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Escrita em 1959, peça de Nelson Rodrigues sobre ambição é atualíssima

Boca de Ouro, tragédia em que os personagens são movidos pela ambição por poder e a falta de escrúpulos ganha sucessivas montagens em BH. Cia da Farsa faz neste domingo (10) sua última sessão na Campanha


postado em 10/02/2019 05:04

Cia da Farsa faz hoje sua última sessão de Boca de Ouro na Campanha de Popularização do Teatro e Dança(foto: Igor Ayres/divulgação)
Cia da Farsa faz hoje sua última sessão de Boca de Ouro na Campanha de Popularização do Teatro e Dança (foto: Igor Ayres/divulgação)

Boca de Ouro figura na obra de Nelson Rodrigues (1912-1980) como uma trágedia singular. À diferença da maior parte dos textos do dramaturgo, em que a pulsão sexual move as personagens e enseja dramas e crimes passionais na esfera familiar, nessa peça escrita em 1959 o desejo de poder é o tema central. Atemporal e ao mesmo tempo sempre atual, a história do bicheiro cruel e ganancioso é encenada com frequência na capital mineira.

Somente no ano passado três montagens de Boca de Ouro estiveram em cartaz em BH. Com Malvino Salvador no papel-título, a versão em formato de musical criada pelo diretor Gabriel Villela desembarcou por aqui em março. Antes, duas companhias mineiras já haviam apresentado ao público suas leituras de Boca de Ouro. A do Oficcina Multimédia estreou em 2017, em comemoração aos 40 anos do grupo. No mesmo ano, a Cia da Farsa passou a encenar o texto. Hoje, a trupe faz sua última apresentação do texto na 45ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, no Teatro João Ceschiatti, no Palácio das Artes.

Foi por iniciativa do ator e produtor Alexandre Toledo que a companhia decidiu montar esse texto rodriguiano. “É um texto sempre atual, que envolve ambição e paixão, com a história de um bandido cruel e poderoso. É um personagem crítico à imprensa, o que, na atualidade, nos remete a tantas personalidades da política e do futebol”, comenta Alexandre.

A narrativa tem início com a morte do personagem-título, um bicheiro inescrupuloso, que, a fim de exibir seu poderio, implantou próteses de ouro no lugar de seus dentes. Sua história é contada sob a ótica instável de uma de suas amantes, em entrevista a um jornalista. Ora a personagem o descreve como um assassino sádico, torturador e chantagista, ora fala do protagonista como um sujeito sensível e carente do contato materno, já que fora abandonado pela mãe, logo após o nascimento, em uma gafieira.

TRAGÉDIA “Nelson Rodrigues subverte a tragédia grega, em que o homem retratado é sempre nobre, guerreiro ou príncipe, adotando como pessoa notória um bicheiro. Ele leva a tragédia para o subúrbio, com uma fala muito brasileira. O texto tem a voz do carioca de classe média baixa”, comenta Alexandre Toledo.

Ao texto original a Cia da Farsa acrescenta crônicas escritas pelo autor ao longo de sua carreira jornalística. “A peça, em si, já é política, mas sentimos necessidade de agregar a esse discurso, sem esfregar nada na cara do espectador ou tornar a montagem panfletária. Assim surgiu a ideia de buscar referências no próprio legado do autor”, conta Alexandre.

A montagem conta com quatro inserções: duas crônicas de futebol, em que o esporte serve de metáfora para a realidade brasileira, e duas outras publicadas sob o pseudônimo Myrna, com o qual Nelson dava conselhos amorosos. Para fechar o espetáculo, foi escolhido o célebre texto em que o dramaturgo afirma: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.” “Nada mais atual”, comenta Alexandre.

O ator pensou em incluir no espetáculo a canção De frente pro crime, de João Bosco, mas soube que a música já era utilizada na versão de Gabriel Villela. O impedimento o levou a encomendar ao músico Leo Mendonza uma trilha sonora original para sua montagem. Para Alexandre, o fato de um mesmo texto já ter tido múltiplas encenações não é empecilho para novas adaptações.

