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Estado de Minas

Em solo sobre memória, bailarino dança coreografia que plateia sortear

Francês Olivier Dubois trata 'a lembrança como proteção contra a morte' em 'Pour sortir au jour', que tem única apresentação em neste sábado (7) em BH


postado em 06/03/2020 04:00 / atualizado em 05/03/2020 20:26

Em seu solo, Olivier Dubois distribui ao público envelopes com os nomes de espetáculos que marcaram sua carreira e reencena os títulos sorteados (foto: Pierre Gondard/divulgação)
Em seu solo, Olivier Dubois distribui ao público envelopes com os nomes de espetáculos que marcaram sua carreira e reencena os títulos sorteados (foto: Pierre Gondard/divulgação)

“O intérprete tem o mais belo ofício do mundo, mas ele morre a cada noite, quando termina o espetáculo”, diz o bailarino e coreógrafo francês Olivier Dubois, de 47 anos. Mas o que é feito dos gestos do intérprete na lembrança do público? E o que é feito de suas emoções na memória de seu próprio corpo? A partir dessas interrogações, Dubois construiu o espetáculo solo Pour sortir au jour, que ele apresenta neste sábado (7), em Belo Horizonte, em sessão única no teatro do Minas Tênis Clube.

No palco, Dubois procura pelas respostas com a ajuda do público. Alguns espectadores são convidados a escolher aleatoriamente envelopes. Dentro de cada um deles consta o nome de um espetáculo da carreira do bailarino. Quando o espectador revela para Dubois a obra que sorteou, o artista revisita aquele trabalho específico. “É como um exercício de dissecação do meu corpo, como se estivessem mexendo nas minhas entranhas”, diz ele.

Bailarino lê texto introdutório em português e depois conta com a ajuda do público para se fazer compreender (foto: Pierre Gondard/divulgação)
Bailarino lê texto introdutório em português e depois conta com a ajuda do público para se fazer compreender (foto: Pierre Gondard/divulgação)

CARREIRA

Em décadas de carreira, Olivier Dubois trabalhou com grandes nomes da dança contemporânea na Europa, como o belga Jan Fabre e a alemã Sacha Waltz. Pouco importa, segundo ele, que o espectador brasileiro – ou o de qualquer outro país – eventualmente não esteja familiarizado com a obra desses artistas.

“Tomemos como exemplo Serena Williams. Alguém que nunca ouviu falar sobre ela pode assistir a uma partida e entenderá que ali está uma mulher medindo as suas forças por meio no tênis. No final das contas, é isso. No meu caso, o público verá como um intérprete viveu as experiências que vivi.”

Mas contará com alguma ajuda para a tarefa. “O importante é não deixar o espectador na ignorância.” Portanto, se na noite deste sábado alguém na plateia em BH sortear o envelope com o nome de Sacha Waltz, Dubois dirá algo assim, antes de se remeter de volta a 2007: “Esse é o espetáculo Insideout, que foi apresentado no Festival de Avignon, uma mostra muito importante na França. Havia uma grande geladeira, e eu ficava dentro dela, nu, o tempo todo”.

O fato de encarar uma plateia não necessariamente fluente em sua língua não tem sido um problema, segundo o bailarino, que já circulou com seu solo pela Inglaterra, Espanha, Itália e Rússia. “Normalmente, isso se dá de um modo muito natural”, afirma, citando o exemplo de sua primeira apresentação no Brasil, ocorrida na última quarta-feira (4), em Brasília. “Leio o texto inicial em português. Depois disso, conto com ajuda para me fazer compreender. As pessoas sabem que não falo português e ficam prontamente dispostas a me auxiliar.”

Pour sortir au jour, ele explica, “é o segundo título do Livro dos mortos do Antigo Egito, que contém os textos escritos nas catacumbas. Acreditava-se que o corpo permanecia imóvel, mas a alma devia sair ao dia (o significado do título, em português) para se recarregar”. Essa ideia de que “a lembrança é a proteção contra a morte” foi o que motivou Dubois a criar seu espetáculo.

