Vale a pena insistir no tema e ressaltar que nunca tivemos uma fase tão difícil com tantos crimes contra a mulher. O tal feminicídio ganhou as delegacias, manchetes nos jornais e TVs do Brasil, e já não era sem tempo de fazer alguma coisa mais contundente para que este tipo de covardia seja contido, custe o que custar.
Aliás, se está na mira da mídia, não é à toa. O número de denúncias de violência contra as mulheres aumentou quase 30% no ano passado. E a primeira semana de 2019 mostra um quadro assustador. Em seis anos, 6.393 mulheres morreram, apesar de já terem procurado atendimento na rede pública por agressão em outras ocasiões – uma média de três mortes por dia.
O que explica tamanho ódio? Como entender a atitude de um homem que põe fogo na casa da ex-esposa com seus três filhos dentro? Por que um homem quer matar uma mulher quando o relacionamento termina? Por que o amor se transforma em ódio num piscar de olhos?
Tantas perguntas nos levam a buscar uma lógica comum que nos traga um pouco de sentido para um real tão assustador para o qual não temos palavras ou explicação.
Resta-nos apenas tentar entender a onda de odiosidade que vem tomando conta da cena cotidiana brasileira em escala assustadora, e a intolerância toma conta das relações entre as pessoas. O laço que une as pessoas vem se tornando cada vez mais frágil, e a estrutura que sustenta o sujeito em seu eixo gravitacional parece fraca demais para sofrer qualquer abalo. Quando o laço sentido indevidamente como um direito de posse se desfaz, causa tamanha desolação que, em vez da tristeza, é um ódio cego que vem em seu lugar.
Ninguém gosta de perder. A falta incomoda e o luto pode parecer insuportável, sendo então substituídos pela raiva, pela agressividade.
Somos imperfeitos, incompletos, carentes e desamparados. E qualquer coisa que venha nos lançar no rosto estas condições que revelam a solidão, a pequenez humana, pode causar efeitos devastadores e desesperados.
Pode transformar o amor em ódio, produzindo uma passagem ao ato violenta. Para um machista acostumado a mandar e ser obedecido, enfrentar uma situação de abandono é humilhante. Mais do que isso, é inaceitável e o ódio de morte se apodera do sujeito sem que ele possa defender-se de si mesmo.
O narcisismo não pode suportar tamanha ferida. Já não se pode pensar. O ego do narcisista é como um balão inflado demais. Explode fácil a qualquer toque. Ele não se desculpa, apenas se ofende e tomado pela raiva fala e faz coisas das quais talvez mais tarde se arrependa ou, quem sabe, nunca.
Pode, tomado por tamanha certeza de estar sempre certo e ser o dono da razão, pagar pelo que fez acreditando que fez certo. E faria de novo! Não pode consentir com desacato, desrespeito, desobediência àquilo que tem como certeza inabalável. É macho!
Certeza que ninguém pode ter. Nenhum de nós tem de ser dono, proprietário da vida e da morte do nosso próximo.
Absurdo inaceitável na realidade de uma pessoa que é tomada pela insanidade e pelo ódio mortal e destruidor por ser deixada. Ódio da mulher, de sua casa, de sua cria. Quem ama, odeia e mata. Quem deixa de amar é indiferente. A indiferença é o verdadeiro oposto do amor. O ódio é apenas seu avesso, a outra cara da mesma paixão.
E toda paixão, como a violência, também pode ser, faz parte da natureza humana, de um gozo indomável e mortífero. E a incapacidade de se entristecer, fazer o luto e superar é substituída por sua dimensão trágica que não suporta a falta, o desacato da vontade orgulhosa, a castração do poder fálico..