Em junho do ano passado, o coletivo Teatro Andante estreou o espetáculo Lama, em que retrata o rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, e as consequências para a população local do desastre, ocorrido em novembro de 2015. A montagem, que volta ao cartaz a partir de amanhã (14) como parte da 45ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, ganhou novas dimensões com a tragédia de Brumadinho, no último dia 25.
O foco do espetáculo continua sendo o desastre de Mariana, mas o texto foi atualizado após o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, episódio que colocou em evidência as falhas na prevenção de acidentes como esse e a lentidão na apuração e punição dos culpados. Lama incorpora à sua narrativa fotografias, vídeos e leitura de textos jornalísticos para abordar aspectos como negligência envolvendo a aplicação das leis ambientais e o insuficiente ressarcimento dos atingidos.
“Dizíamos sempre, durante a montagem, que o ocorrido em Mariana era a maior tragédia ambiental ocasionada pela mineração no Brasil. Já não é mais”, afirma Marcelo Bones, cocriador do Teatro Andante e diretor de Lama. “Para nós, que tivemos uma proximidade com os atingidos pela primeira tragédia, esse novo desastre toma uma dimensão ainda maior.”
Após a temporada de estreia, o coletivo levou a peça para as cidades de Mariana e Barra Longa, em dezembro de 2018. “Queríamos que eles vissem o resultado artístico feito a partir do drama que viveram. O que mais escutamos por lá é que esse é um espetáculo necessário. Se não falarmos a respeito, a mineração irresponsável continuará a produzir tragédias”, diz Bones.
ESQUECIMENTO A narrativa é dividida em três atos.
Lama nasceu do desejo do Andante de não deixar que aquele crime ambiental, de proporções tão grandes, caísse no esquecimento. “Fizemos o espetáculo justamente com a intenção de contribuir para que a história não se repetisse”, conta a atriz Ângela Mourão, também fundadora do grupo.
“São duas situações que dizem respeito a todos, principalmente aos cidadãos de Minas Gerais. Estamos muito próximos do local das tragédias. É possível que muitos à nossa volta tenham vínculos com moradores das cidades atingidas ou daquelas que ainda correm grande risco”, observa.
Em Lama, ela divide o palco com os atores Bruna Sobreira e Thiago Amador. A dramaturgia é assinada pelos próprios atores e por Guiomar de Grammont.
PESQUISAS O primeiro passo para a concepção do espetáculo foi a ida dos artistas às localidades afetadas, Mariana e Barra Longa.
Por lá, os atores estreitaram a relação com os atingidos, ouviram relatos íntimos e tiveram uma noção mais concreta da dimensão da catástrofe humana e social. Depararam-se com um passado destruído, não apenas nas esferas individuais, mas também o de uma cidade histórica, com construções do período colonial. Em meio às pesquisas, o coletivo manteve em mente a preocupação de não explorar as mazelas humanas com a nova montagem.
“Nosso desafio foi transformar todo o material coletado em arte. Não queríamos um espetáculo meramente informativo. Nossa busca é passar a informação por meio de uma mensagem poética, sensível e simbólica”, conta Ângela. “Em geral, acontecimentos acabam virando dados, números e distâncias. Quisemos contribuir para que a tragédia não fosse esquecida, partindo da humanização dessa história, mostrando a dor de pessoas que tiveram vidas e relações interrompidas.”
Para a atriz, Lama é mais um ato político na trajetória do Teatro Andante, na estrada desde 1990.
Após cada sessão, os atores abrem espaço para convidados, que debatem com o público sobre ações de intervenção e agregam às reflexões levantadas pela dramaturgia. Na reestreia, o espetáculo recebe políticos e artistas. Para os próximos dias estão previstas performances, videoinstalação, a participação de órgãos de apoio às vítimas de Mariana e um de coletivo de psicólogos – que notaram o impacto da tragédia mais recente junto a seus pacientes.
LAMA
Espetáculo do Grupo Teatro Andante. De 14 a 24 de fevereiro. De quinta a domingo, às 20h. Funarte – Rua Januária, 68, Centro. (31) 3213-3084. Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada, nos postos Sinparc ou pelo site www.vaaoteatromg.com.br).
ESPELHO TEM SESSÃO ÚNICA
“Primeira-dama do teatro mineiro”, Wilma Henriques volta ao palco em sessão única da comédia Espelho, em cartaz nesta quarta (13), no Cine Theatro Brasil.