Jornal Estado de Minas

CINEMA

"Eu me importo", da Netflix, faz espectador torcer pelos vilões

Em janeiro passado, a Netflix anunciou um ambicioso plano de lançamento: disponibilizar pelo menos um filme inédito e original por semana ao longo de 2021. A meta inclui os populares filmes água com açúcar da plataforma, produções estreladas por figurões de Hollywood - como Meryl Streep, Amy Adams, Ryan Reynolds e Gal Gadot - e longas despretensiosos que eventualmente conquistam público e crítica.





Esse é o caso de ''Eu me importo'', do diretor e roteirista britânico J Blakeson. Lançado há duas semanas, ele segue entre os dez títulos mais assistidos da Netflix e rendeu à Rosamund Pike o prêmio de melhor atriz em filme de comédia ou musical no 78º Globo de Ouro, entregue no último domingo (28/2).

No longa, ela é Marla Grayson, cujo trabalho é tomar conta da saúde física, mental e financeira de idosos, função designada pela Justiça assim que eles são reconhecidos como 'incapazes'. Junto com sua parceira e namorada, Fran (Eiza González), ela orquestra um esquema para fazer com que os tutelados lhe entreguem todo o dinheiro que têm.

Com a ajuda de uma médica geriatra, a doutora Amos (Alicia Witt), Marla toma conhecimento de idosos com um bom patrimônio e algum sinal de demência e parte para o ataque.Faz uma pesquisa inicial para levantar possíveis problemas e, se decide seguir em frente com o golpe, pede uma audiência de emergência para um juiz e o convence de que a pessoa não tem mais condições de tomar conta de si e nenhum parente que possa fazer isso por ela. Se o juiz concordar, ela vira a responsável por todos os aspectos da vida da vítima.





O passo seguinte é tirar o idoso de casa, colocá-lo em um asilo gerenciado por outro comparsa, Sam Rice (Damian Young), tirar o celular dele e mantê-lo isolado do mundo. Em seguida, ela e a namorada fazem uma limpa nos bens do sujeito, com a justificativa de que precisam usar o dinheiro para os cuidados da pessoa, assim como para pagar pelo seu trabalho.

O esquema funciona perfeitamente bem até que ela encontra o alvo perfeito: Jennifer Peterson (Dianne Wiest), diagnosticada com uma leve demência, sem herdeiros e com dinheiro o bastante para fazer brilhar os olhos da anti-heroína. O problema é que a Sra. Peterson, na verdade, está em pleno poder de suas faculdades mentais e é ligada com a máfia russa, cujo chefão, Roman Lunyov (Peter Dinklage), a quer fora do asilo imediatamente.

A partir daí, os dois vilões travam uma batalha pela tutela de Jennifer. Ele parte para o uso de armas e ameaças. Ela o enfrenta a altura. Nenhuma medida violenta está descartada.

Assista ao trailer: 



Apesar de ser uma briga entre dois antagonistas, as nuances dadas à trajetória de Marla deixam claro para quem J Blakeson quer que o público torça. A personagem é desenvolvida o suficiente para justificar como ela chegou até o lucrativo esquema de exploração de idosos abandonados.





Mas não há aquele momento de plena compaixão. Por ser um filme satírico, bastante inspirado pelo trabalho dos irmãos Joel e Ethan Coen, ''Eu me importo'' é um filme pessimista feito para mostrar o que há de pior nas pessoas. E o título, claro, é bastante irônico.

Por ser uma personagem manipuladora, é difícil não comparar Marla Grayson com Amy Dunne, a protagonista de ''Garota exemplar'' (2009), de David Fincher, que fez Rosamund Pike conhecida e lhe rendeu uma indicação ao Oscar.

Para a atriz, as duas não são tão parecidas assim. ''Amy e Marla são mulheres muito diferentes. O que vejo as pessoas dizendo é que há um pólo entre o que elas estão fazendo. E eu acho que essa é a similaridade entre elas'', disse Pike, em entrevista à "Variety".



Inspiração em fatos reais


Outro chamariz de ''Eu me importo'' é que os eventos narrados no filme são inspirados por fatos reais.

''A ideia surgiu quando ouvi notícias sobre esses tutores legais predatórios que estavam explorando essa brecha legal e explorando a vulnerabilidade do sistema para tirar vantagem dos idosos, basicamente privando-os de suas vidas e bens para encher seus próprios bolsos'', contou o J Blakeson à "Cosmopolitan".

''Essas histórias eram horríveis e bastante comuns. Fiquei chocado ao saber que isso acontece em vários lugares e pensei que havia algo quase kafkiano sobre alguém batendo na sua porta e simplesmente levando você por um motivo que é válido. Eles tinham a lei ao seu lado e não havia nada que pudesse ser feito'', acrescentou.

Vale destacar a seleção de músicas que integra a trilha sonora, que inclui a banda britânica Death in Vegas e o grupo de europop Five Star. Elas são complementadas pela ótima instrumentação original assinada por Marc Canham, repleta de elementos eletrônicos que dão ritmo à história.





A música que toca no final do filme gerou grande curiosidade em quem assistiu ao filme. Trata-se de ''Blood on the motorway'', da lenda do hip-hop DJ Shadow, que faz parte do álbum ''The private press'', de 2002. Ela não é a grande atração, mas torna memorável o final das quase duas horas de filme. 

EU ME IMPORTO 
.Direção: J Blakeson
.Com: Rosamund Pike, Peter Dinklage, Eiza González, Chris Messina e Dianne Wiest
.119 minutos
.Em cartaz na Netflix

audima