Jornal Estado de Minas

Helvécio Carlos

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“Temos que homenagear os negros, que foram tão fortes e sábios”

Álvaro Apocalypse sempre esteve atento à cultura afro-brasileira. No início dos anos 1970, caboclos, pretos velhos e manifestações como o congado eram fontes de inspiração para seus quadros. Mas só no início dos anos 2000, ele, à frente do Grupo Giramundo Teatro de Bonecos, decidiu criar Orixás. Filha de Álvaro, Beatriz lembra que o pai sabia da necessidade e importância de reverenciar a cultura negra. “Ele sempre dizia que temos que homenagear os negros que foram tão fortes e sábios, que conseguiram, apesar de tanta dificuldade, trazer esses deuses, essa cultura para o Brasil. Por que falamos e estudamos tanto a mitologia grega e sabemos pouco ou quase nada da mitologia africana? Olha o que temos na culinária, na música e nas artes que eles trouxeram. Vamos contribuir um pouco...”, recorda Beatriz.
Dezoito anos depois da estreia de Orixás, último espetáculo de Álvaro Apocalypse para o Giramundo, a peça volta repaginada com patrocínio do Programa Petrobras Distribuidora de Cultura. A turnê começa em 8 e 9 de fevereiro, no Teatro Municipal de Nova Lima.

No dia 24, será apresentado no Cine Theatro Brasil, na programação da Campanha de Popularização Teatro & Dança. Pará de Minas receberá Orixás em 8, 9 e 10 de março, no teatro da cidade. No interior, estão previstas duas oficinas de manipulação
de bonecos.
Em cena, 45 bonecos de madeira e isopor, conduzidos por seis manipuladores, contam a origem do mundo, da Terra, do homem e a riqueza da cultura africana, seus deuses e heróis. A novidade é a trilha sonora interpretada por músicos negros. “Papai tinha paixão por histórias desconhecidas, pelos negros. Ele sempre teve vontade de tentar mudar a visão das pessoas através de sua arte”, relembra.



COM A PALAVRA
BEATRIZ APOCALYPSE
Diretora do Grupo Giramundo

O que o público pode esperar da remontagem de Orixás?
Um espetáculo dinâmico, com música de excelente qualidade, grandes interpretações e videoprojeções que chegam para compor e clarear ainda mais esse universo dos deuses africanos. Na montagem de 2001, o espetáculo foi gravado em um centro tradicional de Belo Horizonte, do Tatetu Kitulange, que fez a consultoria mitológica.

Agora, unificamos os dialetos presentes nos diálogos e descrições textuais. Para isso, consultamos o Tatetu Arabomi, de Mateus Leme. Para gravar a trilha, convidamos vários artistas e músicos negros. Tiramos o espetáculo de dentro do “terreiro” e o levamos para o “povo”, para um lado mais artístico e emocionante, mas sempre preservando a magnitude do texto original. Foi um trabalho difícil, mas altamente prazeroso.

Orixás foi o último espetáculo dirigido por seu pai, Álvaro Apocalypse, que morreu em 2003. Quais lembranças você tem dele nesta produção?

Tive o privilégio de acompanhá-lo nas reuniões de pesquisa no centro do Tatetu Kitulange. Fizemos isso durante mais ou menos dois anos. Ele escutava as histórias, anotava, desenhava e se interessava cada vez mais.
Ia às sessões, jogava búzios. Ele era filho de Xangô (Nzazi), por quem tinha muita devoção. Coincidiu que, na época, eu me iniciei no candomblé. Estávamos vivendo e respirando orixás. Chegávamos em casa e o assunto era somente esse. Livros de pesquisa, revistas... Assim ele começou a escrever o roteiro e Kitulange o ajudava com algumas correções. E eu cada vez mais admirada.