A Cia da Farsa opta por uma produção minimalista. O cenário conta com apenas dois móveis. “É uma marca do nosso grupo propor peças que explorem as possibilidades do binômio ator e texto”, afirma. “Procuramos sempre uma abordagem farsesca, mas acho que a montagem do Oficcina Multimedia flerta ainda mais com a farsa que a nossa. A comédia e o lúdico estão mais presentes na peça deles, enquanto a nossa carrega o lado trágico da história.”

GANÂNCIA A reincidência de Boca de Ouro na agenda cultural se deve à atualidade do texto, segundo Ione de Medeiros, diretora do Oficcina Multimédia. “É a história de um gângster, em que os personagens fazem tudo por dinheiro e poder. Nelson escreveu sobre um pessoal barra pesada, que, hoje, está em toda parte. As páginas de jornais mostram que o século 21 é a vitória do capital e a derrocada da ética”, diz ela.

O texto do dramaturgo carioca foi o escolhido pelo grupo para completar a Trilogia da Crueldade, composta ainda pelo autoral Aldebaran (2013) e Macquinária 21 (2016). O segundo título é uma adaptação do clássico Macbeth, de William Shakespeare.

“Boca de Ouro fala do homem em sua essência, é universal. Essa luta por poder e dinheiro é ambientada na periferia do Rio de Janeiro, mas está presente em todo o mundo. É uma disputa muito antiga: Shakeaspeare já a identificava em suas peças. Apesar da distância de realidades e tempos, Macbeth tem um procedimento parecido. Também está lá o desejo de ascensão, que leva o protagonista a matar todos e, também, a encontrar a própria morte. Como qualquer clássico, esses não ficam datados”, diz Ione.

Outro diferencial notado pela encenadora na abordagem da ganância humana é que não há distinção entre homens e mulheres. Ao contrário, as personagens femininas costumam ser as heroínas nas peças rodriguianas. “Na época (em que a peça foi escrita), poderia se imaginar o desejo de poder como uma prerrogativa masculina. Mas Nelson não falava de uma mulher casamenteira, candidata a esposa convencional. Ao contrário, as personagens femininas mudam de lado, partem para a prostituição e trocam de marido para ganhar algo.”

INCOMODAR A diretora observa que Boca de Ouro não foi o texto de maior destaque do autor. Vestido de noiva, pertencente à fase de suas peças psicológicas, foi seu maior sucesso. Mesmo entre as tragédias cariocas, outros títulos se tornaram mais célebres, como O beijo no asfalto e Toda nudez será castigada. “Mas ele não se preocupava com isso. Queria fazer teatro para incomodar”, acredita Ione.

“Entre as tragédias cariocas, Boca de Ouro se destaca por mostrar uma disputa por poder em que ninguém se sai bem e aqueles que vêm de classe social baixa não têm qualquer chance de ascensão. É uma realidade brasileira, em que qualquer política que tente intervir é facilmente derrubada, acentuando um abismo cada vez maior”, afirma a diretora.

Em sua versão do texto, a Oficcina Multimédia acrescentou números de dança e outras características próprias do grupo. Os atores se desdobram em variados papéis, inclusive femininos, sem necessidade de caracterização. A fala carioca, definida por Ione como direta e, de certa forma, agressiva, é enfatizada nas interpretações. “O autor usava textos curtos, sem retórica complicada. Não há metáforas: os personagens são transparentes e, quando querem dizer algo, dizem”, observa a diretora.

O Boca de Ouro da Oficcina Multimedia deve voltar aos palcos de BH em maio. Na sequência, parte para temporada em São Paulo.




BOCA DE OURO

De: Nelson Rodrigues. Com a Cia da Farsa. Neste domingo (10), às 19h. Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. (31) 3236-7400. Ingressos a R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia-entrada) e R$ 18 (nos postos Sinparc ou pelo site www.vaaoteatromg.com.br).


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