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Estado de Minas NO DIVÃ

Analista conta em livro seus conflitos com a própria terapia

Lori Gottlieb intercala a narração do processo psicoterápico de quatro pacientes com sua própria experiência de precisar da ajuda de um terapeuta em 'Talvez você deva conversar com alguém'


postado em 04/07/2020 04:00 / atualizado em 03/07/2020 22:59

Muito embora o livro Talvez você deva conversar com alguém (Vestígio) seja hoje considerado um sucesso de vendas nos Estados Unidos, enquanto o escrevia, Lori Gottlieb não imaginava que o produto final chegaria a tanta gente. Talvez por isso, a jornalista e terapeuta norte-americana tenha conseguido dividir, de forma tão sincera, suas experiências como psicanalista, e também como paciente.

“São histórias verdadeiras e autênticas. Atualmente, muito do que sabemos uns dos outros é por meio das redes sociais, que, de certo modo, colocam nossa vida sob filtros. Isso faz com que as pessoas se sintam isoladas em suas experiências e lutas”, afirma a escritora, em entrevista ao Estado de Minas.

Ao longo de 58 capítulos curtos, acompanhamos as jornadas comoventes de quatro personagens que frequentam seu divã: John, um soturno produtor de Hollywood de 40 e poucos anos; Julie, uma professora de 33 que luta contra um câncer terminal; Rita, uma senhora divorciada com planos de se matar em seu próximo aniversário; e, por fim, Charlotte, uma garota ansiosa que tem problemas com o álcool.

Para construí-los, Gottlieb obteve autorizações por escrito, omitiu identidades e outros detalhes reconhecíveis e, em alguns casos, fatos e circunstâncias da vida de alguns pacientes foram atribuídos a apenas um deles.

“Todas as pessoas que aparecem no livro não estavam mais em tratamento. Senti que não poderia escrever sobre elas e trabalhar com elas ao mesmo tempo”, esclarece. “Também tive a preocupação de alterar qualquer detalhe que as identificasse, para proteger a confidencialidade de suas histórias pessoais.”

Ela explica que todas as mudanças foram pensadas com cuidado e escolhidas meticulosamente para permanecer fiéis às histórias originais. “E também cumprir o objetivo principal do livro: revelar nossa humanidade comum para que possamos nos enxergar com mais clareza.”

"O que muitas pessoas não entendem é que a terapia não é algo que você procura quando está desmoronando, mas quando você quer uma boa segunda opinião sobre sua vida"

Lori Gottlieb, autora de Talvez você deva conversar com alguém



DESCONFIANÇA O que contribui para isso é a forma como a autora, cuja vida fora abalada por um acontecimento inesperado, se revela na narrativa. Diante de sua incapacidade emocional de gerir a situação, ela sai em busca de um terapeuta. E, mesmo para ela, essa não é uma decisão fácil. Lori se vê tomada por sentimentos que vão da vergonha à desconfiança. Há, entretanto, algo nesse processo que a estimula: a necessidade de superação.

“Eu não poderia me esconder atrás dessa credencial clínica. Uma das coisas que defendo no livro é que somos mais iguais do que diferentes. Eu estava passando por algo na minha vida que me tornava tão vulnerável quanto os meus pacientes”, conta.

As sessões da própria autora com seu psicanalista funcionam como o alívio cômico entre as histórias “mais pesadas” de seus pacientes. Ainda assim, sua ida ao terapeuta lhe possibilita descobrir várias questões para tratar.

“Quando lemos sobre o problema dos outros, nos sentimos menos isolados e mais conectados. Inserindo minhas histórias, acho que eu quebro o gelo com quem está lendo e assumo uma vulnerabilidade pouco assimilada aos profissionais da psicologia. Nós somos humanos e também temos problemas'', diz.

Natural de Los Angeles, onde vive, antes de se dedicar aos estudos da mente Lori foi executiva da emissora NBC. Largou o emprego para cursar medicina em Stanford, uma das escolas mais prestigiadas de seu país. Acabou desistindo, ao perceber que passaria o tempo atendendo “milhares de pacientes em consultas de 15 minutos”, sem poder se aprofundar na vida de cada um.

