de digitalização da hemeroteca. Na etapa seguinte, a gente pretende desenvolver uma plataforma mais ambiciosa. Por agora, estamos trabalhando com a ideia de um banco de dados a partir da catalogação feita pela empresa. Será um conteúdo à parte, que vai ficar aberto para consulta. A gente tem o projeto de digitalizar as edições da ‘Revista de Cinema’, para torná-la acessível em PDF”, destaca.

Outra ideia é iniciar o trabalho de atração de novos associados para colaborar no processo de composição de uma nova diretoria, “a mais diversa possível para poder, inclusive, dar continuidade a esse trabalho”, reforça Victor de Almeida.

“Estamos criando ferramentas para isso, oferecendo, por exemplo, acessos exclusivos numa plataforma on-line com conteúdo gratuito para associados”, diz Lourenço Veloso.

Os planos são ambiciosos, mas é necessário caminhar passo a passo, até por questão de verbas. “Primeiro, a gente define o domínio para abrigar a hemeroteca. Depois, o banco de dados será incorporado à plataforma do CEC, bem como a ‘Revista de Cinema’ e outros conteúdos, como podcast e demais ferramentas de comunicação. Vamos ver o nosso fôlego de produção, pensando também nas pessoas que se envolverão nesse novo momento do CEC. É um aniversário com o olhar no futuro”, diz.

Trata-se de mais uma nova etapa do CEC, reforça Veloso, pois, ao longo de sete décadas, foram muitos os momentos de ascensão, apogeu, declínio e renascimento, no melhor estilo fênix.




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