“A crônica é o gênero de entretenimento. Ela nasce no jornal para refrescar o leitor e quebrar a seriedade das notícias. A arte da crônica é ocupar aquele espaço com alguma coisa que agrade ao leitor.” Assim Antonio Prata resume o tema sobre o qual foi convidado a falar no 8º Fliaraxá, festival literário que será encerrado neste domingo (23), na estância hidromineral mineira. Apesar da objetividade do argumento, o próprio escritor esclarece: no contexto atual de muita tensão em torno do noticiário, pela natureza dos fatos e pelo comportamento de quem os consome, o ofício desempenhado por ele há duas décadas se torna um tanto mais complexo.
Filho de Mário Prata e Marta Góes, que também dedicaram a vida às letras, Antonio se faz presente na grande mídia há pelo menos 18 anos. Já publicou na revista Capricho, n’O Estado de São Paulo e na Folha de S. Paulo. Com 13 livros lançados, tornou-se referência para toda uma geração, que cresceu lendo suas crônicas.
Prata, de 41 anos, alegra-se ao imaginar que adolescentes que o liam na Capricho, há quase duas décadas, hoje são possíveis consumidoras, enquanto as fãs que se tornaram mães leem A menina que morava no chuveiro (Ubu Editora), destinado ao público infantil. Trata-se de uma espécie de conto que ele criou a partir da relação com os filhos Olivia, de 5, e Daniel, de 4.
“Era uma situação clássica aqui de casa, eles não quererem sair do banho.
SÉRIE As incursões de Prata por outros estilos incluem textos para a TV. Como roteirista da Globo, colaborou em novelas e séries. Como autor principal, lançou Pais de primeira, em 2018, também inspirada em sua própria experiência,
e já prepara a segunda temporada da atração, prevista para 2020.
Porém, as crônicas continuam como sua atividade mais importante, em publicações semanais. Nelas, explica, é possível transitar “pelo humor, como o Verissimo; pelo lirismo, como o Rubem Braga; ou pelo comentário de uma notícia, como o Nelson Rodrigues”.
No entanto, o escritor reconhece: a leveza vem perdendo espaço, sobretudo neste Brasil dominado pela polarização política.
Nesse contexto, Prata cita a crônica Bar ruim é lindo, bicho. Publicada em 2008, falava a persona “meio intelectual, meio de esquerda” e suas preferências de consumo. “Naquela época, teve gente que achou que era uma crítica à esquerda. Outros me xingaram, dizendo que eu era um playboy babaca. Já houve muitas leituras contraditórias. Se o texto fosse publicado hoje, seria pior ainda”, acredita.
Em suas crônicas, Prata não se furta a comentar aspectos polêmicos da política.
Apesar de complexidade do momento, ele acredita que a leveza dada pela crônica aos fatos é também “um ato político”. Nesta entrevista ao Estado de Minas, diz que o fortalecimento da imprensa é fundamental para esse gênero perseverar.
Você diz que a crônica é um respiro em meio ao noticiário, no sentido de que não necessariamente precisa falar sobre o assunto do momento, mas do cotidiano. Disse isso também em épocas em que talvez se precisasse até de menos de respiro do que hoje. A crônica segue como um respiro? Ou deve abarcar assuntos mais pesados?
As duas hipóteses são verdadeiras. A crônica pode e deve dialogar com o cenário político, econômico e social brasileiro. O cronista pode e deve meter a colher nesses temas. Mas a tarefa dele é o contrário. O mundo está pegando fogo e ele pode dar lirismo, graça. Trazer graça também é um serviço.
Hoje, há uma patrulha muito forte em termos ideológicos. Mesmo em assuntos mais leves surge espaço para pequenas guerras. Como é para o cronista lidar com o comportamento tão acalorado do leitor?
Também é complexo. Muito amplo. Temos de discernir reclamações legítimas de parcelas da sociedade. Não me parece que ser machista, racista, homofóbico, seja da ordem da “patrulha”. É uma questão de civilização.
Qual é o futuro da crônica? Há a ideia de que não se lê mais, de que o fluxo de informações nas redes sociais alterou totalmente o consumo de literatura, embora autores sigam publicando. Nessa complexidade que atravessamos, qual será o caminho da crônica?
A crônica é um gênero ligado à imprensa. Nasceu na imprensa, fica na imprensa. É muito raro alguém publicar um livro de crônicas que não saiu antes em nenhum lugar. Nas últimas três décadas, vemos a decadência da imprensa. Revistas sumindo, editoras fechando. O risco maior não está na crônica, mas no seu suporte. Porém, aos poucos, acho que a imprensa se reencontra. A gente não pode viver sem imprensa. Fora do Brasil, ela está se encontrando, vejo o interesse das pessoas. Faço isso há 20 anos e minha presença no Fliaraxá é para discutir isso.
.