Jornal Estado de Minas

DANÇA

Rodrigo Pederneiras conta o que você nunca soube sobre o Corpo


Excessivamente tímido (palavras dele), o coreógrafo Rodrigo Pederneiras, de 66 anos, é a figura central nos 46 da trajetória do Grupo Corpo. Publicamente, no entanto, mantém-se reservado, sabendo bem que seu diálogo se dá por meio das peças apresentadas pelo grupo de bailarinos.



“Nunca fui de falar. Tive que aprender a falar em público, principalmente porque lá fora, quando a gente ia se apresentar, sempre pedem uma conversa com o criador. Depois de velho fiquei mais sem vergonha”, admite. 

E a conversa que Pederneiras terá com o público a partir da noite desta sexta-feira (16/07) promete, pelo que ele adiantou ao Estado de Minas.  Mensalmente, até outubro, será realizada no canal do YouTube da companhia a “Temporada comentada”, viabilizada pela Fundação ArcelorMittal. Trata-se da exibição de espetáculos seguidos por uma conversa ao vivo entre seus criadores e a plateia virtual – as perguntas poderão ser feitas via chat ou redes sociais do Corpo.

Pederneiras é o convidado dos três primeiros encontros e Cassi Abranches, do último. A abertura será com a exibição de “Parabelo” (1997), que do repertório do Corpo é hoje seu espetáculo mais popular. “Acho que porque ele tem um caráter muito brasileiro. É a mais regional das peças, muito focada na cultura nordestina. E tem o apelo musical da trilha de Tom Zé e José Miguel Wisnik”, comenta o coreógrafo.




TRILHA 

A criação do espetáculo traz histórias deliciosas. Pederneiras conta que, na época, acompanhava a produção de todas as trilhas sonoras dos espetáculos – o Corpo sempre partiu das trilhas; as coreografias só vêm a posteriori. “Lembro-me de que estava agitadíssimo porque sempre adorei Tom Zé, e era a primeira vez que trabalhava com ele”, conta. Wisnik já tinha realizado a trilha para “Nazareth” (1993), a partir da obra de Ernesto Nazareth. Eram dias inteiros no estúdio com os compositores.

No período, ele conta, Tom Zé sofria de um problema grave no estômago. “Não conseguia comer nada, levava meia hora para tomar um iogurte.” Pois Wisnik começou a mostrar a Pederneiras os exercícios que o baiano fazia para tentar diminuir o incômodo. “Isso se tornou a primeira música de ‘Parabelo’. Aquela coreografia no chão em que os bailarinos parecem caranguejos veio do Tom Zé.”

O baiano também inspirou o coreógrafo em outras sequências do balé. “Ele falava muito de Irará (a cidade em que o cantor e compositor nasceu) contava histórias das lavadeiras no rio. Essas imagens todas foram usadas em ‘Parabelo’. Há um momento em que as bailarinas dançam com um canto feminino muito lento. Elas estão agachadas. Isso veio do Tom Zé. Para mim, é como se contassem umas para as outras a história do homem que tiveram na noite anterior.”





São histórias assim que Pederneiras está aberto a dividir com o público. “Essa coisa toda de pandemia teve um lado bom. Com as lives, sentimos o tanto que existe de gente curiosa para saber de todos os lados da companhia. São milhares de pessoas que querem saber como, por quê”, diz.

INÉDITO 

Em meio ao processo de reinvenção on-line, com dificuldades de toda ordem – logística, financeira – o Corpo está terminando uma montagem inédita. A coreografia tem 35min40, explica Pederneiras, com exatidão, e foi criada nos moldes pandêmicos – somente solos, duos e trios. Pas de deux somente três, justamente feitos para os três casais de bailarinos que integram a companhia.

A música é da dupla Sandra Peres e Paulo Tatit, do duo infantil Palavra Cantada. “A gente tinha que colocar a companhia para se movimentar. Financeiramente, estávamos completamente ferrados, então não havia como encomendar uma trilha”, comenta. Fã desde sempre do trabalho dos dois, Pederneiras, um dia, “depois de uma cerveja a mais”, ligou para Tatit e explicou a situação. 





“Propus criar um balé a partir das músicas. Eles eliminariam as partes infantis e ficariam as bases, de guitarra, violão, bateria. Eles modificaram as músicas e nós modificamos a nossa forma de fazer balé. E a coisa foi ficando fenomenal, em que ninguém se toca, a não ser os três casais. Ficou um balé com um astral tão alto que cabe para o momento.”

Pederneiras diz que a coreografia está pronta, ainda que exista muita coisa para ser mexida. Pensou-se primeiramente em lançá-la em vídeo. “Mas como as coisas estão abrindo, estou imaginando que talvez possamos fazer para o público no final de setembro, outubro.” 

GRUPO CORPO – TEMPORADA COMENTADA
Série de exibições de espetáculos da companhia seguidas de conversas com os coreógrafos Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches. Estreia nesta sexta (16/07), às 19h30, com “Parabelo”, no YouTube (www.youtube.com/grupocorpooficial). Depois serão exibidos “Gira” (13/08), “Bach” (17/09) e “Suíte branca” (8/10). Cada balé ficará disponível, a partir de sua estreia, por uma semana. O público poderá enviar suas perguntas no chat da transmissão ou via redes sociais do grupo, com a tag #grupocorporesponde (Facebook, Instagram e Twitter). 

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