Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Lô e Márcio Borges lançam álbum em parceria após 10 anos

O reencontro de um músico e um poeta consagrados só pode resultar em coisa boa. Adormecida há 10 anos, a velha parceria entre os irmãos Lô e Márcio Borges está de volta. Mesmo compondo a distância, pois Lô está em BH e Márcio em seu sítio, em Visconde de Mauá (RJ), os dois produziram as 10 canções que integram o álbum “Muito além do fim” (Deck), que será lançado nessa sexta-feira (5/3) e estará disponível em todas as plataformas digitais.



Abre o álbum a canção homônima, que contou com a participação especial do cantor e compositor carioca Paulinho Moska. Aproveitando a quarentena para compor, Lô Borges convidou Márcio para ambos lembrarem os velhos tempos. A parceria já rendeu músicas inesquecíveis, como “Um girassol da cor do seu cabelo”, “Tudo que você podia ser”, “Trem de doido”, “Sempre viva” e ”Estrelas”, sem falar nos clássicos “Clube da Esquina 2” (com a participação de Milton Nascimento), “Para Lennon e McCartney” (com Fernando Brant) e “Equatorial” (com Beto Guedes), entre tantas outras.

A última vez em que Lô compôs com Márcio foi para o álbum “Horizonte vertical” (Deck, 2011). “Na verdade, fizemos somente duas músicas para esse disco, ‘Antes do sol’ e ‘Quem me chama’. Era um CD com parcerias diversificadas, com Nando Reis, Samuel Rosa, Patrícia Maês e Ronaldo Bastos, além do próprio Marcinho. Então, não compunha com ele desde 2011. Ele é meu parceiro principal, majoritário. Das minhas 200 músicas, creio que pelo menos umas 130 foram feitas com ele. Somos uma parceria que sempre deu certo, pois temos uma sintonia muito boa.”

Esse é o terceiro álbum de inéditas de Lô em um período de três anos. “É muito louco esse negócio de lançar um disco com músicas inéditas todo ano. É sinal de que a fábrica está funcionando bem. Não consigo parar de compor. Certa vez, fiquei sem compor por quase um ano e, quando voltei, tive uma grande dificuldade, portanto, a partir daquela data, decidi que não pararia jamais. E compor com o Marcinho é botar um pé cansado dentro de um chinelo velho. Ele é a coisa mais tranquila do mundo. Para se ter uma ideia, mando as músicas para ele pelo WhatsApp e ele me devolve já com as letras. Às vezes demora uma semana, um mês, é um processo muito tranquilo.”




Faca amolada

Lô conta que durante o processo de compor com Márcio nesse novo disco não precisou mexer em nenhuma frase escrita pelo irmão. “Além do conceito intelectual e estético das letras, há também aquela coisa da métrica. O cara não erra nada e é um compositor do tipo faca amolada. Ele mesmo diz que compor comigo é uma coisa que faz de olhos fechados. Para mim, é uma alegria enorme estar fazendo meu terceiro álbum de inéditas em três anos e poder voltar a compor com meu irmão, pessoa fundamental na minha vida.”

O músico garante que Márcio foi seu primeiro parceiro. “Realmente, ele foi a primeira pessoa a colocar letra em uma música minha. Junto com meus irmãos mais velhos, Marilton e Bituca, Marcinho também me incentivou desde que eu tinha 12 anos. Compôr com ele nesse momento é uma alegria muito grande. O álbum ficou muito legal. Nós dois gostamos do resultado. O disco tem uma linguagem mais vigorosa, tem mais pulsação que, às vezes, as pessoas chamam de rock. Mas confesso que também sempre tive um pé no rock and roll, pois, aos 12 anos, era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e também a bossa-nova.”

