Estão em cartaz no Museu Mineiro as exposições InventaRios e Estadia. A primeira integra o projeto Fazer Viver, realizado pelo Collectif EthnoGraphic, de Émilie Renault, Ghislain Botto e Letícia Panisset, no município mineiro do Serro, localizado na região Central da Serra do Espinhaço.
“Trata-se da construção dos sentidos da existência de um rio”, explica Letícia. Estadia é uma derivação da ideia de residência. “O propósito é estabelecer intervenções entre o nosso trabalho e o acervo exibido nas exposições de longa duração”, diz Rodrigo Borges Coelho, um dos integrantes do Grupo Grassar: Ações Continuadas em Arte, responsável pela realização de Estadia.
O grupo, explica Borges, é formado por artistas, professores e pesquisadores da escola de Belas Artes da UFMG, onde ele leciona. “Além de mim, participam Andrea Lanna, Dayse Turrer, Elisa Campos, Fernanda Goulart, Liliza Mendes, Patrícia Franca-Huchet e Roberto Bethônico, todos reunidos com o objetivo de promover práticas artísticas a partir das experiências compartilhadas em pesquisas, exposições, colóquios, publicações e edições”, diz.
Rodrigo Borges conta que o Grassar vem investindo na noção de estadia desde o aparecimento do grupo, em 2015. “Grassar deriva do latim grassare, que significa desenvolver-se, alastrar-se, propagar-se progressivamente. Um dos usos do verbo no Brasil é andar, trilhar”, observa.
O artista e professor afirma que, “ao operar com a noção de estadia e suas interferências no que é passageiro, no que está em movimento, damos ênfase ao desejo de trabalhar a partir de uma premissa de alargamento espaço-temporal, real e simbólica, ou seja, tocar camadas da memória, da história e da arquitetura”.
“Agora, no Museu Mineiro, buscamos construir um novo exercício de presença e contato, reforçando nossos encontros com acervos museológicos. Por familiaridade ou oposição, o estabelecimento de contatos será sempre a marca da diferença no instante do toque, no encontro de corpos, físicos e simbólicos”, ressalta Rodrigo.
INVENTARIOS Letícia Panisset conta que o projeto InventaRios teve início em 2017, com “o propósito de significar o rio a partir dos relatos e das nossas vivências”. Segundo Letícia, “InventaRios trata de inventariar a bacia do Capivari e reescrever o mapa com os moradores. A mostra reúne instalação, desenho, cerâmica e barro, paisagem sonora e uma publicação com relatos dos moradores, desenho dos cursos d’água e fotografias”. Há ainda uma mesa de edição, “na qual as pessoas podem montar o seu próprio livro; é um trabalho interativo”, diz Letícia.
Quando os integrantes do Collectif EthnoGraphic começaram a visitar o Serro, perceberam, nos relatos dos moradores, a preocupação com a disponibilidade da água. “Em nossa última viagem, pedimos que nomeassem os córregos anônimos no mapa da região.
Ela diz que os relatos das pessoas sobre sua vivência com a água expressam uma linguagem íntima do lugar e da água. “É desse tipo de sentido do local e da natureza do rio que nossas imagens na exposição InventaRios querem falar.” Para a autora do projeto, “ao inventariar os cursos d’água anônimos no mapa oficial e construir esse outro olhar sobre a água, InventaRios cria uma paisagem sensível, que pode alimentar a utopia de outras maneiras de viver hoje. E desse lugar, contesta a destruição selvagem e prevalente de recursos naturais e vidas hoje”.
Para esse trabalho, o trio que compõe o EthnoGraphic foi acrescido do fotógrafo e pesquisador Paulo Bapista, “que também é professor de fotografia e cinema da Escola de Belas Artes da UFMG e um profundo conhecedor da região”, diz Letícia, e de Pedro Panisset, que fez uma instalação sonora. Os demais integrantes do coletivo são franceses – a designer gráfica Émile Renault e o fotógrafo Ghislain Botto.
ETNOGRAFIA IventaRios mescla as abordagens etnográfica e artística. “Tenho formação em etnografia e em cerâmica, que aprendi quando morei na Suíça. Sou apaixonada pelo pessoal do Serro, onde tenho uma casa.
“O pessoal da região falou muito da relação com a água do Rio Capivari, que nasce no Pico do Itambé e deságua no Jequitinhonha. Desde setembro do ano passado, acompanho os 56 afluentes do Capivari, como nascentes e córregos. Por isso a exposição tem o título InventaRios, que é uma conversa das pessoas sobre a água e sua relação com ela, com a natureza e com o rio.”
Letícia diz que captou mais de 60 maneiras de falar sobre a água e adjetivá-la. “O nome InventaRios tem a ver com o fato também de que, no mapa oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somente cinco afluentes do Capivari têm nomes. Assim, inventariamos todos esses afluentes. Isto nos mostra que é sintomático o distanciamento deles com a água”.
O fotógrafo Paulo Baptista comenta que o trabalho de Letícia é mais amplo do que o dele. “A verdade é que ela me chamou para fazer uma expedição pelo Rio Capivari, o que achei muito interessante. Fomos lá e fotografei rios e nascentes, além de paisagens.
“As fotos estão no tamanho postal e trazem textos. O legal é que as pessoas podem retirar as folhas e montar o seu próprio bloco ou álbum. Além das fotografias minhas e do Ghislain impressas”, conta o fotógrafo. Na universidade, Paulo desenvolve há algum temo um trabalho de pesquisa sobre os cursos d’água de Minas Gerais.
INVENTARIOS E ESTADIA
Exposições em cartaz no Museu Mineiro, na Avenida João Pinheiro, 342, Centro (31) 3269-1103. Visitação de terça a domingo, de 10h às 19h, sábados e domingos, de 12h às 19h. InventaRios permanece em cartaz até 30 de junho e Estadia, até 14 de julho. Entrada franca.
“Buscamos construir um novo exercício de presença e contato, reforçando nossos encontros com acervos museológicos. Por familiaridade ou oposição, o estabelecimento de contatos será sempre a marca da diferença no instante do toque, no encontro de corpos, físicos e simbólicos”
Rodrigo Borges, do coletivo Grassar, responsável pela intervenção Estadia
O pessoal da região (do Serro) falou muito da relação com a água do Rio Capivari, que nasce no Pico do Itambé e deságua no Jequitinhonha. Desde setembro do ano passado, acompanho os 56 afluentes do Capivari, como nascentes e córregos.
Letícia Panisset,do Collectif EthnoGraphic, responsável pela exposição IventaRios.