Foi então trabalhar como jornalista e, há aproximadamente 10 anos, migrou para a psicologia. Hoje, além de se dedicar ao divã, tem três livros publicados, aparece com frequência em programas de rádio e televisão e colabora com o The New York Times, entre outros jornais e revistas.

Para ela, embora a psicoterapia seja atualmente bastante popular, ainda existe um estigma em relação a esse tipo de tratamento.

“Algumas pessoas pensam que só se vai à terapia porque algo está muito errado. Nós não fazemos isso com nossa saúde física. Se sentimos um desconforto no peito, procuramos logo um cardiologista, antes de sofrer um ataque cardíaco. Se sentimos algum desconforto emocional, muitas vezes não procuramos um terapeuta e esperamos até ter uma crise emocional”, afirma.

“Então, é preciso esclarecer: você não precisa esperar até que esteja em crise para ir ao terapeuta. Não fazemos isso com nosso corpo. O que muitas pessoas não entendem é que a terapia não é algo que você procura quando está desmoronando, mas quando você quer uma boa segunda opinião sobre sua vida.”

Na opinião de Lori, um dos maiores problemas da sociedade atualmente é a falta de comunicação. “Muitas vezes, o que precisamos é conversar mais uns com os outros de uma maneira que seja significativa”, explica.

“Se existe algum aspecto positivo dessa situação horrível que estamos enfrentando com a COVID-19 é que, pela primeira vez, as pessoas se deram conta de que realmente querem e precisam falar com alguém. E eu acho que estamos descobrindo o verdadeiro valor disso. A terapia é uma interação realmente significativa entre seres humanos. E é disso que estamos mais carentes neste momento específico da história”, avalia.

QUARENTENA Questionada sobre a melhor maneira de lidar com os dias de quarentena, ela resgata a teoria de que “as histórias que contamos a nós mesmos sobre nós impactam a maneira como estamos no mundo”,  defendida no TED Talk que apresentou em setembro do ano passado.

“Antes de tudo, acho que a linguagem que usamos para descrever a nossa vida afeta o modo como pensamos e nos sentimos. Continuamos a dizer que estamos isolados, mas, na verdade, estamos fisicamente distantes. Vivemos num mundo hiperconectado, podemos entrar em contato com qualquer pessoa, a qualquer momento, mas não na mesma sala”, pontua.

“As pessoas também têm medo de falar sobre o que lhes tem causado alegria em meio a tanto sofrimento. Isso as faz se sentirem culpadas. Nós precisamos nos acostumar com a condição humana, que é formada de alegria e dor misturadas. Se podemos aprender alguma coisa a partir dessa experiência na pandemia, é como viver uma vida mais equilibrada e perceber, enfim, quais são as nossas prioridades.”


TRECHO
Por definição, o problema atual é o motivo que leva uma pessoa a procurar terapia. Pode ser um ataque de pânico, a perda de um emprego, uma morte, um nascimento, uma dificuldade de relacionamento, uma inabilidade para tomar uma decisão importante, ou um estado de depressão. Às vezes, o problema atual é menos específico, uma sensação de ''estagnação'' ou a sensação vaga, mas persistente, de que exista algo de errado.

Seja qual for o problema, ele geralmente ''acontece'' porque a pessoa chegou a um ponto de inflexão em sua vida. Viro pra esquerda ou pra direita? Tento conservar o status quo, ou entro em território inexplorado? (Já vou avisando: a terapia sempre levará você a um território inexplorado, mesmo que escolha preservar o status quo.)

Mas as pessoas não se preocupam com seus pontos de inflexão quando chegam para a primeira sessão de terapia. Na maioria das vezes, só querem um alívio. Querem contar suas histórias, começando com seu problema atual.

Talvez você deva conversar com alguém 
.Lori Gottlieb
.R$ 54,90


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