Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Luciana Romagnolli faz live para lançar o livro 'Mistério de haver olhos'

Quando perdeu o pai, assassinado em 2003, a curitibana Luciana Romagnolli se afastou da linguagem que mais apreciava na juventude. O rompimento com a poesia a levou para o jornalismo, em busca de uma escrita mais factual. Veio para Belo Horizonte e se tornou crítica de teatro, com notável trajetória. Nos últimos anos, a reconexão com os versos foi ocorrendo aos poucos, até que nos últimos meses, quando o luto se tornou sentimento corriqueiro neste mundo pandêmico, surgiu o livro “O mistério de haver olhos”, que chega ao público pela Quintal Edições.





“Depois de uma década em que fiquei alheia, alienada, longe do universo poético, nos últimos quatro anos isso foi querendo voltar. Com muita dificuldade, mas foi aparecendo de novo o desejo de uma escrita poética”, relata Luciana, que costumava escrever poesia antes de ingressar na faculdade.


CELULAR

Recentemente, no período que coincidiu com a maternidade, a prática voltou timidamente, com versos registrados no bloco de notas do celular, por exemplo. No primeiro semestre de 2020, Luciana percebeu a possibilidade de organizar a nova criação em um livro.

“Mais ou menos em maio, no olho da pandemia, pensei: tem alguma coisa aqui. Reli, reescrevi, reelaborei e tive o gesto de ousadia de que precisava para colocar isso no mundo”, conta a escritora ao comentar seu primeiro livro de poemas.





Atravessada por várias questões, Luciana coloca uma visão mais sombria sobre elas por meio de sua poesia. “Estamos numa época em que os discursos vão muito para o lugar de afirmação da positividade, do empoderamento, da felicidade. São questões importantes da nossa existência, mas se ficarmos só na luz, vamos ver só pela metade. Também existem as sombras e toda a dimensão da vida em que precisamos nos haver com elas”, argumenta, pontuando que isso fica mais evidente em tempos de pandemia.

“O livro é a travessia de um momento mais mortificado em que o luto toma conta do corpo, mas temos a possibilidade de ir além disso, de reaver a vida, reaver esse corpo”, afirma a escritora.

Luto e melancolia ficam evidentes já nas primeiras páginas. Na introdução, “Cada morto é um fim do mundo”, Luciana Romagnolli dedica a obra à memória do pai e da sobrinha Tarsila, mas também à vida do filho. Embora o ponto de partida seja a dor, outros temas vão surgindo.

“Depois que me tornei mãe, comecei um processo de análise pessoal de tanta coisa que mudou no país. Comecei a notar, escrever. Tudo começou a vir em meio à minha vida tão corrida de mulher no home office”, revela. Temas ligados à relação da mulher com a sociedade e à maternidade fizeram parte dessa reflexão criativa.





“Sentia muita falta, como mulher que é mãe, de um espaço de expressão mais singular na experiência que é única para cada mulher. Vivemos entre discursos. Ficamos um pouco esmagados. De um lado, ainda sobrevive o discurso tradicional da maternidade como destino feminino, da romantização, que sobrevive com força, posta até na política brasileira. Do outro lado, como reação a isso, um movimento de libertação em que chegamos à recusa da maternidade. E hoje também temos o discurso em torno da 'maternidade real', mas que emerge como hashtag de marketing. É uma forma de oferecer produtos e respostas prontas para as mães”, analisa.

ABSURDO

Luciana revela a dificuldade pessoal em lidar com “discursos prontos e manuais”, afirmando que a poesia foi o meio ideal para ela se expressar e compreender a própria maternidade. “A poesia constrói para fora dos discursos generalistas, diz sobre coisas que não são tão racionais. A pandemia, com sua gravidade, nos mostrou como temos uma dimensão do absurdo e do fora de sentido ao olhar para ela. E a maternidade também tem disso, do radical, do irracional”, defende.

As 120 páginas se dividem em sessões que homenageiam as principais referências poéticas da autora: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Cecília Meireles e Adélia Prado. “São leituras da minha juventude. Ficaram comigo, reminiscências do tempo em que eu tinha conexão com a poesia. Durante a escrita do livro, elas voltaram quase como se fossem formas de comentar a minha vivência. Quis capturar isso fazendo com que esses versos fossem regentes de cada conjunto do livro”, explica Luciana.





Nesta quinta-feira (17/06), às 19h, a autora oficializa em live o lançamento do livro, com transmissão pelo canal da Quintal Edições no YouTube.
(foto: Ana C. Bahia/divulgação)

“O MISTÉRIO DE HAVER OLHOS”
• De Luciana Romagnolli
• Quintal Edições
• 123 páginas
• R$ 15
• Informações: https://loja.quintaledicoes.com.br/

audima