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Estado de Minas

BH recebe exposição com 350 obras que têm a rede como tema

A presença do objeto em trabalhos de autores nacionais e estrangeiros e em releituras de obras europeias feitas por indígenas brasileiros é o tema da mostra Vaivém, que o CCBB abre nesta quarta (11)


postado em 11/03/2020 04:00 / atualizado em 11/03/2020 13:39

O coletivo carioca Opavivará! criou a instalação Rede social, com oito redes, nas quais o visitante pode se acomodar e interagir com os vizinhos(foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
O coletivo carioca Opavivará! criou a instalação Rede social, com oito redes, nas quais o visitante pode se acomodar e interagir com os vizinhos (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Uma rede de dormir é criada a partir de quatro elementos básicos. O pano, um tecido retangular onde a pessoa se deita, é ligado às cordas, encarregadas de sustentar o peso e que servem de ligação para os punhos. Estes, em formato de aros, são localizados nas duas extremidades da rede, que ficam suspensas por ganchos. Por fim, as varandas são as franjas, geralmente em crochê, adaptadas nas laterais.

“É uma invenção ameríndia, dos povos indígenas da América Latina”, afirma Raphael Fonseca, curador da exposição Vaivém, aberta a partir desta quarta (11), no CCBB-BH. Desdobramento da tese de doutorado de Fonseca no Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a mostra tem uma carga de ineditismo. Até então, só havia estudos sobre a indústria da rede no país, nada ligado às artes visuais.



Por meio de 350 obras de 141 artistas do Brasil e do exterior, Fonseca apresenta a relação entre a rede e as artes ao longo de 500 anos. “Desde o século 16, quando o europeu começa a invadir as Américas, a rede já aparece nos livros de viagem. A exposição tem uma narrativa histórica em relação com o mundo contemporâneo. Podemos chamá-la de 'trans-histórica', pois ela brinca com os tempos e convida o público a pensar criticamente”, diz.

A viagem é dividida em seis núcleos temáticos. “Resistências e permanências” é o primeiro deles. No hall de entrada da exposição, no terceiro andar, três grandes pinturas recebem o visitante. Produzidas pelo coletivo MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin), do Acre, as pinturas foram concebidas para a exposição a partir de um canto indígena (entoado durante a visitação). Nos trabalhos, Fonseca chama a atenção para elementos comuns, como a presença da jiboia, “um dos animais mais importantes para vários povos da Amazônia”.

Além do objeto em si, a rede nesta mostra se faz presente em desenhos, pinturas, esculturas, livros. Ainda nesse núcleo há fotografias de Claudia Andujar, com seu célebre trabalho sobre os ianomâmis e uma pequena escultura feita por Arthur Bispo do Rosário, com uma rede bordada. Entre os trabalhos de artistas indígenas destacam-se desenhos de Isael e Juninho Maxacali, de Minas Gerais. “Tentamos não ter artistas indígenas de um povo e de uma região só”, aponta o curador.

O segmento “Olhar para o outro, olhar para si” mostra a relação de apropriação. É uma via de mão dupla. Há trabalhos de artistas históricos (Hans Staden, Jean-Baptiste Debret) que vieram da Europa para as Américas, lado a lado com uma releitura contemporânea. A convite da curadoria, artistas indígenas releram trabalhos de outras épocas. A litografia América, invenção e revelação do novo mundo (1617), do belga Theodor de Bry, ganhou a releitura Menu (2019), do artista indígena Denilson Baniwa, do Rio Negro, Amazonas.

AQUISIÇÕES

“Chegou o momento em que todo o mundo está preocupado com a arte indígena. A tendência é  que ela apareça cada vez mais”, comenta Fonseca. Segundo ele, pouco mais de 50 artistas, entre indígenas e não indígenas, fizeram trabalhos especialmente para a exposição. “Várias das obras entraram em coleções. A Pinacoteca de São Paulo, por exemplo, adquiriu algumas.”

O núcleo seguinte, “A rede como escultura, a escultura como rede”, traz nomes essenciais da arte contemporânea. Tunga está presente com dois trabalhos: a série de fotos 100 Rede apresenta a performance realizada em 1997 na Avenida Paulista, que colocou 100 pessoas, vestidas como trabalhadores da construção civil, atuando e comendo no espaço público. Um trabalho mais recente do artista, Sem título (2011/2013), mostra crânios em resina dependurados em um tecido de algodão.

Sem a possibilidade de recriar a histórica Cosmococa em razão do espaço, a exposição reuniu em uma vitrine imagens de trabalhos de Hélio Oiticica. O núcleo também mostra a rede como inspiração para símbolos do design brasileiro, como a poltrona mole de Sérgio Rodrigues e a cadeira Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha.

“Disseminações: entre o público e o privado” reúne obras em que as redes são associadas a aspectos cotidianos, de meio de transporte a práticas funerárias. Um dos destaques é o filme Terra deu, terra come (2010), de Rodrigo Siqueira, que mostra a recriação, no território quilombola Quartel do Indaiá, na região de Diamantina, de um funeral realizado com uma rede.

O núcleo “Modernidades: espaços para a preguiça” destaca o livro Macunaíma (1928), de Mário de Andrade. “Ai, que preguiça!”, a máxima criada pelo “herói sem nenhum caráter” do autor modernista, pode ser relida de diferentes formas. Há a primeira edição da obra, imagens de Mário de Andrade em sua viagem pelo Norte do Brasil, ilustrações de Carybé para o livro e trechos do filme de Joaquim Pedro de Andrade. Ainda nesse núcleo são apresentadas outras imagens que associam a rede à preguiça, como capas de Zé Carioca, o malandro criado por Walt Disney, que “reforça o estereótipo do brasileiro que não trabalha e dá um jeitinho para tudo”, comenta o curador.

Finalizando a mostra, o núcleo “Invenções do Nordeste” busca “desconstruir o Nordeste como lugar da preguiça”, explica Fonseca. Além de xilogravuras de J. Borges, desenho de Portinari, peça de Mestre Vitalino e do livro Rede de dormir (1957), de Câmara Cascudo – “O primeiro e único livro sobre o tema no Brasil” –, a mostra destaca uma curiosidade: fotografias apresentam São Bento, cidade no interior da Paraíba que produz 12 milhões de redes por ano. 

Oitenta e cinco por cento da população local trabalha com redes, o que fez com que a cidade ganhasse um monumento, de grande porte dedicado às redes.

VAIVÉM
Exposição no CCBB-BH – Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Desta quarta (11) a 18 de maio. Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h.  Entrada franca.


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