Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Cantor mineiro convoca filósofos para pensar a pandemia em EP


O isolamento imposto pela pandemia do novo coronavírus, o pensamento dos filósofos Jacques Derrida (1930-2004) e Vladimir Safatle, o atual panorama político do Brasil e o Edifício JK, na Região Central de Belo Horizonte, são os improváveis ingredientes que compõem a receita do EP "Pombália", segundo trabalho do mineiro Guto Brant, lançado na última semana e que sucede à sua estreia com o EP "Duplo", de 2018. 





Ele conta que as cinco músicas que integram “Pombália” surgiram a partir da chegada da pandemia, são fruto de suas reflexões e foram executadas, gravadas e finalizadas nesse período.

"O que, no fundo, inspirou o 'Pombália' foi estar dentro de casa, sem contato com a vida que eu tinha antes da pandemia, com os amigos, as trocas. Acho que essas canções surgiram a partir das reflexões sobre o que estava acontecendo. Vieram desse lugar um pouco mais íntimo", diz. 

As ideias de Derrida e Safatle se somaram depois, conforme aponta, como forma de balizar o trabalho. De Derrida, "Pombália" pega emprestado o conceito de "hauntologia" – que se refere ao retorno ou persistência de sombras do passado, como fantasmas que voltam a assombrar.





"O Safatle também diz muito sobre como, por não encerrar capítulos da nossa história devidamente – com a anistia, no período posterior à ditadura, por exemplo –, você deixa que esses fantasmas fiquem à solta, voltando para assombrar, como está acontecendo agora", diz o músico. 

Ele destaca que essa é a temática que permeia todo o disco, e que esse passado que insiste em estar presente foi o que motivou o uso, ao longo das faixas, de samples de gravações históricas alinhavando os arranjos. Entre uma passagem musical e outra surgem trechos de entrevista com Jango nos anos 1960, programas da Tupi dos anos 1980 e extratos do “Repórter Esso”, também da TV Tupi.

Com as canções prontas, registradas no formato voz e violão, Guto começou a trabalhar, sozinho, nos arranjos e na execução, criando várias camadas e conferindo uma sonoridade vintage ao material. O resultado é denso e instigante, avesso a lugares-comuns. 





“Fiz quase tudo sozinho, composições, execução, gravação. Foi o Lucas Luís, um amigo de longa data, quem mixou, e a masterização foi feita no Bunker Analog, do Anderson Guerra, tudo de maneira remota. Mas até a gravação eu fiz na minha sala, com poucos elementos, que, no entanto, possibilitaram essa caminhada. O mosaico foi sendo construído aos poucos. É difícil que o conceito não apareça nos arranjos, nas ideias, porque esse processo mais solitário favorece que haja uma certa homogeneidade na condução delas”, salienta.

Mas e esse nome, “Pombália”, com que se relaciona? “O nome une duas ideias em uma só. O prédio em que moro, o Edifício JK, tem o apelido de Pombal. Peguei essa ideia, juntei o sufixo ‘alia’, que vem do latim e remete ao coletivo, e fiz uma associação com os reinos da biologia, a ‘animalia’. Tem essa coletividade de coisas que rondaram a minha casa no período de isolamento junto com um outro sentido, que acho que é até mais forte, que é essa ideia da gíria, do pombal como desordem, bagunça, quer dizer, imagino esse reino da desordem, do caos, que para mim é o Brasil de agora”, explica Guto.

“Pombália”
Guto Brant
Disponível nas plataformas digitais

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