Embora tenha referência num livro, nem esse solo nem nenhuma outra de suas criações coreográficas são “diretamente inspiradas em algum livro ou música ou qualquer outra obra”, ele afirma. E não são por uma razão bastante específica. “Meu objetivo é continuar colocando em cena as minhas próprias questões, que são simples e têm a ver com as inquietações humanas. Hoje, há uma tendência de a arte contemporânea tratar de temas atuais, como o clima, a imigração, a crise dos refugiados.”

Na opinião do bailarino e coreógrafo, essa tendência é “completamente redutora” do papel da arte. “Se eu fizesse isso, estaria fazendo jornalismo, apontando o que está certo e o que está errado. Ocorre que não sou nem juiz nem climatólogo, e a matéria da arte tem que ser a inteligência da emoção. A intelectualização da arte é um perigo”. Ele argumenta que, “se formos olhar as grandes obras da história da arte, perceberemos que elas tratam de questões muito íntimas, mas muito profundas e por isso se tornaram universais”.

''A matéria da arte tem que ser a inteligência da emoção. A intelectualização da arte é um perigo''

Olivier Dubois, bailarino e coreógrafo


POLÍTICA

Ao refutar o que define como “intelectualização da arte” na abordagem das pautas em evidência na sociedade, Olivier Dubois não abre mão de enunciar um discurso político com seus espetáculos. “Existe nesse solo uma questão política, do corpo político, mas no sentido grego do diálogo”, aponta.

Num percurso “quase metafísico”, o bailarino afirma que, depois de se “abrir à dissecação em cena” em Pour sortir au jour, o corpo precisa “ser fechado e devolvido para o seu intérprete”. Esse é o ponto de chegada do espetáculo, mas o percurso será a cada noite diferente, segundo a ordem estabelecida pelos envelopes escolhidos ao azar pelo público e as reações que isso provocará.

“Algo que me surpreendeu foi a plateia russa. Eles ficaram loucos, histéricos. Nas duas noites em que me apresentei lá, as pessoas me tocavam, me giravam no ar. Não é o que eu esperava encontrar na Rússia”, conta. No Brasil, além da capital federal, o francês passou por Belém, antes de vir para Belo Horizonte. Como sempre, a noite começa com Dubois indagando a plateia sobre “o que resta dos gestos, das intenções, das cicatrizes”. E termina, se tudo correr bem, com o bailarino e seu público carregando lembranças para protegê-los da morte que é o esquecimento.

'É importante que o público compreenda o que eu digo, mas eu danço muito mais do que falo', afirma(foto: Pierre Gondard/divulgação)
'É importante que o público compreenda o que eu digo, mas eu danço muito mais do que falo', afirma (foto: Pierre Gondard/divulgação)


BH TEM MÊS DA FRANÇA

A apresentação do bailarino e coreógrafo francês Olivier Dubois neste sábado (7) é a primeira atração da Festa da Francofonia, que promoverá uma série de espetáculos e atividades relacionadas aos países de língua francesa até o próximo dia 29. Em sua sexta edição na capital mineira, a festa promoverá um outro espetáculo de dança – Um pé depois do outro, com a Companhia Scalène, no Teatro Francisco Nunes, dos dias 17 a 20.

Haverá show de slam com o belga Mochélan (Sesc Palladium, dia 27) e também apresentações musicais (no Sesiminas e na Sala Minas Gerais), mostra de cinema (MIS Cine Santa Tereza), ateliê de HQ (Biblioteca Pública Estadual) e até um jogo de pétangue (Parque Municipal). A programação completa está disponível do site da Aliança Francesa.


Pour sortir au jour
Solo do bailarino e coreógrafo Olivier Dubois. Neste sábado (7), às 20h, no Teatro do Centro Cultural Minas Tênis Clube – Rua da Bahia, 2.244; (31) 3516-1360. Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), à venda na bilheteria e pelo site Eventim.


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