Jornal Estado de Minas

Steven Soderbergh revitaliza o filme noir em 'Nem um passo em falso'


Incomodado com a recorrente pasteurização do cinema, com a repetição de fórmulas e o requentar de ideias, o cineasta Steven Soderbergh defende que os gêneros narrativos mais comuns em Hollywood entraram num piloto automático que ele chama de “modo pornográfico”, assim definido por tornar graficamente explícito o que deveria ser sutil, sobretudo a brutalidade.





Por isso, há 10 anos, desde que tentou refinar o formato do cinema-catástrofe com “Contágio” (2011), o longa mais citado em referência a pandemias desde que a COVID-19 se alastrou, ele vem se esforçando para filtrar as impurezas dos filões.

THRILLER

O diretor passou pelos filmes de ação com “A toda prova” (2011), refletiu sobre os códigos do terror em “Distúrbio” (thriller todo rodado em iPhone, lançado em 2018) e, agora, apoiando-se na disseminação da plataforma HBO Max, recém-chegada ao Brasil, resolveu repaginar o thriller noir com “Nem um passo em falso”.

O novo trabalho do ganhador do Oscar de Melhor direção por “Traffic: Ninguém sai limpo” (2000) foi regado a aplausos e a críticas entusiasmadas no encerramento do Festival de Tribeca, em Nova York. Parte da calorosa recepção se deve à atuação de Don Cheadle.





“É curioso ver Steven sempre atrás das câmeras, mapeando tudo o que a gente faz, sem dar margens à perda de sutilezas nas nossas atuações. Coisa que poderia acontecer se ele ficasse sentado, assistindo à nossa interpretação por uma telinha de computador”, diz Cheadle, elogiando a experiência da troca com atores de diferentes gerações como Jon Hamm, Julia Fox, Ray Liotta, Matt Damon, Bill Duke e Benicio Del Toro, com quem contracena nas situações mais tensas do roteiro.

“É um filme que passa pela Detroit de ontem para falar da América de hoje, a partir da cobiça que rege as grandes corporações industriais”, comenta.

Dono de um Oscar de coadjuvante por “Traffic” e laureado com o prêmio de Melhor ator em Cannes por “Che”, que Soderbergh lançou em 2008, em duas partes, Del Toro define o processo de criação do filme como linha de montagem, no qual todos se complementam.

“No esquema de Steven, os atores se combinam de modo a permitir que você veja como os personagens se comportam sob diferentes ângulos. A medida do nosso rendimento em cena é desempenho do colega”, afirma.





“Nem um passo em falso” é um estudo sobre o ato de atraiçoar em uma Detroit dos anos 1950  onde a aspereza está no ar, em meio à indústria automobilística em ebulição. A trama lembra clássicos do gênero como “A morte num beijo”, dirigido por Robert Aldrich, em 1955.

“A gente ouvia muito falar em 'O grande golpe', de Stanley Kubrick entre os jornalistas que nos viram em Tribeca, por haver um clima de gângsteres e por haver uma triagem da exploração da confiança alheia”, explica Del Toro, que encarna o ladrão Ronald Russo.

FRACASSADOS

Seu personagem é um exemplar do submundo de fracassados retratados por Soderbergh em narrativa tensa, como raras vezes o cineasta responsável por projetos autorais como “Kafka” (1991) alcançou. Fiel à ideia de libertar o noir de qualquer ranço “pornográfico”(leia-se uso desmedido da violência), ele se apoia mais na tensão do que na agressão a fim de mapear valores éticos em um mundo oprimido pelo lucro.





“É uma fábula moral sobre um homem em busca de redenção”, define o ator Brendan Fraser, uma das maiores surpresas da trupe montada por Soderbergh, que rouba várias cenas ostentando muitos quilos acima da sarada silhueta que desfilava pelas telas há duas décadas, em “A múmia” (1999).

“Estamos diante de uma realidade onde as grandes companhias automotoras colidiram, deixando um saldo de perda para Detroit e para a América”, diz o ator. (Agência Estado)



BRASILEIROS O OSCAR

O ator Wagner Moura e outros cinco brasileiros entraram para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e se tornaram parte do grupo de personalidades que votam nas premiações do Oscar. Além de Moura, que atuou em “Tropa de Elite” e dirigiu “Marighella”, o grupo inclui o documentarista João Atala (diretor de fotografia de “Democracia em vertigem”) e os produtores Paula Barreto (“O casamento de Romeu e Julieta”), Fabiano Gullane (“Uma história de amor e fúria”), Emilie Lesclaux (“Bacurau”) e Andrea Barata Ribeiro (“Cidade de Deus”). Outros convidados são os atores Vanessa Kirby, Robert Pattinson e Andra Day, além dos diretores Lee Isaac Chung, Darius Marder e Florian Zeller.

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