Para a nova trilha, você convidou um elenco de primeira que trabalha com a cultura afro-mineira. Quais contribuições eles levaram para o espetáculo?
O bacana foi que, nos primeiros encontros no Giramundo, todos eles compraram a ideia, arrepiamos juntos várias vezes. Contribuição? A cultura, a força e a história que corre no sangue deles.
Sérgio Pererê trouxe influência de outros ritmos (diferentes nos atabaques da primeira trilha) e a presença de outros instrumentos, como flautas de bambu, mbiras, ronrocos, tamas, recos e djembés, que proporcionam uma viajem rítmica das divindades e seus elementos. Maurício Tizumba cantou e nos encantou com sua voz e interpretação de Exu. Júlia Tizumba (Oxum) cantou lindamente e fez uma interpretação de arrepiar. Fabiana Cozza me fez chorar pela beleza da interpretação. Djonga (Ogum) também cantou e interpretou muito bem, trazendo a modernidade que o personagem requer. Hot Apocalypse (Oxóssi) interpretou com muita precisão, admiração e amor ao personagem do qual é filho – nasceu este ano no candomblé, na minha casa Nzo Jindanji Kuna Nkosi, no Bairro Concórdia.

É mais fácil montar um novo espetáculo ou remontar uma peça que tem um significado tão especial para você?
Desde 2000 trabalho com remontagens dos espetáculos do Giramundo. Cada um traz um significado e mexe comigo de alguma forma. São lembranças boas que procuro guardar dentro de mim. No candomblé, aprendemos que a pessoa só morre quando paramos de falar dela. Se depender de mim, papai e mamãe nunca morrerão.
Falo muito deles. Como nasci para o Santo (Nkise) em 2001, esse espetáculo tem significado especial, de encontro com a religião e comigo mesma. Na época do meu nascimento, me encantei com a religião. É tudo muito bonito e misterioso. O aprendizado é verbal. Só aprende quem frequenta e participa. Até hoje guardo essa sensação de encantamento.

Quem são e o que representa cada um dos orixás no espetáculo?
Exu é a ligação dos homens com os orixás, o mensageiro. Ogum é senhor do ferro, dos caminhos, da construção, da agricultura, da tecnologia. Ossaim é curandeiro, senhor das plantas e folhas, mago mágico. Oxóssi é senhor das matas, provedor do sustento, da caça consciente, senhor da fartura, caçador de uma flecha só e marido de Oxum. Xangô é senhor da justiça, dos raios, da tempestade, orixá do poder. Obaluaê é senhor da cura, das doenças contagiosas, filho de Nanã e Oxalá, ponto de contato do homem (físico) com o mundo (terra). Oxumaré (arco-íris) é a mobilidade, atividade, representa riqueza e fortuna, transformação, é o início e o fim.  Logunéde, orixá da beleza, filho e Oxóssi e Oxum. Iemanjá é mãe dos orixás, senhora das águas, divindade da fertilidade, divindade dos mares. Oxum é rainha das águas doces, senhora da beleza, dona do ouro e da riqueza. Iansã é mãe do céu rosado, do entardecer, senhora das almas dos mortos, senhora dos raios. Nanã é mãe das águas paradas, dos pântanos, dos mortos, da transformação. Ela deu o barro para Oxalá fazer o homem. Erê é intermediário da pessoa com seu orixá, reside entre a consciência da pessoa e a inconsciência do orixá. Oxalá criou o mundo e a espécie humana, é um orixá mais velho, senhor da felicidade e do progresso.

Ogum rege 2019. O que podemos esperar do ano e o que fazer para atrair as energias do orixá?
Teremos um ano intenso de muitos obstáculos que não poderão ser adiados. Ogum entra na guerra e só sai quando ganha. Será um ano de luta, de iniciativa e de conquistas. Decisões difíceis de serem tomadas podem ser, finalmente, resolvidas em 2019. Será um ano de movimentos e de caminho. Claro, de acordo com nossas escolhas. Como o ano será de movimento, será um ano rápido, devemos ter cuidado com atitudes e palavras precipitadas, pois o retorno das consequências será rápido. Temos que nos manter firmes, objetivos e dispostos a seguir adiante. Se estivermos certos, venceremos. A fé nele, uma oração, uma vela acessa já é o suficiente para mover e transformar as energias.

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