Jornal Estado de Minas

MÚSICA CLÁSSICA

Acompanhamos o (início da) volta da Filarmônica de Minas Gerais

O relógio digital no centro da Sala Minas Gerais marca 13h58. Quarenta e sete músicos já estão postados em seus lugares. À exceção dos sopros, enredados em placas de acrílico que os separam uns dos outros, os demais estão de máscara. Um minuto mais tarde, chega o maestro Fabio Mechetti.



Às 14h, ele dá início ao ensaio. Quarenta e cinco minutos depois haverá o primeiro de dois intervalos, de 15 minutos cada um, até as 16h30, quando terminará mais um dia de trabalho da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.

É terça-feira, 20 de outubro. Mechetti, desde março em Jacksonville, Flórida, onde vive com a família, chegou à capital mineira no dia anterior, vindo em um voo lotado de Orlando. Ficará em Belo Horizonte por duas semanas, onde finalmente regerá a Filarmônica em dois concertos da Maratona Beethoven. 

O primeiro será na noite desta quinta-feira (22). O programa em homenagem ao compositor alemão, em seus 250 anos de nascimento, que tem sido transmitido pelo canal da orquestra no YouTube desde agosto passado, é uma sorte em um ano de tantas adversidades.





“Se fosse o ano Mahler, a gente estaria perdido”, brinca Neto Bellotto, contrabaixista principal da orquestra, fazendo uma referência à obra do compositor austríaco autor de célebres sinfonias com orquestração variada e numerosa. 


“A vantagem de Beethoven é que o repertório que ele escreveu, do Classicismo, não tem trombones, não tem tanta percussão. É um repertório que dá para fazer com orquestra reduzida. Tanto que, nas madeiras, nos sopros em geral, estamos jogando com o time completo. Foi assim que Beethoven escreveu. Já as cordas estão reduzidas em 70%. Dá para fazer esse repertório muito bem com 60 músicos, estamos com 48 por precaução sanitária”, comenta Mechetti. O corpo da Filarmônica é de 90 instrumentistas.

Bem-humorado – “Eu nem sabia se ainda sabia reger” – o regente e diretor artístico da Filarmônica pôde, ao menos por ora, deixar de lado o WhatsApp. Era por meio do aplicativo de troca de mensagens que ele, de casa, ao final de cada ensaio, se comunicava com a orquestra.





DINÂMICA

“No acompanhamento virtual, é impossível ter noção de dinâmica, já que pela internet não existem sons pequenos (os sons ficam padronizados)”, comenta Mechetti. Violinista solista do concerto do dia 31, Rodrigo de Oliveira concorda: “Ouvir aqui, pessoalmente, é diferente de quando se ouve pela internet, pois não dá para captar toda a qualidade do som”.

Normal não é – e não há como ser. Além da máscara obrigatória, há protocolos de entrada e de permanência no local (elevador com um único passageiro a cada viagem, camarim para no máximo duas pessoas, entrada no palco somente 20 minutos antes do ensaio etc). 

“Ficamos menos tempo no palco justamente para abrir a sala e ventilar. E quando vamos ‘aquecer’ os instrumentos, cada um fica em um lugar. Eu, como sou das madeiras, preciso ficar no foyer em cadeiras bem espaçadas. Normalmente, eu chegaria e iria direto para o camarim”, diz a oboísta Maria Fernanda Gonçalves.





Mechetti, após os dois turnos (manhã e tarde) do primeiro ensaio com a orquestra depois de tantos meses, sentiu mesmo foi o efeito do distanciamento. “Quando você separa uma orquestra, as pessoas sentadas atrás perdem a referência do que está acontecendo aqui na frente. O problema do ensemble, da junção das partes, é um pouco mais difícil de lidar (do que, por exemplo, reger de máscara). Outra questão são as ‘gaiolas’ (para os sopros), em que o som não projeta também (da mesma maneira). Embora para efeito de gravação isto tanto faz, pois há os microfones.”

A despeito das adaptações, o momento é de comemorar. Desde agosto, quando a Sala Minas Gerais foi reaberta para os músicos da Filarmônica, que passaram a executar peças da Maratona Beethoven – iniciando com duos e trios e progredindo gradualmente para formações maiores – o andamento do processo está dentro do esperado.

PÚBLICO

Com a reabertura autorizada para teatros e cinemas a partir do próximo dia 31, segundo anunciou a Prefeitura de Belo Horizonte, a Filarmônica pretende receber público na sala no início de novembro. A ocupação será de aproximadamente 30% da capacidade (1.493 assentos) da Sala Minas Gerais. 





Mechetti mantém os pés no chão. “A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) começou na semana passada, e a resposta foi fraca do ponto de vista de público. Nosso público é mais idoso, tem precauções maiores, não estamos contando com um retorno em massa. O bom é que os assinantes estão compreendendo a situação.” Das 3.506 assinaturas para 2020, somente 18 assinantes pediram seu cancelamento em decorrência da pandemia.

