Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Bráulio Tavares diz que ficção científica é melhor em livros do que na tela

O compositor, poeta e escritor Braulio Tavares, de 70 anos, está relançando dois livros – Espinha dorsal da memória, que venceu o Prêmio Internacional Caminho de Ficção Científica em 1989, e Mundo fantasmo, publicado originalmente em 1996 –, ambos pela Bandeirola Editora. Eles voltaram às livrarias com a ajuda dos leitores, por meio do financiamento coletivo. “Fiquei muito satisfeito. Tinha uma boa expectativa, que se confirmou, porque esse sistema já funciona no Brasil há vários anos, e já é algo familiar ao público. Creio que há um belo caminho editorial aí, para todo mundo”, comenta.





Tavares comemora também a oportunidade de seu trabalho chegar à nova geração. “Esses livros estavam fora do mercado há mais de 20 anos, muitos leitores só vão conhecê-los agora. São bem realizados, posso dizer que consegui o que queria – nem sempre isso acontece.”

Paraibano de Campina Grande, ele faz questão de ressaltar os laços afetivos que mantém com Minas. “Fui aluno da Escola Superior de Cinema, da PUC de Belo Horizonte, em 1970-1971, quando era dirigida pelo padre Massote. Foi um tempo importantíssimo para minha formação, quando fiz grandes amigos, vi grandes filmes, li como um louco. Orgulho-me de ter sido aluno de Hélio Gagliardi, Paulo Pereira, Priscila Freire, Carlos Hamilton e tantos outros, com lições que nunca esqueci.”

Um dos autores de ficção científica mais respeitados do país, Braulio Tavares analisa, nesta entrevista concedida por e-mail, as perspectivas desse gênero literário no Brasil e a sua relação com o cinema e as séries. 





A literatura de ficção científica ocupa o espaço merecido no Brasil?
Vivemos um momento editorial excelente. Nunca houve tantas editoras, tantos títulos lançados, tantas antologias de peso, tantos autores estreando e, principalmente, prosseguindo, publicando seu segundo, terceiro, quarto livro – o que no fim das contas é mais importante do que simplesmente estrear. Mas o público leitor é pequeno, e se divide entre tantas opções. Por outro lado, como de certa forma ficou convencionado que a ficção científica é um “gênero jovem”, muita gente quer estrear em livro aos 20 anos e virar celebridade aos 30. Aí desanda tudo.

Dos últimos lançamentos do gênero no país, quais autores e obras destacaria?
Destacaria acima de tudo as antologias brasileiras, porque num só volume o leitor pode entrar em contato com 10 ou 12 autores e descobrir de imediato aqueles com quem se identifica – pelo menos é assim que acontece comigo. Destaco a série de antologias da editora Draco (SP): Vaporpunk (2010), Dieselpunk (2011), Solarpunk (2013), inclusive por privilegiar as noveletas longas, um formato que as antologias em geral evitam. Indico a série de Roberto de Sousa Causo para a Devir (SP), vários volumes com Os melhores contos..., de ficção científica e de fantasia. Um título importante é a recente Fractais tropicais, de Nelson de Oliveira, com um recorte histórico bastante amplo das gerações sucessivas da ficção científica brasileira. Há muito mais, é claro – estou citando o que tenho aqui na estante mais próxima, ao alcance da mão.

Tem alguma dica para autores que estão começando a escrever ficção científica?
Dicas são arriscadas, porque aposto sempre na individualidade, na memória pessoal de vida e de experiências que cada escritor traz, e não só na ficção científica. Não posso mexer na inspiração de ninguém, nem dizer o que alguém deve escrever. Daria conselhos de ordem prática. Não pense que vai viver de literatura com facilidade. Estou com 70 anos e até hoje preciso trabalhar, e escrever nas horas vagas. Não tenha pressa em publicar. Saiba distinguir as críticas que lhe estão mostrando caminhos daquelas onde o crítico quer apenas exibir esperteza. Tenha um outro trabalho fora literatura. Não escreva pensando no sucesso, nas fotos, nas entrevistas, escreva pensando na página que você está criando, escreva para produzir uma experiência real, mesmo pequena, na vida do leitor.





