Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Araquém Alcântara comemora 50 anos de amor à fotografia


Ser fotógrafo de natureza é ter de lidar com sentimentos os mais variados. Maravilhar-se com as belezas que estão à sua frente, mas também tirar de dentro de si força para encarar os estragos causados pelo homem ao meio ambiente. Há 50 anos, quando deu início à sua trajetória profissional, Araquém Alcântara enfrenta esses dilemas. A partir do momento em que decidiu registrar o mundo das florestas e parques, ele se transformou no poeta do olhar.





Do alto de seus 69 anos, o fotógrafo está isolado há 150 dias por causa da pandemia. Radiante com a atual fase de sua carreira, com o reconhecimento internacional valorizando ainda mais o seu trabalho, ele se indigna com o que está ocorrendo com a natureza. “Um amigo meu (o artista plástico), Frans Krajcberg, falava: 'Será que não estão percebendo? Isso é um holocausto'. E agora, além do que ele constatava, temos esse genocídio intencional de povos indígenas e dos quilombolas, pois estão querendo liberar todo o garimpo. É ganância, é intencional”, afirma o fotógrafo. Polonês naturalizado brasileiro, o ecologista Krajcberg (1921-2017) chamou a atenção do mundo com esculturas criadas a partir de troncos, galhos, árvores e terra com resíduos minerais de Minas Gerais.

Araquém se prepara para voltar à Amazônia, de onde trará imagens para o novo livro. Ele mantém o hábito de viajar anualmente à região. A cada visita, a visão que se apresenta é mais assombrosa, mas o fotógrafo não quer perder a esperança.

“O (antropólogo) Darcy Ribeiro já tinha dito que só o engajamento da sociedade pode salvar a Amazônia, que hoje está em agonia, chegando ao ponto de savanização. Isso não pode continuar, pois, se seguir assim, não vai mais produzir aquelas árvores generosas, nem a chuva será da mesma forma, o que afetará a agricultura, o clima da América do Sul. Sem flores não há futuro saudável”, adverte Araquém.





Porém, lembra, até empresários, que não pensavam em ecologia há algum tempo vêm colocando a sustentabilidade em primeiro lugar. O fotógrafo acredita que a situação pode se reverter, mas para isso são necessárias a mudança de pensamento das autoridades e atitudes concretas.

Cabocla do Rio Ariaú, no Amazonas (foto: Acervo Araquém Alcântara)

Onça-pintada da Amazônia, capa de um dos livros do fotógrafo (foto: Acervo Araquém Alcântara)

SANTOS

Um dos nomes mais emblemáticos da fotografia de natureza, Araquém Alcântara começou sua trajetória em 1970, “quando ecologia era uma palavra para letrados”, como ele diz. Nascido em Florianópolis, passou um bom tempo morando em Santos, no litoral paulista, onde começou sua paixão pela fotografia. Urubus foram os primeiros modelos. No cais, ele registrava prostitutas que trabalhavam por ali.

O caminho de Araquém tomou outro rumo quando foi levado a registrar fatos dramáticos ocorridos em São Paulo. “Logo teve Cubatão, as crianças sem cérebro e o rico vale da morte. Meu modelo de universo era esse inferno todo”, relembra.





De acordo com o fotógrafo, seu trabalho revela duas vertentes: “Um posicionamento político e uma visão poética”. Conta que sempre foi um sujeito “invocado”, remando contra a maré. “Era o cara que saía andando com a câmera na mão. Até hoje, minha fotografia é feita andando”, revela. Para ele, a forma que escolheu para captar o espírito de um povo, o caráter de um povo, como diz, foi se transformar nesse fotógrafo viajante.

“Tenho 500 mil imagens, mas acho que, dessas, 50 mil de alto nível”, calcula, explicando que o trabalho do fotógrafo de natureza é assim mesmo. “Você descarta 90% das suas fotos, mas com os 10% restantes corrige tudo.”

Com tantos anos de profissão, entre as milhares de imagens captadas em todos os cantos do Brasil, ele destaca duas como marcos de fases diferentes de sua carreira. A primeira, feita 50 anos atrás, traz seu pai segurando uma foto com ossos humanos, feita para simbolizar a luta contra a construção de usinas na região de Iguape (SP). Para Araquém, o sentido da imagem foi dizer: “Olha, somos pessoas humildes, mas sabemos o que querem fazer”. Funcionou.





A segunda é a fotografia que tem rodado o mundo. Captada no ano passado, traz a imagem de um tamanduá-mirim cego fugindo da queimada na Amazônia. “Essa foto reflete meu sentimento de revolta pelo que vem acontecendo”, afirma Araquém. Ele estava na estrada Cuiabá-Santarém e de longe avistou o animal deixando a mata, que ainda ardia.

“Pulei a cerca e vi um bicho saindo da queimada. Quando ele sentiu que eu me aproximava, tentou se defender abrindo os braços, essa é uma atitude de defesa dos tamanduás. Trata-se de um crime inominável. Essas são imagens muito fortes na minha vida”, comenta Araquém.
Na Amazônia, o desespero do tamanduá-mirim ao fugir da queimada (foto: Acervo Araquém Alcântara)

CESSNA

A foto do tamanduá é fruto de um momento terrível. “Fui para lá, fiquei dias voando em um Cessna com a porta 'tirada', a coluna virou um ‘S’, fotografando com o vento batendo forte no meu rosto”, relembra.




Porém, foi dessa forma que ele passou a conhecer em detalhes a região. “Já entendo todo o caminho do garimpo, que, primeiro, abre um trechinho na mata até a beira do rio, depois expande até algum afluente”, explica. Araquém se comove ao falar sobre o verde que surge na água. “É a cor do garimpo, da morte. Como podemos permitir a entrada de garimpeiros na floresta?”, questiona.

Premiado internacionalmente, o fotógrafo tem 55 livros lançados, sempre com a temática da natureza, com ênfase no Brasil e no sertão. As imagens que serão captadas em sua nova viagem      à Amazônia ficarão expostas     em uma feira em Frankfurt, na Alemanha, marcada para 2021. (Estadão Conteúdo)

ARAQUÉM ALCÂNTARA
O fotógrafo exibe trabalhos no Instagram (@araquemoficial) 
e no Facebook (https://www.facebook.com/araquem.alcantara)

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