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Telhado de vidro

Após tragédia de Brumadinho, artistas que expunham no Memorial Minas Vale anunciam a retirada de suas obras do local, em carta aberta na qual chamam a Vale de "empresa criminosa". Entidade diz "respeitar a opinião"


postado em 31/01/2019 05:03

Obra da exposição Entre, de Carolina Cordeiro, uma das artistas que se retiraram da coletiva de vencedores do edital promovido pelo Memorial Minas Vale (foto: guto muniz/divulgação)
Obra da exposição Entre, de Carolina Cordeiro, uma das artistas que se retiraram da coletiva de vencedores do edital promovido pelo Memorial Minas Vale (foto: guto muniz/divulgação)

Criado e mantido pela Vale desde 2010, o Memorial Minas Gerais Vale, integrante do Circuito Cultural Praça da Liberdade, começa a sofrer as consequências do rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, cujas vítimas até o começo da tarde de ontem eram estimadas em 84 mortos e 276 desaparecidos. Artistas participantes da mostra retrospectiva dos cinco anos do Edital Jovens Artistas Mineiros anunciaram a retirada de suas obras do espaço e a desistência de participação em iniciativas financiadas pela mineradora, numa carta aberta em que se referem à Vale como “uma empresa criminosa”.

“Em repúdio à empresa patrocinadora responsável pelo crime ambiental em Brumadinho e em solidariedade a todas as vítimas dessa atrocidade, comunicamos a retirada coletiva das obras em exposição no Memorial Minas Gerais Vale e da posterior itinerância da mostra em outros espaços culturais mantidos pela Vale no Brasil’’, diz o texto, assinado por 17 dos 18 artistas que tinham obras expostas na coletiva. São eles: Adriel Martins Visoto, Camila Otto, Carolina Cordeiro, Cleverson Salvaro, Daniella Domingues, Efe Godoy, Estandelau, Gilson Rodrigues, Luísa Horta, Luiza Nobel, Luiz Lemos, Marina RB, Renata Laguardia, Ricardo Burgarelli, Victor Galvão, Walter Gam e Xikão Xikão.

A mostra foi aberta em 18 de dezembro passado e ficaria em cartaz até 17 de março, nas salas de exposição temporária, no terceiro piso do museu. Desde o rompimento da barragem em Brumadinho, o Memorial Vale anunciou que ficaria fechado até o próximo dia 4.

PRÊMIO O Edital Jovens Artistas Mineiros contempla, anualmente, trabalhos voltados para as artes visuais, como pintura, desenho, vídeo, instalações e fotografias, de profissionais locais no início de carreira. Além de ter seus trabalhos exibidos no espaço, os selecionados recebiam prêmio no valor de R$ 7 mil. Depois da exposição no prédio da Praça da Liberdade, a exposição seguiria para o Museu Vale, em Vila Velha, no Espírito Santo, como parte do Programa de Itinerância da Fundação Vale.

A retirada das obras é um protesto contra a mineradora. “Ao longo dos últimos três anos, vimos que as ações de reparação e sanções do estado falharam com relação a Bento Rodrigues. Com Brumadinho, acreditamos que não será diferente. Desse modo, optamos por desvincular completamente nossos trabalhos e nossas pesquisas de um espaço mantido por uma empresa que falha em firmar seus compromissos elementares com a sociedade, como a garantia a segurança de suas operações para o meio ambiente, de seus próprios trabalhadores e da população que convive em proximidade com suas operações”, diz a carta aberta.

Uma das artistas signatárias da carta, Luísa Horta, contemplada no edital de 2013 pela instalação Guerra dos perdidos, afirma que o grupo não tem a intenção de remontar a exposição em outro lugar ou promover alguma ação artística relacionada à tragédia de Brumadinho.  “É muito importante dizer que esse horror é irrepresentável. Não existe imagem que dê conta do que aconteceu. Neste momento, respeitamos o luto. A gente enxerga a recusa, o não, como uma forma criativa. Planejamos apenas retirar esse trabalho de lá, sem usar o desastre para promoção pessoal ou do próprio grupo. É uma medida de protesto contra a empresa”, afirma.

