Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Câmera é o olho do público na peça virtual '180 dias de inverno'

Prestes a completar 11 anos de estrada, a peça “180 dias de inverno”, do Coletivo Binário, inicia nova etapa na sexta-feira (19/3), às 21h, com a estreia de sua temporada on-line. Gravada no Teatro Paulo Eiró, em São Paulo, a apresentação busca reproduzir a experiência teatral impossibilitada pela pandemia, por meio de um registro que considera a câmera como o olhar do público.





“É teatro com uma nova forma de pensar. Não tem a presença do público, mas é importante considerá-lo. É filmado, mas não é cinema. A filmagem precisa dar conta do que o espectador vê, e aí também entra a vantagem de poder mostrar detalhes da encenação. Antes de tudo, o ator não pode atuar para a câmera”, explica o diretor mineiro Nando Motta.

Ele e sua equipe pesquisaram bastante o novo formato. Uma das conclusões a que chegaram foi a necessidade de dar autonomia a operadores de câmera para não realizar filmagens que registrassem o plano geral do palco.

“Não queria algo igual ao processo de cinema. No início, a gente até tentou seguir esse caminho, mas ficou muito claro que o ator estava trabalhando para a câmera. Foi quando invertemos esse papel: a câmera trabalha para o ator. Em três dias, fizemos a peça de ponta a ponta, sem parar”, conta ele.



Assista ao trailer: 



Antes da pandemia, o Coletivo Binário planejava circular por palcos do exterior. O registro audiovisual também supre essa lacuna, pois algumas sessões terão legendas em inglês e espanhol. Com isso, o grupo conseguiu se inscrever em festivais de teatro de Barcelona, na Espanha, e Londres, na Inglaterra.

Inspirada no texto “Minha fantasma”, do multiartista Nuno Ramos, “180 dias de inverno” narra os seis meses que o autor passou cuidando de Sandra, sua mulher, que enfrentava uma grave doença. Camilo Lélis, Michelle Barreto e Fabiano Persi representam os personagens Ele, Ela e o Outro, que travam batalha diária contra um inimigo invisível.

Denso e dramático, o espetáculo tem como cenário um grande espelho d'água e móveis semissubmersos. Numa cena, o pó branco cobre o corpo de um dos atores para simbolizar a morte e o renascimento. Como é comum nas montagens do Coletivo Binário, há a confluência das linguagens da dança-teatro, instalação, vídeo mapping e live cinema.





“A transitoriedade está presente no nosso trabalho. Esse trânsito foi reativado e reforçado com a entrada do digital. Cinema e dança já são linguagens com as quais temos grande afinidade, e as artes visuais também serviram de grande referência para que a gente chegasse ao resultado que o público vai ver”, diz Nando Motta.

Um dos destaques é a trilha original, assinada pelo compositor mineiro Barulhista. Disponível no site do coletivo, ela mistura a paisagem sonora da peça com sons sintetizados.

Para o diretor, retomar o espetáculo no contexto da COVID-19 joga nova luz sobre a história, que fala sobre o isolamento. “A pandemia ampliou o debate que é próprio da peça: como é um confinamento e as sensações que ele traz ao corpo. É um retrato do cansaço, das restrições e da resiliência”, pontua.


De história real a relacionamento como tema


A peça ganhou novos significados ao longo dos anos. “Começou como uma história real e já não é mais sobre o Nuno Ramos. Atualmente, nossa montagem é sobre relacionamento, sobre viver com o outro. Tem muito mais a ver com as relações cotidianas, do dia a dia, do que com o amor ideal. Gosto de dizer que a gente mostra um tipo de amor que a Globo não mostra. É um amor que cansa, mas ao mesmo tempo nos faz continuar na relação”, diz Motta.

Apresentada há cerca de 10 anos, Nuno Ramos nunca assistiu à peça, “por incompatibilidade de agenda”. “Quem sabe agora, no formato virtual, ele consiga. Vou mandar o link para ele”, conclui o diretor mineiro.




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