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Campanella volta à ficção com grande filme sobre estrela decadente

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Mara Ordaz (Graciela Borges) foi uma diva da época de ouro das telas argentinas em A grande dama do cinema, que estreia nesta quinta-feira (23), em Belo Horizonte. Com seus 70 anos já bastante ultrapassados, ela sente falta dos sets de filmagem e da admiração dos fãs a “cada minuto, de cara hora de cada dia”. Por isso passa seu tempo revendo os próprios filmes, numa mansão que é também uma espécie de museu dos seus anos de glória, em que uma estatueta do Oscar de melhor atriz é o maior destaque.

Longe do burburinho de Buenos Aires e da memória do público, Mara vive em atrito constante com seus únicos companheiros e demais moradores da casa – o marido Pedro (Luis Brandoni), que vive preso a uma cadeira de rodas e à frustração de não ter tido êxito como ator; o roteirista Martín (Marcos Mundstock), hoje hábil na sinuca, no xadrez e na preparação de chá de amêndoas; e o cineasta Norberto (Oscar Martínez), que se transformou num caçador de doninhas.

Responsáveis pelos títulos que projetaram Mara ao sucesso, os dois últimos passaram a viver com a estrela porque eram casados com uma irmã e a melhor amiga dela. A ausência das duas mulheres na casa não será somente um detalhe nessa trama com que Juan José Campanella (O filho da noiva) volta aos longas de ficção depois de O segredo dos seus olhos (2009) – em 2013, o diretor lançou uma animação, Um time show de bola, e desde então ficou mais voltado ao teatro e à TV.

DRAMA Campanella retorna em grande forma. Os diálogos ágeis, bem-humorados e cortantes, sua marca registrada, ganham do quarteto de protagonistas um tratamento de luxo. Os atores parecem saborear os diálogos, que são puro sarcasmo e provocação. Exemplo: com a estatueta dourada nas mãos, Mara diz: “É verdade que só duas atrizes no mundo conseguiram isso com um filme estrangeiro. Mas é uma estátua, fria e dura.

Sophia Loren, digo”.

A vertente de comédia do longa é perpassada por um tom de suspense, outra área que Campanella domina sem hesitações, e por trechos de drama, como na cena em que o cineasta Norberto usa de sinceridade e afeto para explicar ao velho amigo Pedro porque ele nunca conseguiu ser um bom ator.

O conflito surge na história quando um jovem casal de corretores imobiliários _Francisco (Nicolás Francella) e Bárbara (Clara Lago) – aparece na propriedade dizendo terem errado o caminho para Buenos Aires e pedindo ajuda. Ao reconhecerem a estrela, passam a bajulá-la. Daí para colocarem em prática o plano de convencer Mara a vender a casa por uma bagatela é um pulo. Francisco, sobretudo, exercitará para isso a arte da sedução.

A grande dama do cinema é um remake do longa de 1976 Los muchachos de antes no usaban arsénico, de José Martínez Suárez. Nessa atualização, Campanella promove o encontro de dois mundos separados – um arcaico; outro moderno; um que se fia na experiência; outro no ímpeto – mas não necessariamente desiguais.

Quando Bárbara diz a Mara que o comportamento dos homens da casa a deixa aflita, Mara responde: “São perturbados, bizarros, perversos. No nosso ambiente isso é normal”. Bárbara, por sua vez, é adepta de “uma só regra: ganham os fortes”.
Descrito com uma fotografia (de Félix Monti) que explora com elegância os jogos de luz e sombra e com planos e contraplanos editados à maneira clássica pelo próprio Campanella, o enfrentamento entre o “velho” e o “novo” tem cenas de alta voltagem, como aquela em que Bárbara e Martín medem suas forças numa partida de sinuca.

A naturalidade com que é usada a metalinguagem cinematográfica – os quatro artistas se referem constantemente ao cinema – é outro ponto forte de A grande dama do cinema, um filme que traz de volta o grande cinema do cavalheiro Campanella..