(none) || (none)
UAI

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas

Quase memória

Em Cloro, Alexandre Vidal Porto conta a história de um gay reprimido que se casa com uma mulher. Autor diz que tentou negar a própria homossexualidade e que a trajetória do personagem poderia ter sido a sua


postado em 21/12/2018 05:03

Alexandre Vidal Porto, autor de Cloro(foto: ALEXIA FIDALGO/DIVULGAÇÃO)
Alexandre Vidal Porto, autor de Cloro (foto: ALEXIA FIDALGO/DIVULGAÇÃO)

O escritor Alexandre Vidal Porto acredita na vocação das pessoas para a felicidade. E mais, ele acredita que, eventualmente, é preciso que os personagens se desloquem para chegar a seus ambientes, assim como as pessoas. No entanto, nem sempre o deslocamento necessário rumo à felicidade é um caminho empreendido confortavelmente. Cloro, o novo romance do diplomata paulistano radicado em Brasília, trata desses caminhos tortos e tortuosos que nem sempre se apresentam como escolhas óbvias.

Constantino, o protagonista, adquire consciência da própria homossexualidade ainda na infância, mas empreende uma jornada dolorida de negação. Evita o assunto e o mundo gay, torna-se um adulto obcecado pelo trabalho, casa-se e passa a viver uma realidade limitada pela própria escolha. “Quase foi minha história. Essa história que, no fundo, é a história de um gay reprimido. Fui um gay reprimido durante 30 anos e tinha, desde criança, a noção de que era homossexual e de que eu não podia ser homossexual, de que não havia espaço para mim”, afirma o autor.

A inspiração autobiográfica está em Cloro, mas a narrativa é pura ficção. A fagulha para a história veio de uma notícia de jornal. Vidal leu sobre o caso de um homem morto enquanto tentava fugir de uma sauna gay pela janela, depois de perceber a presença de bombeiros no local. “Teve um problema hidráulico na sauna, e os bombeiros foram lá. O homem achou que era a polícia, que ele ia ser descoberto e tentou fugir. Fiquei com essa ideia de quem é esse personagem, casado com uma mulher, que tem uma vida dupla, está entre nós e a gente não sabe quem é.”

RÓTULO O livro também faz parte de um compromisso que o autor não tem problemas em admitir. Vidal é um ativista e acha importante haver uma literatura que fale sobre o universo gay. Não se importa de ser rotulado de escritor LGBT. “As pessoas acham ruim ser rotuladas com autor LGBT ou acham ruim ter um livro chamado de literatura LGBT. Eu, não. Ao contrário, tenho orgulho de ser um escritor LGBT enquanto estiver escrevendo sobre LGBT. Existe um certo desconforto de muitos autores, não de todos, e, na grande literatura, é um tema um pouco proscrito. Mas acho que a literatura LGBT também está saindo do armário”.

Em Sergio Y. vai à América, lançado em 2014, o personagem também precisa passar por um deslocamento para construir a própria identidade. No entanto, a temática gay de Cloro não limita a perspectiva do leitor. É um romance que fala sobre relacionamentos, sobre as fronteiras do casamento, as escolhas e suas consequências. Ser homem ou mulher pode ser menos importante do que ser humano na narrativa oferecida por Vidal. Não é apenas Constantino quem reprime a própria sexualidade, mas sua mulher também. E não há julgamentos em relação ao personagem, o que fica bem claro nas reações da mulher e da filha quando descobrem a homossexualidade do personagem. “Eu queria chamar a atenção para esse personagem, mas não de forma condenatória ou acusatória. Queria explicar o que se passa quando uma pessoa cai nessa armadilha e quais são os preços que ela paga por isso”, diz Vidal.

Cloro
• Alexandre Vidal Porto
• Companhia das Letras l 152 págs
• R$ 49,90


Quatro perguntas para...

A história de Constantino é uma história bastante comum….
Sim, é uma história muito comum. Talvez a maior parte dos homossexuais vivam isso, pelo menos historicamente. E é uma fase pela qual todos os homossexuais passam, porque, bem ou mal, você tenta não ser gay, pelo menos na minha geração. Você tentava ter uma namorada..

Acha que essa realidade mudou?
Acho que tem mudado, tem evoluído. Essa vida dupla não é mais necessária. No caso do Itamaraty, por exemplo, você quase não tinha ninguém abertamente gay. Se tinha, eram pessoas que estavam mais ostracizadas, que estavam quase com uma vida marginal aqui na instituição. Hoje, os diplomatas já chegam aqui com seus companheiros do mesmo sexo, chegam muito mais resolvidos. E acho que isso vai mudar simplesmente pelo fato de que os valores dessa geração não levam muito a orientação sexual de forma radical, eles têm um entendimento muito mais tolerante. Nas estatísticas, mais de 80% dos jovens entre 15 e 20 anos não têm problemas com relações homossexuais. Acho que é uma guerra que está basicamente vencida, ou quase. Acho que esse tipo de discurso homofóbico a que a gente tem assistido, e até as manifestações de agressividade, foram pontuais, estimuladas por declarações muito infelizes do presidente Bolsonaro, mas não acho que vá reverter e que o mundo vá condenar os homossexuais novamente. Acho que é uma coisa quase resolvida. No entanto, os homossexuais têm uma responsabilidade de se mostrar, de ser visíveis, porque, se todos fizerem como o Constantino fez, você é invisível. E o que você não vê você não respeita e pode pisar em cima. Os homossexuais têm essa responsabilidade.

Com esses novos discursos e com a sociedade brasileira apoiando um projeto extremamente conservador, você não acha que direitos adquiridos, como o da união homossexual, estão ameaçados?

Acho que está garantido. E falo como jurista. A quantidade de casamentos que já tem, a massa crítica que já tem... Talvez eu seja otimista demais e esteja querendo ver um mundo colorido, mas não consigo ver uma regressão. Você tem uma regressão cultural, mas não acho que vá haver uma regressão institucional, que haja diminuição de direitos. Sei que Bolsonaro tem aquelas declarações homofóbicas, mas você percebe que ele não tem acusado. Não é aquele discurso de ódio. Inclusive, há vários homossexuais na equipe dele. Então espero, mas é uma visão positiva, que o presidente e o seu grupo entendam que ele é presidente de todos, inclusive dos homossexuais, e que ele tem que proteger todos, inclusive os homossexuais. E, sobretudo, acho importante ter a noção de que o Brasil não é regido pela religião e que os valores religiosos podem ser valores reais para uma parte da população, mas para outros não são. E há garantias legais e constitucionais para que esses valores religiosos não sejam impostos à população, sobretudo se vierem a limitar direitos consolidados.

Escrever sobre isso é importante para você?
É. Porque, de alguma maneira, é uma questão desconhecida até certo ponto e que as pessoas evitam traçar. Mas acho que é importante exatamente nesse sentido, acho que a visibilidade é tudo. A visibilidade é que enseja o respeito. E eu me presto a essa situação de ser o cadáver da aula de anatomia. Quero mostrar para as pessoas um mundo que não é visível para elas, mostrar a ternura na sauna gay, o amor sincero num relacionamento homossexual ou a dor mesmo da condição homossexual. É um tema para mim que, até agora, tem sido importante. Essa coisa de os homossexuais se mostrarem, de certa forma, faço através da minha literatura, de mostrar que existe um mundo que faz sentido e que emociona.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)