E, mesmo com o retorno do público, as transmissões serão mantidas. Além de Beethoven, a Filarmônica teve outra sorte neste ano. Em dezembro de 2019 foi inaugurado, no quinto andar do prédio no bairro Santo Agostinho, o estúdio de transmissão. Muito antes de se falar em pandemia da COVID-19, a orquestra havia planejado fazer cinco transmissões ao vivo de seus concertos em 2020 – número que, diante do isolamento social, terminou se multiplicando por quatro. Das 20 transmissões programadas até dezembro, faltam nove. 

Para quem tem acompanhado as apresentações ao vivo pela internet chamam a atenção a qualidade de som e de imagem. As lives exploram toda a dimensão da Sala Minas Gerais, com planos abertos, fazendo do próprio espaço um “integrante” da orquestra. Além disso, é possível ver de casa detalhes da interpretação dos músicos, com planos fechados na execução e até nas partituras





Sete profissionais são responsáveis pela transmissão ao vivo. Seis câmeras remotas são posicionadas na sala a cada concerto (daí a razão pela qual não se avistam operadores de câmera durante a exibição). Do estúdio, o regente Leandro Oliveira, diretor das transmissões, estuda as partituras, para saber onde posicionar cada câmera. 

Mechetti confirma que as transmissões continuarão em 2021, independentemente da evolução da pandemia. “Acho que o normal não vai existir por ora. Talvez em meados de maio e junho”, ele diz. A programação do próximo ano terá início em fevereiro, como habitualmente

“No começo da temporada não teremos grandes sinfonias, como as de Mahler. Não queremos cancelar programa, então vamos ter concertos para grupos do tamanho que temos agora. Queremos oferecer algo que tenhamos certeza de que, com vacina ou não, daremos conta”, diz o maestro, que, a partir de agora, ficará indo e vindo a BH a cada 15 dias.





CALOR HUMANO

Os músicos não veem a hora de a sala voltar a receber público. “O calor humano faz muita diferença, pois ver as pessoas na plateia te dá uma motivação a mais. Realmente é difícil ficar em cada estudando e fazendo transmissões sem saber quem está te assistindo”, diz Rodrigo de Oliveira, que, a despeito das dificuldades dos últimos meses, viu que o importante “é não ficar parado”.

Para Neto Bellotto, o bom de ter ficado em casa foi conseguir fazer coisas que, em uma situação de normalidade, não conseguiria. “Chega uma hora em que cansa. Para mim, foi muito emocionante voltar a tocar com um grupo maior, com um regente assistente (José Soares, que regeu os primeiros concertos da orquestra na Maratona Beethoven) jovem, que tem feito um trabalho muito bacana. Estou feliz de estar aqui, em casa, agora com o maestro de novo. Foi muita saudade.” 

Agora é acompanhar de perto, e cautelosamente, os próximos passos. “É uma realidade com a qual nunca tivemos que lidar. Em uma pesquisa que fizemos recentemente, 90% dos nossos assinantes disseram que vão renovar. Então, ao mesmo tempo estamos contentes, pois o público confia na Filarmônica”, diz Mechetti.

MARATONA BEETHOVEN

Com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sob a regência de Fabio Mechetti. Nesta quinta (22), às 20h30, no canal da Filarmônica no YouTube:  As criaturas de Prometeu, op. 43 (excertos) e Sinfonia nº 1 em Dó maior, op. 21. No sábado (31), às 18h, no canal da Filarmônica no YouTube e na Rede Minas: Quarteto de cordas em dó sustenido menor nº 14, op. 131 (versão para orquestra de cordas), Danças Alemãs, WoO 8, Romance nº 2 em Fá maior, op. 50 (com o violinista Rodrigo de Oliveira como solista) e Fidelio: Abertura, op. 72c.




O maestro Fabio Mechetti diz estar "jogando com o time completo nos sopros e reduzido nas cordas"

Filarmônica no YouTube*

Maratona Beethoven
57,5 mil visualizações 
(média de 5.230 por concerto)
38.480 espectadores únicos 
(corresponde à lotação de 26 salas Minas Gerais)
.Dados referentes a 11 concertos transmitidos ao vivo (nove ainda serão realizados)

 Filarmônica em Câmara-Digital
6,8 mil visualizações
.Dados referentes a três concertos gravados (três ainda serão realizados)

 Concertos em casa
67,135 visualizações 
.Gravações inéditas de concertos sinfônicos
.Dados referentes a 12 gravações exibidas entre 28 de março e 26 de junho

* No total, desde março houve 131.435 visualizações de concertos ao vivo e gravações inéditas, segundo a Filarmônica.

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