A artista plástica Carolina Cordeiro, que estava com sua exposição Entre na retrospectiva, diz que a retirada das obras “é um ato simbólico”. “A carta explica que isso não serve para reparar absolutamente nada, mas que os artistas estão atentos e organizados para tentar, mesmo que seus trabalhos não tenham relação direta com uma crítica mais efusiva, mudar, de alguma forma, um sistema muito cruel que atrela a cultura a uma empresa criminosa como essa”, afirma.

FINANCIAMENTO Carolina diz que o sistema de financiamento a iniciativas culturais baseado em subvenção fiscal, recurso usado pela Vale, por vezes coloca o artista em uma posição incômoda. “A gente sabe que esse sistema de parceria público-privada que existe como financiamento da cultura coloca os artistas em situação delicada a priori. Somos pessoas críticas, estamos acompanhando o que acontece dentro dessas empresas há muitos anos. Morando em Minas, a gente vê a atividade das mineradoras, mas, ao mesmo tempo, é um sistema que faz com que a gente acabe entrando nesses editais para ter maneiras de viabilizar nosso trabalho”, diz ela.

A carta aberta aborda esse aspecto. “Esse tipo de fomento institucional de artes visuais é dominante em nosso país, que, por meio de parcerias público-privadas, permite que empresas ocupem espaços que deveriam ser de uso amplo e democrático para mecanismos de publicidade exagerados, utilizando parâmetros abusivos de divulgação de práticas culturais”, escrevem os artistas.

Por outro lado, o documento coletivo enaltece a boa relação com a equipe de profissionais do Memorial Minas Vale. “Gostaríamos de agradecer a toda a equipe de arte, educação e segurança envolvida na realização desta exposição, trabalhadores de tamanha competência, disposição e generosidade, que cuidadosamente dividiram conosco a montagem, produção e divulgação das obras.”

De acordo com Luísa Horta, a mostra retrospectiva era realizada pelo Memorial, mas sem o pagamento de um cachê aos artistas expositores. Ela diz ainda que o grupo havia se manifestado contra isso, mas acabou aceitando os termos, em respeito à boa relação com a equipe do museu e devido às melhorias conquistadas na montagem da mostra.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Memorial Minas Gerais Vale afirmou que “respeita a opinião dos artistas e está providenciando a retirada das obras”. O espaço, localizado no prédio onde funcionava a antiga Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, interrompeu suas atividades no dia seguinte ao rompimento da barragem em Brumadinho e anunciou que permaneceria fechado até  4 de fevereiro. Em nota, a instituição justificou a decisão afirmando que, “em decorrência do ocorrido em Brumadinho, todos os esforços da empresa, neste momento, estão concentrados nas ações de resgate e apoio aos atingidos e familiares”.

Ainda na carta aberta, o grupo de artistas sugere que a Vale deveria “abrigar testemunhos da desertificação de sua paisagem, os vestígios da bárbara ação contra as comunidades e priorizar a preservação da memória daqueles que foram afetados pelo soterramento de princípios básicos humanos” no espaço do Memorial.


“NECROPOLÍTICA”

O poeta, músico, produtor cultural e artista plástico Ricardo Aleixo também decidiu se desvincular de iniciativas ligadas à Vale. Ele se apresentaria no Sarau do Memorial da Vale, no próximo dia 7, dentro da programação do Verão Arte Contemporânea (VAC). Em suas redes sociais, Ricardo Aleixo comunicou sua desistência em respeito ao seu “histórico de artista e cidadão totalmente empenhado com o enfrentamento da necropolítica”. O poeta classificou a Vale como uma “empresa da morte” e disse que até pensou em apresentar um repertório específico de protesto, mas que isso não faria sentido num espaço definido por ele como “território do inimigo”.


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