Lô se lembra de que o tipo de música que mais tocava em sua casa era a bossa-nova. “Meus irmãos Marilton, Marcinho e Bituca ouviam direto. Então, comecei a aprender a tocar violão com ‘Chega de saudade’ (Vinicius de Moraes e Tom Jobim). Só que, no mesmo ano, fui assistir ao filme ‘A hard day’s night’ e os Beatles colocaram uma palheta na minha mão. Digo isso porque bossa-nova se tocava sem palheta. Costumo brincar que comecei a aprender pelo lado mais difícil, ou seja, com as harmonias inusitadas de Tom Jobim e João Gilberto. Em 1964, em um período de um ano, entraram na minha vida a bossa-nova, os Beatles e o golpe militar. Era muita informação para um garoto de 12 anos.”




Clube da Esquina

Em 1970, Lô, então com 18 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi morar com Milton Nascimento, com o objetivo de compor músicas para o disco “Clube da Esquina 1”. “Era novo, imaturo. Foi a primeira vez que entrei em um estúdio. E olha que já gravei um álbum que, quis a sorte, se tornasse histórico, algo tão grandioso.”
O álbum ''Muito além do fim'' será lançado nesta sexta (5/03) por Lô Borges (foto: Rodrigo Brasil/Divulgação)

Lô conta que foi Bituca quem percebeu o seu tino para a composição e o chamou para dividir com ele o disco “Clube da Esquina 1”. “Era uma homenagem à esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, que era a realidade da minha vida pessoal até. Tinha um pé em Santa Teresa, bairro onde nasci. Depois, aos 10 anos, nos mudamos para o Edifício Levy, no Centro e, aos 16, voltamos a residir em Santa Teresa.”

Lô conta que, naquele época, ficava tocando violão na esquina daquelas duas ruas, com seus amigos de bairro, quase o dia inteiro. “E olha que não eram nem mesmo meus amigos de música, mas gente do futebol, meninas, meninos. Aí, eu e Bituca, com a letra do Marcinho, fizemos a canção ‘Clube da Esquina 1’. Acabou que Bituca se entusiasmou com o meu lado de compositor, quando compus ‘Para Lennon e McCartney’, com letra de Fernando Brant e Márcio Borges, que ele acabou gravando. Na verdade, ele fazia fé no meu dom de compositor.”





Na época, Lô pensou que como a música fez muito sucesso, Bituca iria lhe pedir outra canção. “Mas o que aconteceu foi que ele me disse: ‘Não vou lhe pedir outra música não, vou pedir à sua mãe para você ir morar comigo no Rio de Janeiro, porque quero fazer um disco com você’. É engraçado, porque o destino vai escrevendo as coisas e não temos noção de que estamos fazendo história, coisas importantes, enfim, tudo ali naquela época era levado por mim na curtição.”

Homenagens para os irmãos

Lô pede licença para fazer uma homenagem a três pessoas especiais. “São três caras que foram fundamentais em minha vida. Quando tinha 12 anos, eles já eram adultos e me estimularam muito. Não que me ensinaram, pois sempre fui autodidata, pegava o violão e o piano sozinho e saía tocando e compondo, mas que me inspiraram a me envolver com a música. São eles os meus três irmãos mais velhos: Marilton, Bituca e Marcinho. Realmente, foram os caras que me apoiaram e me incentivaram a entrar para o mundo da música.”

Mas Lô, embora esteja lançando um disco com inéditas e celebrando a volta da parceria com o irmão, confessa que está sentindo um misto de alegria e tristeza ao mesmo tempo. “O mundo está muito triste, o Brasil principalmente. Não há vacinas, as pessoas não usam máscaras, a população também não colabora, promove festas clandestinas com um monte de gente aglomerada. Para mim, é um momento de contraste, da alegria de estar lançando um disco com meu irmão e, ao mesmo tempo, triste por esta situação calamitosa que o Brasil está passando com a pandemia.”





