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Artistas que produziram obras sobre Mariana dizem que Brumadinho dói mais

Eles defendem a necessidade de se colocar no lugar das vítimas para mudar o estado de coisas que permite a repetição de episódios como esse e pedem a responsabilização dos culpados


postado em 30/01/2019 05:02

Homens do Corpo de Bombeiros tentam resgatar vítimas na lama que vazou da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na sexta-feira passada(foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A.PRESS)
Homens do Corpo de Bombeiros tentam resgatar vítimas na lama que vazou da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na sexta-feira passada (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A.PRESS)

 “O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse, mais leve a carga / Entre estatais, e multinacionais, quantos ais!/ A dívida interna. A dívida externa. A dívida eterna. Quantas toneladas exportamos. De ferro? Quantas lágrimas disfarçamos. Sem berro?”. Nos versos de Lira itabirana, Carlos Drummond de Andrade parecia antecipar o horror visto em Mariana, há três anos, e agora, em Brumadinho, além de outros crimes ambientais de menor porte registrados em Minas.

O poema foi publicado no jornal Cometa Itabirano, em 1984. No fim de 2015, quando o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, provocou o maior desastre ambiental brasileiro, poluindo inclusive o Rio Doce, diversos artistas reagiram à tragédia, produzindo filmes, fotos, livros e músicas inspirados em referência ao episódio. Quem teve essa sensibilidade criativa há três anos, testemunha agora a repetição da tragédia com uma carga emocional ainda mais densa, segundo testemunhos ouvidos pelo Estado de Minas.

Poucas semanas depois do rompimento da barragem da Samarco, a imagem na TV de um retrato pintado, desses antigos em preto e branco, ainda pendurado em uma parede nas ruínas de Bento Rodrigues fez com que o fotógrafo baiano Christian Cravo se dirigisse ao local. A imagem daquele retrato pintado despertou no fotógrafo que havia mais de 25 anos se dedicava a clicar paisagens do Brasil e do mundo o desejo de fazer outro tipo de trabalho. A ida a Mariana resultou no livro homônimo ao município, que reúne fotografias de objetos que representavam “uma memória iconográfica que o tempo congelou”, como ele mesmo definiu o trabalho.

INDIGNAÇÃO As imagens nas 80 páginas de Mariana provavelmente terão grande semelhança com o que restará da área atingida pelo vazamento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. A distância, Christian vê a repetição dos fatos com tristeza e indignação. “O dever do artista é observar e denunciar. Isso está acima da opinião como pessoa e cidadão. Temos um passaporte, um visto, que permite ir, vir e observar situações calamitosas com essa. Mas, como cidadão, posso dizer que isso já era uma tragédia anunciada.”

O fotógrafo cita outro poema de Drummond, O maior trem do mundo, também de 1984, para reforçar o argumento de que os danos provocados pela mineração já eram motivo de alarme há muito tempo. “Ele já falava sobre esse sangramento da terra com objetivo único de extração financeira”, diz Christian Cravo, que vê no fortalecimento das agências reguladoras o caminho para evitar novos episódios desse tipo.

Para quem é de Minas, a dor parece ser ainda mais forte. Natural de Conselheiro Lafaiete, a atriz e humorista Gorete Milagres percorreu o Rio Doce dois meses após a tragédia de Mariana para documentar os estragos causados pela lama da Samarco. Sob a caracterização de Filó, sua mais conhecida personagem, cujo bom humor foi usado inclusive para alentar quem sofria em longas filas à espera por água potável nos municípios banhados pelo rio, ela gravou o documentário Rio Doce: 60 dias depois, lançado no YouTube, mostrando os prejuízos humanos e ambientais.

A repetição dos fatos em Brumadinho, com consequências humanas bem mais graves, faz com que Gorete deixe de lado qualquer traço cômico para disparar contra os responsáveis e externar sua desolação. “Estou arrasada. Passei o fim de semana mal, sem vontade de sair de casa, chorando muito. É triste pensar que, depois de tudo isso, nada foi feito. Tem gente em Mariana que nem tem a casa própria de volta ainda. Que país é este? O presidente (Jair Bolsonaro) já falou sobre diminuir multas do Ibama porque ‘coitado do empresário’, que país é este? Foram bloqueados bilhões da Vale, mas e o faturamento dela? Ainda é muito maior e nada disso apaga a dor das famílias. Há de ser feita alguma coisa. Olha o tanto de gente que está morrendo, desaparecida... Muito triste. Ficamos muito fragilizados, não valemos nada perto da Vale”, protesta a artista, que se lembra de outras barragens de mineração em situação de risco, próximas a concentrações urbanas.