A ficção científica é campeã de bilheteria nos cinemas. Filmes de ficção científica lançados ultimamente o conquistaram?
Tenho visto muito poucos. Os filmes de ficção científica estão muito repetitivos. Gastam fortunas em efeitos especiais e em atores-celebridades, mas as ideias são as mesmas que eu lia nos livrinhos de bolso meio século atrás. Entre os filmes mais recentes, gostei de Mad Max fury road, uma experiência-limite de ação contínua, muito bem filmada; gostei de Filhos da esperança, de Alfonso Cuarón, uma premissa levada adiante com coragem narrativa e controle da imagem.

Que séries e filmes brasileiros de ficção científica o senhor destacaria?
Não tenho assistido muita coisa. Parei de frequentar salas de cinema mesmo antes da quarentena. Mas um filme como Bacurau, de Kléber Mendonça, tem claros elementos de ficção científica, conforme comentei no meu blog, o Mundo Fantasmo. Existe uma geração de diretores na faixa dos 40 anos que cresceu lendo ficção científica, vendo filmes, lendo quadrinhos, etc. Essa temática acaba passando para os seus trabalhos pessoais.

O fortalecimento do YouTube e das plataformas digitais teve impacto na ficção científica? Séries, filmes têm conquistado novos adeptos para esse gênero literário?
Confesso que não acompanho muitos os canais de YouTube, mas entendo que todas essas plataformas estão hoje se encarregando da formação dos primeiros critérios de qualidade dos leitores jovens. Antes, era um espaço ocupado pelos suplementos culturais dos jornais impressos, pelas revistas de cultura, pelas revistas literárias. Não devemos ver a ficção científica como algo fora do mundo literário. Ela tem sua temática própria, mas isso é tudo. Existe um circuito literário que está em reformulação. Em qualquer circuito, seja suplemento, seja YouTube, há espaços possíveis para a literatura clássica ou erudita, para a literatura de entretenimento, a literatura de gênero, a literatura experimental, e assim por diante.





Gostaria que um de seus livros de ficção virasse filme ou série?z
Não vejo muita possibilidade disso. Meus livros se caracterizam pela prosa, não pela invenção de enredos originais. Acho que meus enredos são colhidos na tradição do gênero, são meras variantes. Quando a gente adapta um livro para o cinema, a prosa é a primeira coisa que desaparece.

Por que o senhor se tornou escritor de ficção científica? A ficção científica tem algo a ver com a cultura do Nordeste, mais especificamente de Campina Grande, sua cidade natal?
Sim. Nasci em 1950, e por volta de 1960 as bancas de revistas de Campina Grande transbordavam de livrinhos de bolso de ficção científica – e também policiais, de terror, faroeste, etc. Essa década 1960-1970 foi o boom do livro de bolso no Brasil, com dezenas de editoras lançando centenas de títulos nas bancas, todo mês. Depois, na Livraria Pedrosa, na mesma cidade, entrei em contato com os livros da Colecção Argonauta, de Lisboa. Ao mesmo tempo, lia Conan Doyle, H. G. Wells, Julio Verne. Tudo começou aí.

O mundo está passando por uma pandemia, que lembra muito os enredos de filmes de ficção científica. O senhor pensa em escrever livro baseado nesta experiência que a COVID-19 nos impõe?
De jeito nenhum. Estou com quase um ano de enclausuramento, e não aguento mais ouvir falar expressões como “em tempos de pandemia...” Não pretendo escrever sobre este assunto. Já tem gente demais escrevendo.



Quais são os planos para este ano de 2021?
Estou organizando e traduzindo algumas antologias de contos para a Editora Bandeirola, retomando em outro formato a série de antologias que fiz antes para a Casa da Palavra (RJ). Tenho um poema fantástico, ilustrado por Cavani Rosas, que sairá por uma editora do Recife em 2021. Tenho um livro de crônicas, em preparo, pela editora Arribaçã, de Cajazeiras (PB). Estou preparando duas coletâneas de contos, e uma coletânea de poemas. Tudo isso são coisas já escritas, precisando apenas de editoração. E nas horas vagas fico trabalhando ao mesmo tempo em inúmeras histórias, que podem resultar em conto, em noveleta, em romance... O tempo dirá.

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

A ESPINHA DORSAL 
DA MEMÓRIA
De Braulio Tavares
Bandeirola (224 págs.)
R$ 55

MUNDO FANTASMO
De Braulio Tavares
Bandeirola (128 págs.)
R$ 44
Informações: www.bandeirola.com.br

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