Márcio Borges garante que não tem ideia de quanto tempo ficou sem compor com Lô. “Digo isso porque, mesmo não compondo, continuamos parceiros, amigos e irmãos, conversando um com o outro todos os dias. Ele fez o disco ‘Rio da Lua’ (Deck, 2019) com o Nelson Ângelo e foi me mostrando faixa a faixa, à medida que ia compondo. Depois fez o álbum ‘Dínamo’ (Deck, 2020), com o Makely Ka, e também foi me mostrando a produção. Na realidade, de cada coisa que ele fez nesses anos em que não estávamos compondo pude ter total conhecimento.”

Por outro lado, Márcio continuou compondo com outros parceiros. “Fazer músicas com Lô sempre foi algo natural. Porém, já tinha comentado com ele anteriormente que estava um pouco cansado de ficar fazendo música. Mas ele me ligou e disse: ‘Marcinho, fiz músicas com o Nelson e com o Makely e acho que já está na hora de fazermos de novo. Queria que me mandasse algumas coisas escritas para eu musicar’.”

Novidade na produção

Lô fez a melodia em cima dos poemas de Nelson e Makely. “Nunca havia acontecido dessa maneira, pois ele sempre me mandava a música e eu colocava a letra. Ele me entregava a melodia e eu viajava nela até encontrar as palavras certas, e quando isso acontecia, devolvia para ele.”





Dessa vez, Márcio foi mandando as letras e Lô fazendo a melodia. “Ele foi aprovando todas, com louvor, cantando na maior animação, e a gente atravessou uns meses da pandemia tomados por essa alegria de compor novamente. Foi, em média, uma canção por mês, num ritmo gostoso de fazer. Para mim, compor com ele é a coisa mais natural, pois Lô é o meu parceiro número 1, com quem tenho mais músicas e com quem atravessei uma existência compondo. Componho com ele desde que era menino e continuamos até hoje. Posso dizer que a coisa que mais sei na vida é compor com meu irmão.”

Tutor musical 

Márcio garante que Milton Nascimento foi o tutor musical do irmão. “Tudo começou quando Lô ficou tocando uma harmonia sem melodia lá em casa o dia inteiro. Foi o Bituca quem teve a paciência de se sentar ao lado dele e dizer: ‘Bicho, me mostra essa harmonia aí!’. Lô mostrou e ele começou a construir em cima daquilo. Cheguei logo em seguida e mandei uma letra na hora, porque fiquei apaixonado com aquele tema que os dois estavam desenvolvendo e que virou o ‘Clube da Esquina’, que depois motivou a canção ‘Clube da Esquina 2’ que acabou até ficando mais famosa.”

Orgulhoso, Márcio conta que foi parceiro do irmão a vida inteira. “Lô tinha acabado de gravar o ‘Clube da Esquina’ e foi morar comigo. Depois, fiz quase todas as letras do disco do tênis, um trabalho assim bem encarreirado. Na verdade, também o estimulei a escrever umas ideias que ele tinha e ele acabou fazendo várias letras. E, desde então, temos viajado nesse universo da canção, para não falar em todos os universos da nossa intimidade, como amigos e irmãos.”





Mas Márcio garante que os dois transformaram essa amizade e respeito em música. “Tenho ciência de que fizemos um monte de obras-primas, então vamos dando continuidade a isso. Acho que a contribuição do Lô nesse trabalho coletivo continua sendo muito forte. Ele influenciou e foi influenciado por toda essa galera do Clube da Esquina.”

Acompanharam Lô (voz, piano e violão) nas gravações os músicos Henrique Matheus (guitarra), Thiago Corrêa (baixo) e Robinson Matos (bateria). A direção musical é do próprio Lô Borges.


"Muito além do fim"
Lô Borges
Deck
10 faixas

Repertório

1 – Muito além do fim
2 – Muito querida
3 – Copo cheio
4 – Vida ribeirão
5 – Rainha
6 – Canções de primavera
7 – Caos
8 – Melhor assim
9 – Terra de gado
10 – Piano cigano




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