Para Gorete, o que houve em Mariana e Brumadinho evidencia também riscos maiores a que o meio ambiente está sujeito no Brasil. “Está na hora de proteger Minas. Não é só Minas, porque os rios correm para o mar. É deprimente uma história dessas se repetir, em proporções até maiores, e ficar por isso mesmo. A Vale é uma empresa irresponsável, assassina, já passou dos limites. Cadê nosso ministro da Justiça para fazer justiça? Vendo todos os problemas do Brasil, fico muito desacreditada. Ver pessoas ligadas ao governo ligadas a milícias é uma teia de aranha sem fim, de corrupção, de falta de respeito, estou muito desiludida. Precisamos de uma política seriíssima sobre licenças ambientais, já passou da hora, me sinto muito fragilizada em relação à Amazônia, que é o pulmão do mundo. Precisamos de medidas drásticas, mas, com tanta ganância, é muito difícil. Estamos caminhando para o caos. Não consigo ver esperança”, afirma a atriz.

Também mineiros, de BH, os integrantes da banda Djambê usaram sua música para se expressar sobre o desastre de Mariana. Em Quanto Vale?, a letra dialoga com versos da Lira itabirana para denunciar a destruição causada pela atividade mineradora que despejou milhões de metros cúbicos de lama tóxica no Rio Doce, depois de arrasar vilarejos em Mariana. No clipe, os integrantes aparecem cobertos por lama, encenando a dor de quem perdeu familiares e entes queridos. Com tristeza, os músicos veem o vídeo voltar a ser compartilhado em massa, três anos depois de seu lançamento.

GANÂNCIA “Isso mexeu muito com a gente. Quando aconteceu e lançamos a música, tivemos convites para tocar em cidades por onde o Rio Doce passava, ainda abaladas pelas consequências do crime ambiental. Vimos coisas horríveis. Na época, achamos que tinha sido o auge dessa ganância, que aquilo seria punido de alguma forma, não esperávamos ver isso de novo. Queríamos que nossa música tivesse ficado datada naquele momento. Infelizmente, estamos vendo a volta dela à tona e isso é muito triste. Nem tivemos coragem de repostar nosso clipe, porque dá vergonha ver tudo acontecendo de novo”, declara a vocalista Priscilla Glenda, que também dirigiu o videoclipe. A cantora diz que a gravidade da trágica repetição é tamanha que ela não teria motivações para uma nova canção. “Acho que chegou a hora de sair das redes sociais e tomar alguma atitude. É a necessidade que sinto”, diz.

Um dos pioneiros da videoarte no Brasil, o paulista Tadeu Jungle também havia usado sua linguagem artística para abordar o drama das comunidades marianenses atingidas pela barragem da Samarco. Ele montou o filme Rio de lama, com 12 episódios, em realidade virtual. A proposta era “levar as pessoas” para o cenário, definido por ele como “o maior impacto” de sua vida. Abalado pela nova tragédia, Tadeu Jungle defende que é preciso mais empatia para compreender a tragédia.

“Meu documentário foi uma proposta de ação, de reflexão, de se colocar no lugar daquelas pessoas atingidas. O que conclamo agora é esse exercício de se colocar, por cinco minutos, na pele de qualquer uma dessas famílias que anseiam por notícias de um parente ou pessoa querida que está desaparecida. Se todos fizessem isso, teríamos um potencial de revolta e ação muito grande. Aliás, é um exercício que todos os dirigentes e burocratas da Vale deveriam fazer também”, opina Jungle.

O videoartista também cobra empresários e políticos. “Outra coisa que me assusta é a cabeça das pessoas que deixaram isso passar nos relatórios. Como põem a cabeça no travesseiro? O que houve agora foi um massacre. São muitos trabalhadores da própria empresa entre as vítimas. É a segunda vez que isso acontece em pouco tempo. E as outras cidades que têm barragens? Qual a reflexão sobre isso? Qual o preço a se pagar? Virou-se uma página ampla da história de um estado que tem minas no nome. Não há mais o que falar e discutir. É hora de parar, encontrar outras tecnologias e chegar ao século 21.”

“Temos um passaporte, um visto, que permite ir, vir e observar situações calamitosas com essa. Mas, como cidadão, posso dizer que isso já era uma tragédia anunciada”

Christian Cravo, fotógrafo


“Passei o fim de semana sem vontade de sair de casa, chorando muito. É triste pensar que, depois de tudo isso, nada foi feito. Tem gente em Mariana que nem tem a casa própria de volta ainda. Que país é este?”

Gorete Milagres, atriz

Tivemos convites para tocar em cidades por onde o rio Doce passava. Vimos coisas horríveis. Na época, achamos que tinha sido o auge dessa ganância, que aquilo seria punido de alguma forma, não esperávamos ver isso de novo”

Priscilla Glenda, vocalista da Djambê

O que conclamo agora é esse exercício de se colocar na pele de qualquer uma dessas famílias que anseiam por notícias de um parente que está desaparecido. Se todos fizessem isso, teríamos um potencial de revolta e ação muito grande”

Tadeu Jungle, videoartista


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