Jornal Estado de Minas

CINEMA

Steven Yeun diz que foi um desafio viver o obstinado Jacob em 'Minari'


Lee Isaac Chung estava mais nervoso de mostrar seu filme aos pais, na véspera do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, do que com a estreia em si. Ele contou ao diretor sul-coreano Bong Joon-Ho (“Parasita”), numa conversa promovida pela revista Variety, que temia arruinar o jantar familiar.





Porém, eles amaram “Minari – Em busca da felicidade”, que deu o Oscar de atriz coadjuvante a Yuh-Jung Youn, de 73 anos, a primeira intérprete sul-coreana que levou a estatueta dourada para casa. No domingo passado, o longa de Chung disputou outras cinco categorias: filme, direção, roteiro original, ator (Steven Yeun) e trilha original.



HISTÓRIA 
A preocupação de Lee Isaac Chung baseava-se no fato de “Minari” ser inspirado na sua própria história e de sua família. O cineasta estreou com “Munyurangabo” (2007), que se passa em Ruanda e foi exibido na mostra “Um certo olhar”, no Festival de Cannes.

Seu filme seguinte, “Lucky life” (2010), teve apoio da Cinéfondation e foi premiado em Tribeca, festival realizado em Nova York. O diretor estava planejando deixar a carreira de lado e se mudar para a Coreia do Sul para ser professor universitário. “Minari” foi sua última tentativa no cinema. E ele decidiu que ela teria de ser pessoal.





O filme se passa nos anos 1980. O imigrante coreano Jacob (Steven Yeun, mais conhecido como o Glenn de “The walking dead”) se muda com a família da Califórnia para o interior do Arkansas em busca de uma vida melhor. Ele e a mulher Monica (papel da sul-coreana Yeri Han) identificam até o sexo de pintinhos, mas Jacob comprou uma pequena propriedade para plantar vegetais coreanos destinados à crescente comunidade asiática nos Estados Unidos.

A mudança gera tensão entre o casal, o que respinga nos filhos, a responsável Anne (Noel Cho) e o levado David (Alan Kim), que tem um problema no coração. A vida da família se transforma ainda mais quando chega aos EUA a mãe de Monica, Soon-ja (Yuh-Jung Youn, atriz de vários filmes do elogiado diretor Hong Sang-soo). Ela vem da Coreia do Sul para cuidar das crianças enquanto os pais perseguem o sonho americano.

David não gosta nada da novidade, porque precisa passar a dividir com a avó o quarto na casa precária que sua família ocupa.
Yuh-Jung Youn ganhou o Oscar de atriz coadjuvante como a avó coreana de "Minari"

PARENTES 
Escolher os atores certos era primordial para o projeto dar certo. Steven Yeun, que nasceu na Coreia do Sul, mas cresceu nos Estados Unidos, conhecia de vista Lee Isaac Chung, apesar de serem parentes – o diretor é primo da mulher do ator. “Nunca falamos de trabalho nos casamentos em que nos encontramos”, jurou Yeun, em entrevista. Foi sua agente quem os conectou.





Para o ator, ler o roteiro de “Minari” foi chocante. “Fiquei abismado como ele é honesto com sua perspectiva” disse. “Ele não tenta se explicar. É uma história sobre esta família.” Em sua opinião, muitos filmes sobre imigrantes ou comunidades marginalizadas levam em conta o que precisam significar para o resto dos Estados Unidos. “Aqui não, a história apenas se conecta com os outros em nível humano.”

Yeun ficou com medo de ser convidado para fazer Jacob. “Estava lutando comigo mesmo, com quem sou eu, como é a geração dos meus pais. (Teria de) Examinar o passado para contextualizar minha visão deles na época, explorar minha realidade atual de ser pai e conectar tudo isso.”

O ator não sabia se conseguiria interpretar Jacob, um homem determinado em seu sonho, teimoso e sério. “Será que vou ser autêntico? Será que realmente conheço meu pai? Será que sei o que meus pais passaram?”, comentou. “As pessoas normalmente idealizam ou romantizam a primeira geração que veio para este país, e eu não queria fazer isso. Meu desejo era ir fundo nesse ser humano, mostrando todas as suas falhas.”





Jacob está em conflito com Deus. “Ele deixou a Coreia, abandonou tudo para tentar se encontrar. Tem a mentalidade do imigrante de conquistar algo do nada”, explica Yeun.

O primeiro passo foi ir da Coreia para a Califórnia. O segundo foi se embrenhar no Arkansas. “Ele quer controlar a vida e moldá-la de acordo com sua visão do que ela deve ser”, resume o ator, que relacionou a história com a de seu pai, um arquiteto que deixou a Coreia cheio de esperança. “Quando chegou aos Estados Unidos, ele estava em frangalhos, tentando se agarrar a qualquer coisa que o fizesse se sentir seguro”, contou Yeun.

Na América, aquele homem era nada. Começou do zero, trabalhando como estoquista na loja de jeans de um parente. “Ele teve de recontextualizar sua importância, seus valores e quem ele é. Isso me tocou muito.”

É impossível não pensar em “Minari” como um filme sobre o sonho americano. Yeun faz questão de frisar que os Estados Unidos foram, sim, construídos também por imigrantes, só que nem todos foram para lá com a vontade de fazer a América. Muitos, na verdade, são produtos de conflitos – inclusive da Guerra da Coreia. “Mas, sim, somos um país de imigrantes. É uma terra de transformar o nada em algo.”





PANDEMIA
 O ator acha que a experiência de isolamento imposta pela COVID-19 reflete a vida dos imigrantes. “É a compreensão mais profunda e ampla do que são os Estados Unidos, de que não há uma experiência singular monolítica, de que são indivíduos tentando se encontrar, mas também percebendo que estão conectados uns aos outros.”

O título faz alusão a isso, Minari é uma espécie de salsinha. No primeiro ano, a plantação morre. No segundo, ela pega, purificando o solo e a água. “Para mim, é a metáfora incrível do sacrifício do começo vivido pelo imigrante”, compara Yeun.

“Você chega cheio de intenções, mas, quando isso não acontece, em geral, você se entrega à natureza, vê que não tem controle. A grande lição de interpretar Jacob foi compreender como estamos conectados, como compartilhamos experiências, como não sou muito sem o outro. Para mim, 'Minari' é isso: estamos todos conectados”, conclui.  

audima