Jornal Estado de Minas

Pedro Bonifrate lança "Corisco", álbum repleto de temas psicodélicos


Nascido em Paraty, o músico Pedro Bonifrate, ex-integrante da banda Supercordas, passou boa parte da vida no Rio de Janeiro. Em 2016, ele voltou a morar na cidade natal, mais precisamente no Sítio do Dragão, onde montou um estúdio caseiro para produzir suas próprias músicas. Foi lá que nasceu, ao longo dos últimos cinco anos, o disco "Corisco", disponibilizado nas plataformas digitais na sexta-feira (9/07) pelo selo norte-americano OAR Recordings.





O título do álbum faz referência direta ao lugar em que ele foi feito. "Corisco fica na zona rural de Paraty e é um bairro onde eu nunca tinha morado antes", explica Bonifrate. "Depois que me mudei para cá, em 2016, voltei a escrever canções sozinho. No meu trabalho solo, sempre levo alguns anos para compor, vou fazendo de acordo com o cotidiano da vida. Em 2018, comecei a ter noção de que estava, de fato, fazendo um álbum. Quando começou a pandemia, cheguei à conclusão de que precisava correr para finalizá-lo."

Como mantém o hábito de escrever, gravar e produzir sozinho, o músico não precisou se adaptar às restrições impostas pela pandemia no que diz respeito às aglomerações durante o processo de estúdio. No segundo semestre de 2020, o trabalho já estava pronto e chamou a atenção do OAR, que abraçou o projeto e decidiu lançá-lo agora em 2021, com direito a prensagem em vinil.

"Desde quando terminei de gravar, até o lançamento, muita coisa passou pela minha cabeça. Cheguei a questionar se as pessoas ainda ouviriam música em meio a toda essa situação que estamos vivendo no Brasil. Está um clima terrível. Mas mal ou bem, é a arte que nos faz vivos. E a quarentena nos deu a oportunidade de nos comunicaros de uma forma diferente. Estamos mais apegados à vida, principalmente agora,  que ela parece não valer tanto", analisa.





A divulgação do disco começou em maio passado, quando Bonifrate colocou na praça o single "Rei lagarto". Em junho, foram lançadas mais duas músicas inéditas, "Casiopeia" e "Cara de pano". As três já anunciavam como o álbum é repleto de temas psicodélicos e ruídos, não necessariamente sintetizados.

Bonifrate conta que construiu a sonoridade do registro a partir de instrumentos analógicos e isso tem relação direta com o contato que ele estabeleceu com a natureza nos últimos anos. "O lugar onde vivo é bastante rural e rústico. Então, acho que isso me fez querer produzir uma música mais pé no chão. Estar nesse ambiente influenciou tanto nos temas quanto na instrumentação. Eu procurei fazer um trabalho mais cru", diz.

Em contrapartida, o músico chegou a conclusão de que a finalização das músicas precisava ser um processo menos caseiro. Por isso, Diogo Valentino ficou responsável pela mixagem e Dan Millice, pela masterização.




TROVÃO 

As letras também remetem ao lugar em que o artista vive. Corisco, nome do personagem interpretado por Othon Bastos no filme "Deus e o diabo na terra do sol" (1964), de Glauber Rocha, é uma palavra usada para designar um trovão. E foi justamente esse fenômeno natural que inspirou as faixas "Corisco pt. 1" e "Corisco pt. 2".

"Estava na janela quando presenciei uma tempestade de raios. Então, toda essa natureza desempenhou um papel muito importante na minha escrita. São fenômenos e situações cheios de mistério, mas cheios de vida também", analisa.

Bonifrate também buscou inspiração em situações nada naturais, como o incêndio de grandes proporções que atingiu a sede do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018. Formado em história, ele ficou chocado com a destruição do acervo histórico e científico da instituição. A música "Tel azul" fala sobre o ocorrido.





O músico acredita que o momento atual serve de catalisador para canções críticas. "Estamos passando por um clima estranho e engraçado que tem um efeito direto no cotidiano. A música 'Grande nó', que gravei em parceria com a (cantora) Betina, fala sobre essa emanação de vibrações estranhas. Nós somos antenas e acabamos captando tudo isso. Se a gente não tiver a antena voltada para tudo o que está acontecendo, é difícil fazer um tipo de arte atual", afirma.

Com 10 faixas, o disco também conta com as músicas "Vênus", "Lunário" e "2054". O registro é o quarto de uma carreira solo que começou em 2011, com o lançamento do álbum "Um futuro inteiro", sucedido por "Museu de arte moderna" (2014) e "Mundo encoberto" (2019) – o último baseado no poema "Miscelânia", do trovador português Garcia de Resende.

PROJETO GUAXE

 Ex-integrante da extinta banda Supercordas, que chegou ao fim em 2016, Bonifrate conta que acha "mais fácil" trabalhos sozinho porque pode produzir em seu próprio tempo. Ainda assim, ele se juntou ao músico Dinho Almeida, integrante da banda goiana Boogarins, para criar o projeto Guaxe, que lançou um disco autointitulado em 2019.





"Fiz esse projeto para dar uma aliviada nesse trabalho solitário. O trabalho em dupla é mais dinâmico e automático. Sozinho, eu levo a coisa com mais lentidão, vou explorando tudo num tempo diferente", explica.

E é esse tempo que fica impregnado em "Corisco". O disco de pouco mais de 42 minutos é desafiador do início ao fim. As letras são filosóficas, e os instrumentais bastante únicos. Para Bonifrate, fazer arte no Brasil, em 2021, é uma tarefa difícil. Por que seria fácil, então, consumi-la? (GA)
(foto: Divulgação)

CORISCO
De Bonifrate
10 faixas
OAR Recordings
Disponível nas plataformas digitais

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