“O paraíso deve ser uma espécie de livraria.”
Jorge Luis Borges
Horror de lama
É o horror dos horrores. Barragem de rejeitos minerais se rompe em Brumadinho. Enxurrada de lama destruiu casas, plantações e tudo o que encontrou no caminho. Pessoas desapareceram. Muitas morreram. Talvez centenas. O fato virou notícia. A palavra enxurrada sobressaiu. Com ela, a razão da presença do x. A letra aparece depois de en-: enxada, enxaqueca, enxerto, enxerido, enxergar, enxoval, enxofre, enxugar, enxame, enxotar.
Exceção? Só derivados de palavras escritas com ch. Valem quatro exemplos. Um: enchente. A trissílaba vem de cheio, que deu encher, que originou enchente. Dois: encharcar, filhote de charque. Três: enchiqueirar, de chiqueiro. O último: enchocalhar, de chocalho.
Junto ou separado?
Milhares de toneladas de dejetos líquidos correram morro... abaixo ou a baixo? A questão bateu às portas da redação do jornal. Palpites pintaram aqui e ali. Mas ninguém bateu o martelo. O jeito? Foi dar um jeito – consultar o dicionário. O paizão ensina:
A baixo – Movimento da posição superior à inferior ou da inferior à superior: Olhou-a de alto a baixo. A cortina rasgou-se de alto a baixo. O policial a examinou de cima a baixo.
Abaixo – Lugar menos elevado. É o contrário de acima: A casa veio abaixo. A correnteza levava o barro rio abaixo. A temperatura está abaixo de 30 graus. Milhares de toneladas de dejetos líquidos correram morro abaixo.
Israelense e israelita
Israel ofereceu ajuda ao Brasil para socorrer Brumadinho. O Brasil aceitou. Um grupo de cerca de 130 militares médicos, engenheiros, bombeiros e técnicos desembarcou em Minas. Trouxe equipamentos modernos para rastreamento, com capacidade de captação de imagens e detectores de vozes e ecos. São bem-vindos. A propósito, vale a questão. Eles são israelenses ou israelitas? Guarde isto:
Israelense é o natural ou o habitante de Israel: Militares israelenses chegaram ao Brasil.
Israelita se refere à religião judaica ou ao povo de Israel no sentido bíblico: Militares israelenses chegaram ao Brasil. Entre eles, há israelitas, católicos, protestantes. Visitei templos israelitas em Jerusalém.
Vírgula, pra que te quero?
“Ibama multa Vale, e Justiça bloqueia R$ 6 bilhões”, escreveu O Globo. A vírgula antes do e chamou a atenção. Está correta? Está. Usa-se o sinalzinho antes da conjunção e se forem preenchidas três condições:
1) O e deve ligar duas orações com sujeitos diferentes. É o caso. O período tem duas orações:
Uma: Ibama multa Vale (sujeito: Ibama)
A outra: Justiça bloqueia R$ 6 bilhões (sujeito: Justiça)
2) A última palavra da primeira oração tem de ser da mesma classe gramatical da primeira palavra da segunda oração. É o caso também: Vale é substantivo. Justiça também.
3) Sem a vírgula, o leitor apressado pode emendar a última palavra da primeira oração com a primeira da segunda (Ibama multa Vale e Justiça). A vírgula manda fazer a pausa. Aí, adeus, confusão: Ibama multa Vale, e Justiça bloqueia R$ 6 bilhões.
Mais exemplos
Lama destrói pousada, e funcionários desaparecem.
Os Estados Unidos invadiram o Iraque, e a Rússia reagiu.
Trabalho com Maria, e Paulo quer se juntar a nós.
A Venezuela tem dois presidentes, e líderes do mundo reagem.
Leitor pergunta
A capital do Maranhão é São Luís. Quem nasce em São Luís goza de privilégio. Tem dois adjetivos gentílicos. Um: são-luisense. O outro: ludovicense. De onde ludovicense se originou?
. Maria Paula, Floripa
A estranha palavra veio de Ludovico (do germânico Hlodoviko, que tem duas partes: hold (ilustre, afamado) + wig (batalha ou santuário, que originou em francês o antropônimo Louis, Luís em português).