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Estado de Minas

Confinamento é oportunidade para aprender a escrever melhor

Escritores dão dicas de como aproveitar o período de isolamento para aperfeiçoar as habilidades na escrita


postado em 22/04/2020 04:00 / atualizado em 22/04/2020 19:09

(foto: Kléber Sales/CB/D.A.Press )
(foto: Kléber Sales/CB/D.A.Press )

"Acordo, faço um café, volto para a cama e escrevo. Acho esse horário, quando você acabou de sair de um sonho, muito propício para inventar coisa"

Angélica Freitas, escritora

“Se escrever é algo que você quer fazer, mas, por alguma razão, sempre tem uma desculpa para adiar, esta é uma oportunidade”, diz a poeta e escritora Angélica Freitas. Autora dos títulos Rilke shake e Um útero é do tamanho de um punho, ela conta que, embora confinada, mantém seu ritmo de escrita, e inventou até uma forma de não perder a conexão com o mundo. “Como eu não posso sair à rua para ver pessoas, tenho observado o movimento da minha janela. Tento imaginar para onde vai quem passa por aqui.”

Para ela, ter um caderno por perto e se comprometer a escrever sempre no mesmo horário são ótimos primeiros passos. “Eu gosto de começar e terminar o caderno; funciona como um incentivo”, conta. “Acordo, faço um café, volto para a cama e escrevo. Acho esse horário, quando você acabou de sair de um sonho, muito propício para inventar coisas.”

"Não espere uma inspiração, porque ela só vem quando a gente senta para escrever. Não espere nada"

Noemi Jaffe, escritora e crítica literária


Mais assertiva, a escritora e crítica literária Noemi Jaffe afirma que, “para escrever, é preciso escrever”. “Não espere uma inspiração, porque ela só vem quando a gente senta para escrever. Não espere nada”, diz ela, que tem se dedicado a escrever e publicar nas redes sociais um diário da quarentena. Em uma postagem feita no último dia 2, por exemplo, ela relata as “paranoias” com a pandemia: “Minhas discussões com o João são quase sempre sobre arrumação e higiene – eu mais desencanada; ele mais atento. Mas hoje era eu ‘paranoiando’ nas embalagens, com água sanitária, esponja e cansaço, e ele ‘não é pra tanto’”.

Na visão de Noemi, esse momento seria muito favorável para a escrita, justamente por ser um período de introspecção e solidão. Mas, como o confinamento é forçado e vivemos preocupados com o que pode acontecer, fica mais difícil conseguir um ingrediente que ela considera fundamental: a concentração.

Apesar disso, Noemi vê na escrita um gesto de transformação, uma maneira de, com o mal-estar e a imprevisibilidade da situação, fazer palavras. “Quando faço isso, me alivio”, conta ela, que também aplica essa potência em sua vida íntima. “Faz pouco tempo que perdi minha mãe, então, acabei escrevendo muito sobre ela neste período.”

"Neste momento em especial, essa é uma questão de classe média. Quem tem tempo e condições de sentar, ter um pouco de paz e escrever, é quem tem o que comer, quem tem um teto para dormir. Acho que o recorte social vai ficar mais agudo neste momento, porque as pessoas estão preocupadas em sobreviver"

Michel Laub, escritor


MERGULHO 
Para quem quer começar a escrever, ela sugere um mergulho em assuntos desconhecidos. E, em tempos de coronavírus e ciência no noticiário, tema não falta. “(Pesquise) Sobre astronomia, sobre alguma planta, sobre cavernas francesas. Qualquer assunto que você não domine nada, mas pesquise em detalhes, vá entender a anatomia do besouro. Assim, você descobre assuntos que não têm nada a ver com sua realidade, e isso é muito inspirador.”

Na caixinha de ferramentas de Noemi e de Angélica estão também os desafios verbais. Pode-se tentar, por exemplo, escrever um texto sobre amor sem usar a palavra “amor”, ou um texto sem usar nenhuma vez a letra “e”. Explorar uma história já conhecida pela perspectiva de outra personagem ou, ainda, escrever um poema para os cinco objetos mais próximos de si.

Enquanto isso, Michel Laub, autor de livros como O tribunal da quinta-feira e A maçã envenenada, diz achar a quarentena um período difícil de “se desligar”. “Eu já estava escrevendo, terminando um livro, então estou aproveitando para tentar fazer isso. Mas, como todo mundo, minha rotina mudou um pouco, também porque estou muito preocupado. É difícil parar para escrever como há dois meses”, diz ele.

"O principal é encontrar alguma coisa que vai mover você neste momento, que não tem sido normal na vida de ninguém"

Geovani Martins, escritor


Laub ainda reflete: “Neste momento em especial, essa é uma questão de classe média. Quem tem tempo e condições de sentar, ter um pouco de paz e escrever é quem tem o que comer, quem tem um teto para dormir. Acho que o recorte social vai ficar mais agudo neste momento, porque as pessoas estão preocupadas em sobreviver”.

Em sua visão, soma-se a essa preocupação a “angústia normal de quem escreve no Brasil”, diante da “irrelevância da ficção, da arte” para boa parte da sociedade. “Já é um desafio em épocas normais, porque o mundo hoje presta pouca atenção nisso. E agora tem também a angústia material e de como será o mundo daqui para a frente”, avalia.

Foi a angústia do confinamento que impôs ao escritor Geovani Martins uma mudança de ritmo. “Eu estou em quarentena faz aproximadamente um mês e senti a dificuldade de produzir e crescer à medida que a quarentena foi aumentando”, conta ele. “Acho que tem a ver com uma incapacidade de ignorar o que está acontecendo lá fora. As notícias e a preocupação vão chegando.”

Para Martins, que usa o que ouve nas ruas como material para escrita, o isolamento social também é uma barreira criativa. “O trabalho fica com mais do que a solidão necessária – você acaba ficando sem ter como trocar sentimento, como trocar ideia.”Segundo o escritor, a crise instaurada abalou algo muito importante para quem lida com a criação, “o significado das coisas”. “Se seu trabalho não faz sentido, ele não anda. Então, acho que é uma luta pelo significado – por que contar histórias agora?”

A saída que ele encontrou foi buscar um tema que tivesse a ver com o momento atual. Martins passou a se dedicar a um projeto mais curto, em forma de roteiro teatral, que fala sobre uma família em quarentena. E sua dica é certeira: “O principal é encontrar alguma coisa que vai mover você neste momento, que não tem sido normal na vida de ninguém”. (Agência Estado)


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