Na Áustria do século 18, Frederico Knieps se apaixona pela equilibrista Beatriz. O amor faz com que ele contrarie o desejo de seu pai, médico da rainha, que gostaria de ver o filho seguir a mesma profissão. Para estar perto da amada, Frederico se junta a uma saga circense que se estenderá por gerações. A história, escrita em forma de poema pelo modernista Jorge de Lima, em 1938, ganhou uma antológica adaptação para os palcos em 1983, pelo Balé Guaíra, com música de Chico Buarque e Edu Lobo. As composições da dupla embalam também a recente versão cinematográfica da obra de Jorge de Lima dirigida por Cacá Diegues. O Grande Circo Místico foi o filme que, no ano passado, o Brasil selecionou para ser seu representante no Oscar.
Pois entre as diversas abordagens que o poema suscitou, a versão para os palcos encenada pelos mineiros do grupo Voz & Companhia foi capaz de impressionar Chico e Edu Lobo. É com o formato original do espetáculo cênico-musical Circo Místico que o grupo retorna aos palcos de Belo Horizonte neste sábado (16), depois de 10 anos sem apresentá-lo. A retomada do clássico é uma forma de comemorar os 30 anos de fundação do Voz & Companhia.
O maestro Ernani Maletta, diretor do espetáculo e um dos fundadores do Voz & Companhia, diz que a montagem de Circo Místico começou “com um sonho, uma admiração pela obra-prima de Edu Lobo e Chico Buarque”.
O espetáculo estreou em 2001. Em 2006, durante a passagem de sua turnê pela capital mineira, Chico Buarque assistiu à montagem do Voz & Companhia. “Apresentamos (o espetáculo) no Palácio das Artes para um comitê de pessoas convidadas por ele. Foi o evento da nossa vida, porque ele cantou junto com a gente e foi só elogios”, relembra Maletta.
PAUSA
Por outro lado, o ano marcou também uma interrupção nos trabalhos da companhia, com a ida do maestro para a Itália, com objetivos acadêmicos. Nesse período, apenas versões alternativas de Circo Místico foram apresentadas. Agora eles estão de volta com potência máxima: são mais de 30 cantores-atores no palco, incluindo todos os profissionais que gravaram o disco e a interpretação de 14 canções em uma hora de espetáculo. “É uma felicidade enorme voltar com o mesmo grupo de 10 anos atrás, mas com outra maturidade e percepção”, afirma Ernani Maletta.
O diretor reforça que, mesmo com o passar dos anos, a peça não perde seu poder de cativar, graças aos aspectos somados às vozes dos artistas em cena. “A obra de Lobo e Chico tem uma beleza extraordinária. A gente se coloca em cena como intermediário disso.
Segundo ele, o conteúdo lírico por trás da música também é outro fator de encantamento proporcionado pelo Circo Místico. “A poesia original toca em uma questão que é de todo artista. Acho que a maior parte de nós vive um pouco esse drama, obrigados a seguir um modelo de alguma forma valorizado, em vez de ter a própria identidade respeitada”, diz ele, referindo-se ao drama interior do personagem principal, dividido entre as aspirações do pai para sua carreira e o desejo de fazer o que ama.
“Esse tema nos toca profundamente. Isso é parte da nossa vida. Quantos de nós já abandonamos o ideal profissional do pai ou do avô para seguir o nosso desejo? E quantos não tiveram essa oportunidade? Imagina quantas pessoas já foram tocadas pelo ‘Circo Místico’ e não puderam se juntar a ele”, questiona, citando ainda o verso “Ir deixando a pele em cada palco e não olhar pra trás”, presente na faixa Opereta do casamento, como um símbolo do ofício.
Apesar da devoção à arte e da dedicação ao grupo Voz & Companhia, Ernani Maletta lamenta a falta de apoio e incentivo para os projetos. Segundo ele, o grupo que surgiu como “um coral de boteco” e ganhou relevância nacional, sobretudo pelo Circo Místico, ao qual ele se refere como “o nosso 21, do Corpo, ou o nosso Romeu & Julieta, do Galpão”, tem dificuldades para conseguir patrocinadores. “Tivemos algum apoio no começo, mas hoje precisamos nós mesmos arcar com alguns custos.
Circo Místico
Temporada comemorativa de 30 anos do Grupo Voz & Cia. Sábado (16/3 e 23/3), às 20h, e domingo (17/3 e 24/3), às 19h, na Fundação de Educação Artística (Rua Gonçalves Dias, 320 – Funcionários). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), à venda na bilheteria e no site Sympla. Mais informações: (31) 3226.6866.
A obra de Lobo e Chico tem uma beleza extraordinária. A gente se coloca em cena como intermediário disso. Não queremos ser mais belos do que a obra, mas compartilhar essa beleza com o público”
“A poesia original toca em uma questão que é de todo artista. Acho que a maior parte de nós vive um pouco esse drama, obrigados a seguir um modelo de alguma forma valorizado, em vez de ter a própria identidade respeitada”
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